segunda-feira, 12 de julho de 2010

FLOYD POR BULLETS: DERRUBANDO OS MUROS DE VALENÇA *

Lamento pelos que não quiseram ou não puderam ir. Os felizardos que estiveram presentes na noite/madrugada de sábado (10) para domingo (11) no salão principal do Clube dos Coroados assistiram, embasbacados, um espetáculo grandioso, digno dos melhores eventos culturais metropolitanos que raramente visitam esta nossa desafortunada e provinciana terra de “barões” e “marqueses” falidos. No palco, a banda valenciana The Black Bullets prestou tributo à inglesa Pink Floyd, uma das mais seminais da história do rock.
Sobre os homenageados, muito já foi dito e escrito. Concentremos nos homenageadores. São cinco jovens – João, Felipe, Rômulo, Fred e Cristiano - que, como quaisquer cidadãos comuns, trabalham e estudam, enfrentando as trincheiras da vida cotidiana e traçando planos pessoais para o futuro. Nisto em nada se diferem de nós, podres mortais. Porém quem, como este que ora escreve, costuma frequentar as poucas casas noturnas de Valença onde se pode encontrar boa música, especialmente o pesqueiro (seria melhor dizer “oásis”) do Vitinho, já os ouviu interpretar versões arrebatadoras de grandes clássicos do rock´n´roll, para gáudio dos amantes do gênero.
Ano passado, os meninos do Bullets ousaram estremecer as pilastras do auditório Paulo Demarchi Gomes e – mais importante – abalar as estruturas carcomidas do “aristocrático” festival promovido pela Associação Balbina Fonseca. Não se classificaram entre os melhores. Ainda bem!!!. Um dia, um vetusto executivo de uma tradicional gravadora britânica recusou taxativamente uma então desconhecida banda formada por quatro moleques meio petulantes, alegando que ninguém se interessaria pela música que faziam. O nome da banda?... The Beatles. Curiosamente, vinham de uma cidade que, tal como Valença,  era assolada pela decadência econômica e pela modorrência cultural. Anos depois, um deles, Paul McCartney, já famoso, quando perambulava pelos clubes do underground londrino, descobriu outra banda iniciante, igualmente formada por quatro moleques meio petulantes, e deve ter recordado os tempos em que ele e seus amigos eram rejeitados pelos que se arrogavam detentores da cultura. Resolveu apoiá-los. O nome desta outra banda? ... Pink Floyd.
Mas... chega de curiosidades sobre a história do rock’n’roll. Voltemos aos Bullets. Eles também já andaram representando Valença, sem apoio algum e pouco reconhecimento local, exceto do seu séqüito de amigos e admiradores, em eventos ocorridos em outras praças, como o Canta Rio Sul e o Festival de Bandas Jovens de Juiz de Fora. Pois bem, estes cinco jovens, movidos pelo poder do sonho e pelo amor à música, idealizaram um projeto ambicioso: o de reproduzir ao vivo – com maior fidelidade ao original quanto possível – o som teatral e espacial que a banda liderada por Roger Waters criava e executava.
Contudo, sabiam que apenas o poder do sonho não lhes bastaria, perspicazes que são para desconfiarem destes slogans baratos de autoajuda que bobagens do tipo “O Segredo” andam destilando por aí. O projeto “Pink Floyd” custou-lhes não apenas capacidade de sonhar, mas também – e sobretudo - trabalho. Trabalho incansável. Por quatro meses, os meninos abriram mão de horas que poderiam ter sido direcionadas ao lazer ou ao sono para dedicarem-se metodicamente a ensaios intermináveis, nos quais cada verso e acorde das composições de Waters e companhia, cada solo da guitarra de David Gilmor, cada virada da bateria de Nick Mason, cada nota das harmonias vocais floydianas eram minuciosamente estudadas e praticadas à exaustão. Perfeição era a meta. Um trabalho hercúleo. Trabalho coletivo. Além dos cinco Bullets, agregaram-se o competentíssimo Cláudio Morgado nos teclados e as maravilhosas Cíbila e Sheila nos backing vocals, além de outros companheiros da equipe técnica.  Também cuidaram do marketing e, junto à diretoria do clube, da organização do espetáculo. Tudo pensado e planejado profissionalmente, em seus mínimos detalhes, como é raro se ver em Valença.
O resultado?... Bem, o resultado foi descrito no primeiro parágrafo. Foi como se a nossa frente estivesse o próprio Floyd com suas alucinantes viagens musicais. Quando a banda inglesa conquistou o mundo, nos anos 70, Valença ainda gozava das benesses materiais que a indústria têxtil e um comércio relativamente forte propiciavam. Será possível à cidade reviver o passado, tal como The Black Bullets fez reviver o Pink Floyd? Creio que não. O passado pode ser representado. Não ressuscitado.
Mas os meninos do Bullets nos deram uma lição: demonstraram que há uma Valença capaz de reagir à pasmaceira que hoje a cerca. Que está ao nosso alcance, com uma combinação de ousadia, planejamento, trabalho, talento e companheirismo destruir as amarras que nos prendem ao fundo do poço. Que se forem oferecidas condições, oportunidades e  voz aos jovens valencianos, serão capazes de libertar nossa cultura das mãos de meia dúzia de “instituições tradicionais” que a querem monopolizar. Porque cultura não tem dono. Do contrário, a música britanicamente universal do Floyd não poderia ter sido tão bem executada neste esquecido sertão fluminense. E há outros meninos fazendo rock´n´roll, samba, hip-hop, capoeira, teatro, poesia, escondidos nos porões do submundo desta cidade. Pudera ser eu um Paul McCartney daqui para descobri-los.
            Vários representantes do setor empresarial de Valença compareceram ao tributo do Black Bullets ao Floyd. Espero que tenham aprendido um pouco. Como educador, aprendi muito, embora os roqueiros ingleses tenham cantado “we don´t need no education” em um dos seus maiores sucessos. Infelizmente, não vi muitos representantes da nossa “classe política” no Coroados. Talvez não gostem de rock´n’roll. Ou talvez tenham preferido aproveitar as horas da calada da noite para costurarem suas tramas maquiavélicas sobre como eleger prefeitos por vias inconstitucionais para depois serem derrubados no meio do mandato e deixarem o município acéfalo; ou como destruir patrimônios públicos sem o consentimento da sociedade; ou como cometer arruaças pela cidade à noite e, apesar de preso, preservar seu cargo; ou como entregar negligentemente serviços públicos de primeira necessidade aos mandos e desmandos de empresas concessionárias de competência e interesses duvidosos.
            Eles se acham os donos de Valença, protegidos que são por seus muros de arrogância e impunidade. Mas a história mostra que muros caem, como tão bem teatralizou a ópera-rock “The Wall”, do homenageado de sábado. Muros caem. Balas pretas neles.
            Thanks, Bullets.
            Syd Barret agradece.

fotos: Tiago Xisto

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