quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Acabada a "lua de mel", começa a dura, e fundamental, construção cotidiana das UPP's

Editorial do Observatório de Favelas

Temos assistido nos últimos dias um conjunto de notícias negativas sobre as favelas ocupadas pelas UPP's ou, no caso do Alemão e Penha, pelo Exército: conflitos entre forças militares com setores da população e com traficantes, denúncias de ações arbitrárias e de atos de corrupção, protestos e reivindicações de moradores, etc. A grande imprensa tem divulgado com destaque esses episódios e revelado preocupação com os rumos do programa.

O que está acontecendo era previsível e já havíamos sinalizado essa possibilidade em textos anteriores. De fato, as forças de pacificação não são panacéias. Elas são instrumentos fundamentais para a garantia do exercício dos direitos fundamentais dos moradores das favelas, mas isso exige sua articulação com outras forças centrais, tanto no âmbito do Estado como no campo da sociedade civil.
o diálogo, a criação de instrumentos coletivos de participação e de controle social do território são os melhores caminhos para a presença da segurança pública


As UPP's devem estar integradas a um projeto de desenvolvimento local e subordinadas a princípios e estruturas republicanas de controle social. Assim, ouvidorias comunitárias, juizados especiais; câmaras de mediação de conflitos e outros órgãos de assistência aos moradores não podem deixar de ser levados em conta para que a experiência das UPPs não se transforme em novas formas de controle privado, e criminoso, dos territórios populares.

O fator mais preocupante, considerando o conjunto de notícias, é a dissonância reiterada entre as forças militares e uma parcela da população local. O fato revela que a ação policial continua sustentada em um pressuposto de afirmação de ordem urbana autoritária, hierárquica e externa à dinâmica local, em um quadro onde o Estado se sente o ponto de partida e de chegada de toda ação de ordenamento territorial. O contrário disso seria um pretenso caos que dominaria as favelas e só pode ser enfrentado a partir do controle estatal.

Com isso, perde-se a oportunidade de se construir uma perspectiva de ordem pública efetivamente democrática, participativa e negociada, no qual se busque, atender de forma efetiva, aos desejos dos cidadãos, levando-se em conta o direito à diferença e as formas particulares de convivência, historicamente estabelecidas nas favelas.

Não é simples buscar um caminho comum para a construção de uma cidadania integral. Mas, certamente, o diálogo, a criação de instrumentos coletivos de participação e de controle social do território são os melhores caminhos para que a fundamental presença da segurança pública, como um direito dos cidadãos das favelas, não se perca na frustração, na violência e no retorno da soberania criminosa a estes territórios.

Um comentário:

Anônimo disse...

Desde 2008, quando a Secretaria de Segurança do Estado do Rio implantou a primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) no Morro Santa Marta, em Botafogo, o domínio do território das favelas por criminosos armados de fuzis foi posto em xeque. Com todos os problemas, o projeto de pacificação de favela se apresentou como uma alternativa bem-sucedida ao abandono imposto pelo poder público às favelas, que deram espaço ao crime organizado do narcovarejo, encastelado nos morros há pelo menos 50 anos. Além do conceito de policiamento comunitário ou de proximidade, que começou a atuar como mediador dos conflitos e canal de comunicação com a cidade ordenada e os serviços públicos, a Unidade de Polícia Pacificadora trouxe novos policiais, motivados e aparentemente mais bem capacitados do que gerações anteriores.

O primeiro caso concreto de corrupção em UPP, trazido à tona por reportagem de João Antonio Barros, na edição de ontem do jornal O Dia, confirma a cantilena de adversários políticos do governo, de que está tudo como antes no quartel de Abrantes. Os policiais fingem que reprimem o tráfico, os traficantes fingem que não vendem drogas. A banda podre da polícia se infiltra no projeto de pacificação? Ou a UPP também tem seu lado podre? O comando da UPP do Fallet/Coroa/Fogueteiro caiu de maduro. O comando-geral da PM tratou de afastar os chefes daquela UPP e, numa espécie de intervenção, determinou a ocupação do território por tempo indeterminado pelas forças especiais do Bope e do Batalhão de Choque. É como se não tivesse acontecido a pacificação daqueles morros. Alguém não fez o dever de casa. E isso sempre resulta em retrabalho, para usar uma linguagem do mundo corporativo.
A corrupção está entranhada no aparelho policial. Assim como o jogo do bicho corrompeu policiais civis fluminenses a partir da década de 50, o tráfico de drogas botou no bolso policiais militares, a partir da década de 80. Esse ciclo de corrupção policial não para, apesar de todos os esforços de gestores da segurança pública nos últimos 30 anos. Nesse período é difícil de se calcular quantos PMs foram expulsos por envolvimento com o tráfico -- seja como protetores, seja como sócios dos traficantes de drogas. Mas com certeza essa é uma das origens do fortalecimento dos criminosos e seu constante derespeito às autoridades policiais. Normalmente traficantes que conhecem bem o preço de determinados policiais são os mesmos que partem para o confronto com PMs, a quem chamam de "vermes' por, um dia estarem no "arrego' - na lista de propinas - e em outro estarem subindo o morro em operações determinadas por superiores.
O confronto armado no Fogueteiro na noite de sábado, no qual um PM foi baleado (corre o risco de ficar tetraplégico), é um sinal de que há alguma coisa fora da ordem naquela UPP. Policiais corruptos deveriam entender que sua proteção ao crime custa muitas vezes a vida dos próprios colegas. Para começo de conversa, não é possível acreditar que ainda existam traficantes armados de fuzis nas áreas pacificadas, após longas operações de ocupação pelas tropas de unidades especiais da PM. Se existe traficante armado em área pacificada, tem alguém tentando enganar o contribuinte.
O caso da corrupção na UPP veio à tona com a prisão de três PMs levando R$ 13 mil. Eles foram presos após investigação feita pela Coordenadoria de Inteligência da PM, que já vinha monitorando 30 policiais da UPP do Fallet. São todos suspeitos de estarem na lista de propinas do tráfico. O episódio deve servir de alerta para os responsáveis pelo projeto de pacificação de favelas. Sem um controle rigoroso -- como já disse aqui -- o projeto de UPPs pode apenas mudar o dono do morro.
Jorge Antonio Barros