segunda-feira, 15 de março de 2010

Entrevista com o vascaíno Douglas Lacerda

Na edição número 38 da edição impressa do Valença em Questão, entrevistamos o músico - e também vascaíno - Douglas Lacerda. A entrevista com Douglas abre uma série aqui no blog das melhores entrevistas do jornal impresso.

No buteco com Douglas Lacerda


Douglas Lacerda é valenciano, vascaíno, morador da Vila Progresso e tem 27 anos. Estudou na Escola Normal, Instituto de Educação, José Fonseca e terminou o Ensino Médio no Theodorico Fonseca - com uma ajudinha no conselho de classe - estudando à noite, já que estava trabalhando como Auxiliar de Serviços Gerais da NKM Imobiliária. Estudar, confessa ele, nunca foi seu forte. Pensou em fazer vestibular para Engenharia Química, o que provoca risadas até hoje. Mas, ao abrir o jornal, viu o vestibular da Escola Politécnica da Estácio de Sá para o curso de Produção Fonográfica e não teve dúvidas. Em uma conversa descontraída durante a Festa da Glória, na Casa da Manteiga, Douglas contou um pouco da sua trajetória como músico em Valença.
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Início e influências
Sempre gostei de ouvir Rock’n’roll e acordava ouvindo Roberto Carlos, por causa da minha mãe. Ela tinha um violão e nunca tocou, mas também não deixava eu pegar de jeito nenhum. Ela saía pra trabalhar com meu pai, eu pegava a poltrona, colocava em cima da cama, e pegava o violão, isso com uns 11 anos. Aprendi com meu tio três notas e a partir disso comecei a raciocinar sobre como funcionava e percebi que tinha que fazer aulas de violão. Queria aprender porque a construção das notas era daquela forma.

Fui estudar com o Pinheiro e depois fiquei um tempo estudando sozinho. Quando me liguei que eu queria música, abri mão de várias coisas e ficava em casa estudando, me dedicando, ao ponto de minha mãe pedir pra eu sair de vez em quando. Foi então que conheci o Thiago Xisto (guitarra), o Rodrigo Pixuim (baixo) e o Diego (não tocava bateria ainda) e nos juntamos. A gente não tinha nem instrumento direito, mas o Diego pegava garrafa de 2 Litros e colocava bola de gude, os pratos eram umas calhas pintadas de amarelo com uns cabos de vassoura. Tudo muito precário, pra variar. Mas aí as coisas foram acontecendo. Meu pai, com muito sacrifício, conseguiu me dar uma guitarra no Natal. Era muito ruim, mas nada era fácil e pra mim foi maravilhoso pegar uma guitarra, um sonho. Não parava de tocar. E o fato de ouvir muita coisa e tocar o dia inteiro, comecei a pegar as paradas no ouvido e a entender a lógica que eu sempre procurei.
Banana Jam, Apologia e SD14

O tempo foi passando e formarmos a banda Banana Jam, que durou uns cinco meses e um show no Clube da Alegria. E então veio a banda Apologia, com ensaio todo dia. Daí o pai do Thiago Xisto começou a arrumar uns showzinhos pra gente, como festa da Getúlio Vargas, da Aparecida. Nessa época o Eduardo Natal já tinha entrado na banda. E aí começaram a surgir os contatos e fomos tocar em Areal, Paracambi. Tocava toda sexta, sábado e domingo. Com 14 anos, viajando, tocando, várias mulherzinhas, R$ 20,00 por show, era muito divertido! Aí a Apologia teve um problema de grana e acabou. Entrou dinheiro no meio, fudeu! Depois o Jean Tavares chegou, e juntamos de novo eu, Diego e Pixu. Mas aí eu fui pro Rio estudar e logo no início o Eduardo Natal me chamou para o projeto da SD14. Ficava a semana inteira fora e vinha no final de semana pra tocar. A gente gravou um disco, tocava na rádio pra caramba, teve muita visibilidade.
De volta a Valença

Mas aí começaram a rolar vários estresses com meu tio, que pelo fato de eu ter “saído” da igreja, pediu o quarto que eu morava, dizendo que ia fazer um estúdio e fui parar num cubículo num casarão velho. E aí, no último período da faculdade, larguei tudo no Rio e voltei pra Valença. Não tinha como terminar.
Fiquei muito vagabundo em Valença. Foi uma época de dureza total. Mas também nunca gostei de gastar dinheiro com zueira. Isso mudou tem pouquíssimo tempo (risos). Na Igreja conheci o Rafael Brito, e fazíamos várias paradas juntos de música no Rio, mas acabamos nos afastando. E um belo dia o bagulho de Orkut começou e fui ver se achava o Rafael. E achei. O dia que ele me adicionou já deixou um recado “me liga urgente”. Liguei e ele disse que estava compondo, que o Exaltasamba tinha gravado uma música dele, que estava dando uma grana boa e que eu tinha que voltar pro Rio pra compor junto com ele. E fui, com muito sacrifício e também porque estava sem perspectiva nenhuma em Valença.

Composição
Fizemos três músicas e gravamos as três. Um belo dia eu estava em Valença fazendo uns servicinhos de gravação e o Rafael me liga: “Você sabe quem vai gravar nossa música?”. “Quem velho?”. “O Belo!”. Que foda!

Era um trabalho que eu já esperava alguma coisa há muito tempo. Como compositor eu já tinha feito bastante coisa: músicas pro SD14, pra grupos de pagode que, além de escrever, também produzia - dentre eles Nova Era e Mulekes do Samba.

Quando eu comecei a produzir uns discos pra galera do pagode de Valença, comecei a encaixar algumas paradas minhas, que por sinal não eram muito boas. Mas era o que tinha (risos). E aí essa gravação do Belo foi o primeiro contato com editora, arrecadação, direitos autorais como autor. Uma surpresa muito boa!
E nesse disco do Belo botaram como música de trabalho uma versão de uma música americana, que durou só uma semana. Quando ele fez um acústico na Rádio Nativa ou 98, tocou Intriga da Oposição, que é a minha música com o Rafael, e na hora a galera começou a ligar pedindo pra tocar e a gravadora teve que mudar a música de trabalho. E normalmente música de trabalho fica de três a quatro meses rolando bem e vai diminuindo depois até tocar muito pouco. A Intriga da Oposição ficou nove meses. O disco é de 2006 e bombou em fevereiro de 2007! Hoje em dia o sucesso é descartável e ficar nove meses tocando direto é sinistro.

E aí começam os contatos. Já tive música de trabalho com Os Travessos, que fiz junto com o Mileno; o Pique Novo gravou música minha e do Edgar. Música com o Edgar eu já fazia há muito tempo, mas o Edgar é maluco né velho! (risos)
Reconhecimento

Hoje em dia eu tenho um reconhecimento no meio do pagode, que apesar de me garantir o sustento, não é um meio que eu quero ficar. E eu tenho muito mais vontade de estourar coisas minhas no meio pop do que no pagode. Mas, como compositor, o pagode foi a porta de entrada. E eu não sou de ficar escutando pagode, mas é o que me proporciona poder viver de música. Já consegui comprar até um Fiat Uno!, pagar as contas e ajudar meus pais, que era o que eu mais queria.
Processo de composição

Hoje em dia eu tenho uma autonomia como compositor que os produtores entram em contato por telefone ou e-mail falando que vão fechar um disco tal e que precisam de uma música assim ou assado, o famoso “briefing”. Mas também tem muita coisa minha que entrou sem ser “brifada”, como no Sorriso Maroto, que é um dos grupos mais difíceis de entrar no pagode porque os caras do grupo compõem muito bem. Como compositor a gente divide a música em partes: A, B e Coro (refrão). Pro Sorriso, eu tive uma idéia de A e B que eu achei muito boa, mas muito pop, no sentido de não convencional do pagode, uma melodia parecida com o pop internacional. E mandei essas duas partes pro Arnaldo Saccomani, sem o Coro. E ele ligou uma semana depois dizendo que tinha terminado a música e se poderia ter terminado. Falei: claro! Ele enviou pro Sorriso Maroto, que já estava com o repertório para o disco fechado, e o diretor da gravadora falou que não entrava mais nada. O Bruno, vocalista do Sorriso e produtor do disco, falou com o diretor da gravadora e então tiraram uma música pra colocar essa. Isso foi sem “briefing”. E pra tirar uma música e colocar outra com o repertório já fechado, ela tem que vir arrebentando. E veio.

Alternativa (?) Sul FM
Eu não conheço o João Alberto pessoalmente, apesar de achar o cara um prego. Quando a gente tocava no SD14, fomos uma vez fazer entrevista na rádio, o que já é raro ver na Alternativa. Nessa época um vereador cedeu meia hora pra gente. E o João Alberto veio dizendo que gostou muito da gente, que éramos muito bons, etc. E era época de eleição e estávamos fazendo “showmício” pra um candidato que ele não apoiava. E, pelo que entendi na época, ele vetou nossas músicas na rádio. Até aí beleza, não quer tocar?, então foda-se. A Alternativa Sul não arrecada ECAD mesmo. O cara arrecada R$ 100,00 por mês, dá R$ 0,01 pra cada compositor e diz que arrecadou e está tudo certo. Rádio pequena é assim, não tem arrecadação pra compositor.

Depois disso, quando a Intriga da Oposição estourou no Brasil inteiro, ficando em segundo lugar no Brasil, junto com Justin Timberlake e outros, na Alternativa Sul não tocava. E aí veio a do Pique Novo, que também estourou no Brasil inteiro. De novo, nada de tocar na Alternativa. Eu tenho minhas dúvidas se realmente é perseguição, mas é estranho né?! Eu não faço questão de que ela toque, porque não vou ficar mais rico com isso. E o mais estranho é que a Alternativa é uma rádio que toca pagode pra caralho.

Cenário valenciano
Quem trabalha com arte em Valença não tem apoio nenhum. E tem muita banda em Valença hoje em dia, o que não acontecia quando eu comecei a tocar. Tem uma galera que faz um som aí do bom, mas tem muita gente ruim também. Alguns acabam de aprender um instrumento e já querem fazer violão e voz no barzinho. Quando eu fazia violão e voz com o Jean Tavares, não tinha quase ninguém, era só o Paulinho Lima, Morgado, Gordurinha, a galera mais velha. O que acontece é que a galera paga um preço cada vez mais baixo pra ter um show no seu estabelecimento.

Também é uma ilusão achar que vai ganhar dinheiro tocando na noite em Valença. Então, o que atrai a molecada é aparecer, falar por aí que toca na noite, ganhar status. Uma piranhagem com quem estuda há um tempão. O som do cara é maneiraço, mas o dono do bar não quer saber se a música é boa ou ruim. Ele quer a casa cheia. Eu parei de tocar na noite em Valença porque não admito mais ver gente que está começando agora pedir pra dono de bar tocar de graça ou por R$ 30,00. E pra tocar por R$ 30,00 eu prefiro comprar uma caixa de cerveja com a rapaziada e ficar bebendo sem tocar. Como vou levar meu instrumento que vale uma grana, preparar repertório, ensaiar, fazer uma parada bacana, e aceitar “cachê” de R$ 30,00 porque tem uma galera que está cobrando isso? Não dá. O único lugar que eu disponho a levar minha guitarra e minha pedaleira que eu comprei e que custaram uma grana pra mim, é no pesqueiro do Vitinho. Lá ele pega a portaria e dá um dinheiro justo. E tem gente que se esconde no banco de trás, ou na mala, pra não pagar R$ 5,00. Aí é foda. Não dá nem 2 cervejas.

Perspectiva
Não tem como não falar da Tribo Urbana e da Província como referências. A gente ia ver o Marcos Prado ensaiar. Mas, hoje em dia e daqui pra frente, acho difícil acontecer algo parecido de novo em Valença. O status, para o molecada, está acima da vontade em lutar pra conquistar espaço, qualidade e profissionalismo. Uma hora você acaba falando: ou arrumo emprego ou continuo tocando! Quando você entra no meio, é mais fácil viver como compositor do que como músico. Ainda mais numa cidade pequena como Valença.
Projetos

Eu não me sinto mal em escrever pagode não! A vertente dos pagodes que vem sendo gravada é muito diferente do convencional. Está rolando uma influência de rock, sertanejo, black, Roberto Carlos. Isso anima em continuar a escrever também. E os caras estão querendo essas músicas novas. Mas, por outro lado, outro dia escrevi uma música pra Maísa, aquela garotinha do SBT! (risos). É um trabalho como outro qualquer.
A minha idéia hoje é fazer uma banda com meus parceiros como Maroon 5, com qualidade, com identidade. Esse é o projeto da banda Facy, que está nascendo. Quero muito produzir esse disco.
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Algumas Composições de Douglas Lacerda
• Belo - Intriga da oposição (2006) e Pare pra pensar (2009)
• Sorriso Maroto - Eu sou desse jeito (2009)
• Pique Novo - Ligando os fatos (2009)
• Os travessos - Você não quis me ouvir (2008)
• Grupo Louca Paixão - Deu no que deu
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Conheça o projeto de guitarra instrumental “4.700 substancias tóxicas”, de Douglas Lacerda, Jean Tavarez, Diego Souza e Léo Peruca
www.myspace.com/douglaslacerda2
http://www.bandafacy.com.br/

5 comentários:

Anônimo disse...

Grande Douglas, e pra melhorar ainda é vascaíno!!! Não fosse o Dodô ontem, teríamos vencido o menguinho...

sem chororô, vascô disse...

Ou seja, se não fosse o time do vasco o flamengo teria perdido...timinho, rs.

Tyler Durden disse...

Entrevista antológica neste dia!

Alimentamos a alma e perdemos umas células hepáticas, mas valeu o encontro com o Douglas e o Mileno.

Valença sempre teve bons músicos, sambistas, jongueiros e isso uma hora aflora, mesmo no terreno estéril da nossa industria cultural. Grande nossos artistas e pequena a nossa rádio que consegue tocar só a ´fubazeira´ do pagode (pra não falarmos em politica...)

Douglas falou muito bem com a simples autoridade de quem acredita no taco, quer dizer, na guitarra.

Parabéns aos nossos conterrâneos(as) pela música e cultura que temos e recebemos. Parabéns até aos "pregos" da vida, embora pra estes a gente tb pede piedade, Senhor, piedade...

Anônimo disse...

• Belo - Intriga da oposição (2006) e Pare pra pensar (2009)
• Sorriso Maroto - Eu sou desse jeito (2009)
• Pique Novo - Ligando os fatos (2009)
• Os travessos - Você não quis me ouvir (2008)
• Grupo Louca Paixão - Deu no que deu.

Como diz o cara do Kibeloco:
Não, obrigado.
Próximo, por favor.

Edgar do Cavaco disse...

Detector de invejometro acusa para ANONIMO!
A nossa radio, infelizmente eh uma piada..