domingo, 16 de setembro de 2012

VQ // 44 // Educação

Um apelo pela educação pública de qualidade

Em nome das estatísticas, a educação pública do estado do Rio de Janeiro está sendo corroída. Quem está dentro das salas de aula sabe dos constantes incentivos – via bonificação – para a fabricação de números positivos

Por Rafael Monteiro

No final de agosto saiu o resultado do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2011. O Ideb é o principal demonstrativo brasileiro para determinar o nível da educação do país. Os critérios levados em conta pelo Ideb são:

- índice de pontuação dos estudantes na Prova Brasil, que leva em conta o conhecimento destes em português e matemática;

- o número de estudantes que abandonam as escolas;

- o índice de aprovação dos estudantes em suas respectivas séries.

O resultado do Ideb para cada estado é a combinação entre estes três critérios de avaliação dos estudantes. Este resultado demonstrou que a educação do estado do Rio de Janeiro saiu do penúltimo lugar em 2009 e foi para décimo quinto em 2011. Numa entrevista concedida à rádio CBN no dia 15 de agosto, o secretário de educação, Wilson Risolia, afirmou que o resultado foi “extraordinário”, mas que há muito a ser feito até 2014 para alcançar a esperada quinta colocação.

Para nós, professores que estão dentro das salas de aula, está claro que a educação do estado do Rio de Janeiro piorou nos últimos dois anos, ainda que não tenhamos meios para determinar se a piora foi maior do que aquela que já observávamos nos anos anteriores. Mas por que este contraste entre o ponto de vista daqueles que vivenciam a realidade dentro da sala de aula e aqueles que vivenciam os números informados por esta realidade?

A resposta pode estar naquilo que o secretário de educação afirmou na entrevista à rádio, quando perguntado sobre como sair do pior índice da região sudeste do Brasil até 2014. O secretário responde utilizando os dados fornecidos pelo projeto que elaborou, no qual os professores que receberam formação continuada tiveram o aumento da aprendizagem dos seus alunos. Como o secretário não tem outro meio para detectar maior ou menor aprendizagem do aluno a não ser quando ele é aprovado por aquele que é preparado para isso, o aumento da aprendizagem informada pelo secretário se refere às altas taxas de aprovação dos alunos destes professores que receberam formação pela Secretaria de Educação. Pode-se, portanto, deduzir que a formação oferecida pela Secretaria visa instruir os professores de como devem alcançar melhores índices de aprovação dos alunos, ou seja, enquadrá-los dentro deste método de criação de números.

Quem conhece a Gide (Gestão Integrada da Educação) – um dos projetos do secretário Wilson Risolia – sabe que meios para a fabricação de números são constantemente incentivados como contrapartida para uma possível bonificação oferecida pela Secretaria de Educação anualmente – outro projeto do secretário de educação. Sendo assim, fica-se evidenciado como aqueles que olham a realidade através dos números acabam tendo um ponto de vista completamente oposto àqueles que veem a realidade sem nenhuma mediação.

Considero fundamental que o país tenha um mecanismo de avaliação da educação, mas para quem conhece os mecanismos infames utilizados pelos governos para fabricar números, observo que o Ideb não é capaz de exercer o papel desta avaliação.

O cálculo do Ideb, por ser a combinação entre os três critérios citados acima, permite que se aumente a aprovação dos alunos ou esconda os índices de abandono destes com o objetivo de conquistar médias mais altas do que a realidade demonstraria. E o engano desta ideia de que os números apresentados pelo Ideb representariam a realidade das escolas fica mais patente pelo fato de que o estado do Rio de Janeiro se manteve ainda numa posição tão ruim porque teve baixos níveis de aprovação.

Ora, quem está dentro das salas de aula do estado sabe o quanto somos pressionados pelo governo e seus projetos de fabricação de números para aprovar alunos em séries em que nem condições de exercerem têm. Ou seja, se tivéssemos agido sem critério na aprovação dos alunos – como sugere a Gide, por exemplo – ao invés de piorarmos nossa colocação no Ideb teríamos subido para as primeiras posições. Isso pode significar que a educação do estado do Rio de Janeiro nunca esteve em penúltimo e não é a décima quinta do Brasil, porque não está totalmente submetida às regras de fabricação de números, embora se encontre em péssimas condições. Mas se os professores se submeterem integralmente a estas regras que não são capazes de avaliar a realidade da escola, corremos o risco de piorar ainda mais a qualidade da educação, mesmo que os números adquiridos por estes critérios a apresente entre as primeiras colocadas.

Por isso é essencial os professores não se omitam diante da destruição da educação pública em nome de estatísticas nefandas que visam se tornar propagandas políticas de governos e pessoas em épocas de eleição. Nós, que temos consciência da realidade educacional das escolas públicas, não podemos participar da hipocrisia destas práticas e discursos que são propagados como se buscassem melhorar a educação, mas que servem para maquiar a destruição de um serviço público fundamental para a construção de um país mais igual e democrático.

Não podemos deixar que a hipocrisia dos governos nos contamine. A sociedade, que cada vez mais se distancia da escola, também não pode se omitir e deve participar junto com os professores do processo de resistência em relação a esta prática de disfarce da realidade da escola através dos números. Este é o meu apelo à sociedade!



Acesse o Portal Ideb e tenha acesso aos índices de todo o país, incluindo as escolas de Valença
http://www.portalideb.com.br



Rafael é professor do estado do Rio de Janeiro


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