segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

O hacker do bem contra a apatia política

Em matéria publicada do jornal O Globo de 14 de setembro de 2008, o empresário Leandro Carvalho foi entrevistado sobre sua busca por fiscalizar os demandos dos políticos. A partir de um curso sobre fiscalização dos gastos públicos, resolveu criar um site para tentar combater a apatia polícia dos cidadãos. Veja o site de Leandro AQUI - ou na barra de blogs à direita (Fiscaliza Brasil)
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Em meio à pasmaceira eleitoral, à morte da militância e à descrença na política, a história do homem que dedica a vida a fiscalizar os desmandos dos políticos e, pasmem, teve seu título eleitoral cassado.

A luz do pequeno abajur azul está acessa e ilumina o monitor de LCD de 19 polegadas. É a única lâmpada do quarto onde Patrícia Carvalho tenta dormir. Da janela do cômodo é possível ver as duas lagoas da Barra da Tijuca iluminadas pela lua e, ao fundo, as montanhas da Grota Funda. A tela do monitor bem em baixo da janela onde a paisagem de cartão postal se desvela reproduz o site da Controladoria Geral da União (CGU). É ali que Leandro Carvalho vai passar boa parte da noite fazendo o curso on-line “Controle Social - Como fiscalizar Gastos Públicos”.

Tem sido assim nos últimos três anos. Gerente de uma multinacional aos 44 anos, e morando num bom apartamento, Leandro faz expediente extra e enfrenta um périplo de dar cansaço a qualquer maratonista. Não importa. Ele encontrou sua forma de combater a apatia e falta de crédito que toma conta do eleitorado. Em sua trincheira cibernética, Leandro decidiu que vai até as últimas conseqüências para fazer com que o dinheiro dos impostos pagos na cidade de Paulo de Frontin, onde nasceu e passa os fins de semana, seja bem gasto por quem for eleito no próximo 5 de outubro.

Horas antes de sentar-se à frente com computador, o administrador, a mulher e sua filha Júlia de nove anos, retornaram de mais um fim de semana na cidade do Vale do Paraíba. Leandro, que assiste há quase duas décadas Paulo de Frontin ser comandada pelo mesmo clã, a Família Paixão, se angustia com o destino dos seus 12.544 conterrâneos.

Os amigos, em geral, estão desempregados.

Três fábricas onde chegou a trabalhar na adolescência foram fechadas e pouco ou quase nada surgiu no lugar.

Diante do caos se instalando, Leandro não percebia qualquer mudança na atitude dos governantes.

Os R$ 77,7 milhões que entraram nos cofres do município entre 2001 e 2007 pouco ajudaram a induzir o desenvolvimento local.

- Como tanto dinheiro pode ter sido gasto? - intrigava-se Leandro.

Da população maior que dez anos em 2000, 36% estava sem rendimentos. Apenas 1.388 pessoas estavam ocupadas na cidade em 2005 em trabalhos fora do serviço público. Nos domingos de noite, os pedidos de emprego dos amigos ficavam martelando na cabeça do técnico em informática.

- Mas o que você sabe fazer? - perguntou a um amigo.

- Qualquer coisa! - Para fazer qualquer coisa não tem emprego…

O que prospera na cidade são os gastos da prefeitura. O dinheiro dos contribuintes passa a ser a salvação para parte considerável de quem vive ali através de empregos públicos temporários.
O Diário Oficial de 30 de abril de 2008, que está numa pasta verde de Leandro estufada de tantos papéis, mostra a nomeação de 144 trabalhadores sem concurso público.

Escritos numa linguagem em código, é praticamente impossível para um cidadão acompanhar para onde foi o suado dinheiro nos diários oficiais. Leandro então encontrou um caminho diferente: a internet. Nas primeiras buscas, o navegante se concentrou sobre o básico de qualquer administração pública, as contas anuais prestadas ao Tribunal de Contas. Os técnicos dos tribunais analisam itens básicos dos governantes. Se gastaram mais que arrecadaram, se cumpriram percentuais mínimos para gastos de educação e saúde, entre outros. Nem está em jogo na análise das contas se o dinheiro foi roubado, por exemplo.

Logo em sua primeira caça, no ano de 2005, Leandro descobriu que tanto o ex-prefeito coronel Jurandir Paixão, que governou entre 1989 e 1992 e entre 1997 e 2004, como o atual prefeito, o sobrinho dele Eduardo Paixão, que começou em 2005 e tenta ser reeleito, tiveram suas contas rejeitadas pelos técnicos do Tribunal.

Os dois Paixão não cumpriram, para os técnicos, o básico da administração pública nos anos de 2001, 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006. Mas, a decisão dos técnicos é referendada ou não pelos sete conselheiros do TCE. Escolhidos por indicação política, em todos os seis anos eles reverteram a decisão dos estudiosos e recomendaram a aprovação das contas.
Era preciso tomar uma providência.

Afinal, quem poderia frear a falta de compromisso com o dinheiro da cidade? Leandro admitiu que precisava conhecer mais sobre o que estava fazendo. Metódico, comprou livros, fez buscas e encontrou, afinal, o que precisava para continuar sua saga: o site da Amarribo.

Nos anos 90, pessoas como Leandro - mas distantes dele 715 quilômetros - começaram o mesmo trabalho de fiscalizar os gastos públicos. Conseguiram levar o prefeito de Ribeirão Bonito, cidade do interior de São Paulo, ao impeachment e hoje são um case de fiscalização pública. No site deles, é possível obter uma cartilha que resultou no livro “Combate à Corrupção”.

Leandro descobriu que era possível reclamar ao fiscal da lei, o Ministério Público, o cumprimento de uma norma simples: que os vereadores digam, afinal, se as contas dos governantes são ou não regulares. Através da ouvidoria do MP ele fez a denúncia.

Em julho de 2008, como em todos os anos anteriores, Leandro pediu para saber o andamento da denúncia 7382. A mesma informação dos três anos anteriores: o inquérito civil público está em andamento.

Leandro não desiste. Em suas buscas, deparara-se com o Site da Transparência do governo federal.

Ali é possível descobrir quanto cada cidade do país recebeu de verbas públicas da União, inclusive de convênios. A Lagoa Azul, em Paulo de Frontin, deveria ser uma atração turística. Para isso, recebeu verbas para a implantação de Infra-estrutura turística do Ministério do Turismo.

Até o ano passado, nada tinha sido feito, mesmo com a liberação de R$ 400 mil no ano de 2006 pelo ministério. Leandro resolveu então cobrar. Ligou para Brasília e pediu para falar com o responsável na pasta. O diretor de infra-estrutura, o atendeu.

- Vocês liberaram R$ 400 mil para uma obra e nada foi feito! - contou Leandro.

- Aqui nós liberamos. Não fiscalizamos - respondeu-lhe o funcionário público.
Este ano, uma obra finalmente começou na Lagoa Azul que, segundo a promessa, ficará pronta até outubro. Não sem antes, claro, o Ministério do Turismo liberar mais R$ 570 mil para o projeto.

A procura de Leandro é incansável.

No site da Controladoria Geral da União (CGU) encontrou uma pista para a razão da falta de preparo de seus amigos na busca de emprego. Técnicos do órgão foram a Paulo de Frontin para saber como tinham sido usados R$ 2,4 milhões mandados para a educação da cidade no ano anterior.

O relatório mostra dezenas de irregularidades, inclusive em compras superfaturadas. Numa escola, por exemplo, os fiscais descobriram que, das 25 réguas compradas, só dez chegaram.
Mas, o que fazer com tanta informação sobre descalabros com o dinheiro público? Leandro procurou jornais, emissoras de rádio e TV e pouco conseguiu. No país onde quase diariamente a Polícia Federal anuncia a descoberta de um poço de corrupção tão grande quanto os de petróleo do présal, quem vai se importar com a pequena Paulo de Frontin? Pediu ajuda então ao programa “Olho Vivo”, do governo Federal, que promete ajuda aos cidadãos para fiscalizar os gastos.

- Como eu posso conseguir mostrar o que descobri para toda a população? - perguntou por telefone.

- Nós vamos te mandar um material para ajudá-lo.

Alguns dias depois, Leandro recebe em sua casa um pacote fechado.

A esperança é que, enfim, vá atingir o objetivo de mostrar aos seus conterrâneos e a todo o resto da população como se administra o dinheiro da cidade onde nada prospera.

Leandro abre a caixa com cuidado.

Suas esperanças se renovam.

Afinal, será possível tirar a cidade, quem sabe o país, da letargia em relação à política e levar o tema de volta à vida pública. Mas, dentro da caixa encontra umas poucas cartilhas e uma camiseta com as inscrições: “O que você tem a ver com a corrupção?”.

São necessárias novas forças para combater a revolta. Leandro vai para o quarto olha seu computador.

Surge a idéia: montar seu próprio site onde vai mostrar as informações que obteve e como é possível consegui-las. A militância on-line é o melhor que pode fazer porque este ano não poderá votar: seu título foi cancelado pela Justiça Eleitoral sob a alegação de que ele não vive em Paulo de Frontin.

Fonte: O Globo

Um comentário:

Anônimo disse...

Lenadro, coragem e muita força pra vc.

Abraços.