sábado, 30 de junho de 2012

Revolução quase silenciosa

Autor: Hélio Schwartsman    Retirado do Jornal: Folha de São Paulo

SÃO PAULO - Dados do IBGE mostram que a proporção de católicos no Brasil continuou caindo entre 2000 e 2010 e que, pela primeira vez, verificou-se também uma redução em seu número absoluto. Isso tudo era mais ou menos esperado. A questão que intriga os especialistas é saber se há ou não um fundo do poço, um piso abaixo do qual os católicos não despencam.

E uma análise dos números de 2010 sugere que não. No ainda inédito artigo acadêmico "A dinâmica das filiações religiosas no Brasil entre 2000 e 2010", os demógrafos José Eustáquio Diniz Alves, Luiz Felipe
Walter Barros e Suzana Cavenaghi mostram que a população evangélica tem proporcionalmente mais mulheres e jovens, e menos idosos. Isso significa que apenas pelo efeito da inércia demográfica, ou seja, mesmo que não houvesse novas conversões, o rebanho evangélico já cresceria mais do que o católico.

Mais interessante ainda, o texto mostra que o colar da região metropolitana do Rio de Janeiro, excluída a capital, funciona como uma espécie de "eu sou você amanhã" para o Brasil. O que ocorre nessa área em termos de religião acaba se repetindo no país 20 ou 30 anos depois.

E, olhado para esse conurbado, verificamos que os católicos são só 39%, enquanto os evangélicos já chegam a 34%. Mantidas as tendências atuais, no Brasil, até 2030, os católicos serão menos de 50% e, até 2040, deverá haver empate entre as filiações de católicos e evangélicos. Detalhe importante: os católicos caem com mais rapidez onde é maior a pluralidade de denominações. Ou seja, diversidade gera diversidade.

Ao que tudo indica, o Brasil caminha para um feito relativamente raro na história das nações, que é o de mudar sua religião hegemônica. E deve fazê-lo sem derramamento de sangue ou autos de fé. Só não será uma revolução silenciosa, brincam os autores, porque evangélicos não costumam respeitar a lei do silêncio.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Comissão do PNE na Câmara aprova 10% do PIB para a educação

Retirado do site do G1

 

Texto precisa ser aprovado no Senado; atualmente país aplica 5% do PIB.
MEC diz que novo índice vai exigir uma 'tarefa política difícil'. 

A comissão especial do Plano Nacional de Educação (PNE) aprovou na noite desta terça-feira (26), na Câmara dos Deputados, a aplicação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em políticas de educação ao longo de dez anos, ou seja, até 2020 quando termina a vigência do plano.
A proposta aprovada diz ainda que até chegar aos 10%, a aplicação deve ser no mínimo de 7% do PIB. Hoje o país aplica 5,1% do PIB no setor, incluindo recursos da União, dos estados e municípios. Para vigorar, o texto ainda precisa ser aprovado pelo Senado.

Em nota, o Ministério da Educação afirma que para se chegar aos 10% do PIB será necessário uma  "tarefa política difícil". Segundo a nota, a proposta aprovada pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados que analisa o PNE equivale, na prática, ao longo da década, a dobrar em termos reais os recursos para a educação nos orçamentos das prefeituras, dos governos estaduais e do governo federal.
“Em termos de governo federal equivale a colocar um MEC dentro do MEC, ou seja, tirar R$ 85 bilhões de outros ministérios para a Educação. É uma tarefa política difícil de ser executada”, explicou o ministro Aloizio Mercadante.

O Ministério da Educação vai estudar as repercussões e as implicações da decisão e vai aguardar ainda a tramitação no Senado Federal.
Salários dos professores
Ainda nesta terça foi aprovada a meta de equiparação do salário dos professores ao rendimento dos profissionais de escolaridade equivalente. O relatório do deputado Angelo Vanhoni (PT) previa a equiparação até o final da vigência do plano, que é de dez anos. A proposta, no entanto, estabelece a equiparação até o final do sexto ano do PNE.
O Plano Nacional de Educação está em análise na Câmara desde o final de 2010 e define diretrizes para a educação brasileira na próxima década, por meio de 20 metas. Elaborado a partir de 2.906 emendas apresentadas por parlamentares e entidades da sociedade civil, o relatório foi feito a partir do projeto de lei feito pelo Ministério da Educação e enviado ao Congresso pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em dezembro de 2010.

 

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Programação Cine Glória 29/06 a 05/07

A ERA DO GELO 4 (3D)
Classificação: Livre
Gênero: Animação
Horários: 15h00, 19h00 e 21h00 Dublado / Sala 2*
*Obs: Não haverá sessão na sala 2 segunda-feira.


MADAGASCAR 3: OS PROCURADOS (3D) – ÚLTIMOS DIAS
Classificação: Livre
Gênero: Animação
Horários: 17h00 Dublado / Sala 2*
*Obs: Não haverá sessão na sala 2 segunda-feira.

E AI, COMEU? (2D)
Classificação: 14 anos
Gênero:Comédia / Nacional
Horários:
Sábado e domingo: 17h30, 19h30, 21h30 / Sala 1*
Sexta, segunda, quarta e quinta-feira: 19h30 e 21h30 / Sala 1*
*Obs: Não haverá sessão na sala 1 terça-feira.

Dia 06 de julho lançamento mundial de O ESPETACULAR HOMEM ARANHA (3D).

Mais informações
cinegloria.com.br
facebook.com/CineGloriaValenca
Tel: (24) 2453 3040

Julgamento do prefeito de Valença entra na pauta do Supremo

Retirado do site do Supremo Tribunal Federal. As sessões podem ser vistas através da TV Justiça e da rádio justiça.

Recurso Extraordinário (RE) 637485
Relator: Ministro Gilmar Mendes
Vicente de Paula de Souza Guedes x Ministério Público Eleitoral
Recurso extraordinário, em face de acórdão do TSE que, em sede de agravo regimental, confirmou decisão para cassar o diploma dos candidatos eleitos e diplomados para os cargos de prefeito e vice-prefeita do Município de Valença-RJ, nas eleições de 2008. Alega o recorrente, em síntese, que a decisão recorrida violou o art. 14, §§ 5º e 6º, da Constituição Federal, pois teria deixado de fazer a distinção entre reeleição, que implica o mesmo cargo, com eleição para cargo de mesma natureza, e que a alteração da jurisprudência ocorrida depois da eleição realizada viola o princípio da segurança jurídica, frustrando a previsibilidade das consequências do ato a ser praticado. Sustenta que a proibição da reeleição decorre do princípio democrático da alternância de poder, evitando a perpetuação de mesmo grupo político à frente de determinada localidade, e a eleição para novo mandato em município diverso não podendo ser considerada reeleição.
Em discussão: Saber se é possível o exercício de mais de dois mandatos consecutivos de prefeito em municípios diferentes.
PGR: Pelo desprovimento do recurso.

terça-feira, 26 de junho de 2012

As leis

Autor: Vladimir Safatle      Reproduzido do jornal: "Folha de São Paulo"

Egito e Paraguai não têm muita coisa em comum, a não ser a fragilidade de suas democracias. Eis países que gostariam de se ver caminhando em direção à consolidação democrática, mas que descobrem como tal caminho pode ser atrapalhado, vejam só, pelas leis.

Certamente, uma afirmação dessa natureza será rapidamente contraposta pelos ditos defensores do Estado democrático de Direito.

Na verdade, tais defensores querem nos fazer acreditar que as leis que temos devem sempre ser respeitadas, sob o risco de entrarmos em situações de puro arbítrio nas quais o mais forte impõe sua vontade. Eles esquecem como, muitas vezes, criamos leis que visam permitir que grupos interfiram e fragilizem os processos democráticos. Ou seja, leis que são, na verdade, a mera expressão da vontade dos grupos sociais mais fortes.

Isso explica porque a democracia, muitas vezes, avança por meio da quebra das leis. Ela reconhece que ações hoje vistas como criminosas possam ser, na verdade, portadoras de exigências mais amplas de justiça. Foi assim, por exemplo, com as greves -compreendidas durante muito tempo como crimes, e aceitas hoje como direito de todo trabalhador. Vale a pena lembrar desse ponto porque vimos no Egito e no Paraguai situações exemplares do uso da lei contra a democracia.

No Egito, um tribunal constitucional dissolveu o primeiro Parlamento democraticamente eleito da sua história por julgar inconstitucional uma lei parlamentar que proibia membros do regime ditatorial de Mubarak de participar de eleições. Não só a lei aprovada pelo Parlamento era justa, como o ato de dissolvê-lo por julgar inconstitucional uma de suas ações é claramente uma aberração. Mas tal golpe foi feito na mais clara "legalidade" e sem nenhuma manifestação da comunidade internacional.

Já no Paraguai, o Congresso votou o impeachment do presidente em um processo sumário, que durou algumas horas e sob a acusação nebulosa de incompetência (há de perguntar qual parlamentar escaparia de uma acusação dessa natureza). Tal lei serve apenas para tornar o presidente refém de um Congresso que, há mais de cem anos, representa as mesmas oligarquias. Um processo sério de impeachment exigiria amplos direitos de defesa e esclarecimento. Mas tudo foi feito "legalmente".

Diga-se, de passagem: até o golpe de Estado brasileiro (1964) foi feito "legalmente", já que o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, declarou vacante a Presidência por Goulart ter "abandonado" o governo ao procurar abrigo no RS, tomando posse o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli. O que demonstra como nem sempre estamos protegidos pelas leis.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

A desonestidade dos políticos

Autor: Renato Janine Ribeiro  Retirado do jornal "Valor econômico"

Tony Blair é alvo de três romances contra marqueteiros
No Brasil, quando falamos em desonestidade dos políticos, entendemos que eles são corruptos e roubam dinheiro público. No Reino Unido, entende-se que eles - ou ele, um modelo em especial, Tony Blair - mentem à sociedade. No Brasil, o descontentamento se expressa em postagens mal escritas e em artigos repetitivos nos jornais. Na Inglaterra, o protesto resultou em literatura - e da boa. Conheço três livros a respeito, dos quais dois foram transpostos para o cinema. São "O Fantasma", de Robert Harris, publicado em 2007 e depois filmado por Polanski (como "O Escritor Fantasma"), e "A Pesca do Salmão no Iêmen" (2006), de Paul Torday, que virou o filme que acaba de estrear em nosso país, com o impossível nome de "Amor impossível", dirigido por Lasse Hallström.
Falta ir para o cinema o melhor desses bons livros, "The Uncommon Reader", de Alan Bennett (2007). O autor imagina que a rainha Elizabeth começa a ler e isso muda sua vida, tornando-a mais crítica dos fatos e ao mesmo tempo, talvez, uma pessoa melhor. O título é um jogo de palavras. Na Inglaterra, "common" é o plebeu. Por isso, a Câmara dos Comuns é eleita pelos plebeus, os não nobres, a maioria esmagadora da sociedade. A rainha é a mais "uncommon" das pessoas, porque está no auge da nobreza - mas a rainha leitora também se torna uma pessoa incomum, porque começa a pensar por si mesma. Daí que, no final do livro, ela observe que seu décimo primeiro-ministro, o governante marqueteiro, tem auxiliares ignorantes e que se orgulham disso. Nenhum deles tem cultura. Todos somente se preocupam em marketing.

Esse é o ponto comum das críticas a um primeiro-ministro que aparece nos três livros com outros nomes ou mesmo sem nome, mas porta os traços de Tony Blair. Ele não dá importância à verdade dos fatos, mas à sua aparência. Tudo vale, se puder ser aproveitado politicamente. De certa forma, isso já aparecia num bom filme que exalta Blair, que é "A rainha" (2006). Elizabeth II era apresentada no seu pior momento, quando ela e o marido não compreenderam o amor popular pela princesa Diana e, em vez de se associarem à enorme dor popular, esconderam os príncipes recém-órfãos. Blair, chamando Diana de "princesa do povo", soube capitalizar o sentimento popular. Mas em "A rainha", Stephen Frears mostra Blair como o líder que usa sua habilidade política para, na última cena, canalizar o apoio do povo - e da monarca - para a mais que necessária reforma na educação.

Numa chave mais leve, "Simplesmente Amor" (2003) apresenta um premier, representado por Hugh Grant, que se apaixona pela empregada do palácio e, por esse amor, também enfrenta o presidente dos Estados Unidos, que quer possuir a moça e, metaforicamente, o Reino Unido. É um filme agradável, uma comédia romântica. Mas ainda é um filme da lua de mel com Blair - a quem sugere que, afastando-se da liderança norte-americana, ele seria uma pessoa decente.

Esse Blair - que também conseguiu o acordo de paz na Irlanda do Norte, um feito mais que elogiável - desapareceu. Em "O Fantasma", ele se esconde nos Estados Unidos, para fugir ao ódio de seu povo e talvez também à justiça de seu país. É até suspeito de ser agente norte-americano, traidor portanto de sua pátria. Em "Uncommon reader", ele oscila entre a falta completa de cultura e a manipulação mais desbragada das pessoas. Em "Amor impossível", só está interessado em imagens que rendam dividendos políticos. A história é a mais cômica das três: um rico xeique iemenita se dispõe a pagar a fortuna que for necessária para criar e pescar salmões no Iêmen - um país que não tem a água nem a temperatura adequadas para criar esses peixes típicos de lugares frios. O governo britânico, desejoso de mostrar uma cooperação bem sucedida com um país árabe, seja qual for, obriga um cientista a entrar nesse projeto absurdo. E a assessora de imprensa do premier não recua diante de nenhum expediente para conseguir notícias favoráveis à imagem do governo.

Agora, a questão que cabe é: por que os britânicos convertem seu descontentamento com um governo que acabou mal em boa literatura, e nós não? Nos Estados Unidos o ótimo Philip Roth faz algo parecido, com a crônica, bem em filigrana, dos anos neoconservadores em seu país. Isso aparece no fundo de seus livros, como quando ele menciona o processo movido contra Clinton devido a seu romance com uma estagiária. Mas ignoro uma produção literária ou mesmo artística em outros países que se compare ao modo como os britânicos transformam os anos de seu descontentamento em literatura.

Como ficamos nós? Do período de FHC, restaram as tiras poéticas de Luís Fernando Veríssimo, "As cobras", dizendo que o então presidente estava se descuidando do "social" (que despencava da árvore, caía num rio etc.). Da gestão Lula, nada. Um escritor notável, que é João Ubaldo Ribeiro, não perdeu ocasião de atacá-lo em sua coluna nos jornais, mas suas crônicas não se alçam ao nível de seus romances, não indo além do plano de algum comentador habitual. Por que não temos uma literatura que trate, com qualidade, da nossa política? Sei que não é fácil. Parece que nos acostumamos mais ao discurso semi-difamador, em vez de nos dispormos a um texto criativo. Curiosamente, os romances britânicos que mencionei são muito críticos. Condenam Blair sem piedade, mesmo que nunca mencionem seu nome. São ferozes com o marketing político que, aliás, hoje é uma prática quase unânime no mundo. Só que eles criticam bem. São sofisticados. Dá prazer lê-los. Ficarão, creio eu, nas estantes dos livros que vale a pena ter, mesmo daqui a décadas.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Programação Cine Glória de 22 a 28/06

MADAGASCAR 3: OS PROCURADOS (3D)
Classificação: Livre
Gênero: Animação
Horários:
Sábado e domingo: 15h00, 17h00, 19h00 Dublado / Sala 2*
Sexta, terça e quarta e quinta-feira: 17h00, 19h00 Dublado / Sala 2*
*Obs: Não haverá sessão na sala 2 segunda-feira.

PROMETHEUS (3D)
Classificação: 14 anos
Gênero: Ação, Ficção Científica
Horários: 21h00 Dublado / Sala 2*
*Obs: Não haverá sessão na sala 2 segunda-feira.

E AI, COMEU? (2D)
Classificação: 14 anos
Gênero:Comédia / Nacional
Horários:
Sábado e domingo: 17h30, 19h30, 21h30 / Sala 1*
Sexta, segunda, quarta e quinta-feira: 19h30 e 21h30 / Sala 1*
*Obs: Não haverá sessão na sala 1 terça-feira.

terça-feira, 19 de junho de 2012

VQ // 41 // Poesia

Valença em Questão

Por Érick Ramos

Tantos lugares,
vários arredores,
tantas ruínas,
tantos horrores.

Talvez seja o jeito humano,
o jeito de ser gente,
é, o jeito desleal,
de ser alguém imprudente.

A indecência nas ruas,
a falta de moralidade,
o sentimento egoísta de não sentir,
de só falar, sem poder sentir,
não ter razões para amar.

São tantos os lugares,
tantos são fechados,
tantos que não podemos ver,
roubos sem convicções,
ladrões vestidos de terno.

Ainda há vida existente nesse lugarzinho,
vida de tantos que sofrem,
de tantos que se alegram,
de tantos que se amam,
e mesmo assim vivem sem nada reclamar.

Há também o momento jovem,
mas que momento?
Não existe quase nada, ou absolutamente nada,
onde ficamos nesse lugar,
onde nos encontramos nessa cidade?

Pois é, Valença está em Questão,
eis que não temos razão,
razão de não saber onde moramos,
será isso ilusão,
ou apenas um sermão?


VQ // 41 // Quadrinhos dos anos 10



VQ // 41 // Navegando

Sabemos que o leitor estava ansioso pela dica de literatura que deveria vir nessa edição, mas a polícia americana e sua perseguição ao conteúdo livre da internet atrapalhou o cronograma da coluna. Um leitor alertou aqui no blog que os links do blog Filmes Políticos não estavam funcionando. Falha nossa que não testamos alguns deles. Já que a última dica, apesar de alguns links ativos, no geral foi bastante prejudicada, aí vai outro blog cinematográfico:

donwloadcult.com

O acervo é maior que a última indicação e testamos diversos links. O blog dedica-se a filmes “cults”  e oferece aos navegantes a oportunidade de ver algumas obras desconhecidas e até raras. Afinal, de filmes comerciais e grandes produções, a televisão e os cinemas já estão cheios, não é? Filmes como “Os Bons Companheiros”, do Scorsese (1990) e “O discreto charme da burguesia”, de Buñuel (1972), estão disponíveis por lá. Mas é possível também procurar por raridades, como o filme “Viagem à lua” de Georges Méliès (1902), obra dos primórdios do cinema, citado em “A invenção de Hugo Cabret”, filme que concorreu ao Oscar este ano. O blog ainda oferece alguns agrados ao visitante: uma boa lista de “filmes para ver antes de morrer” e algumas discografias de cantores também “cults”. 
___

A discussão sobre downloads na internet é longa e vem movimentando a rede. Muitos blogs estão com problemas em seus links e por isso, contamos com a compreensão dos leitores. No entanto, o VQ tem duas dicas importantes: ao baixar qualquer conteúdo, tome cuidado e leia com atenção aonde

vai clicar. Como os grandes servidores estão sendo perseguidos pela polícia americana, alguns sites estão optando por servidores menores, que muitas vezes têm diversas propagandas e links duvidosos.

Essa situação também tem impacto nos arquivos que os blogs oferecem, que mudam de formato a todo momento. Uma boa dica é baixar o VLC para assistir aos filmes, um programa que reproduz todo tipo de arquivo sem exigir codecs e com menos problemas do que os reprodutores padrão do Windows, por exemplo.

 

VQ // 41 // Direitos

A marcha das mulheres livres

“Sou minha e não de quem quiser” é uma das mensagens difundidas pela Marcha das Vadias, que  acontece em diversos países desde 2011, para lutar pelos direitos das mulheres

Por Vanessa Fonseca

No mês passado, um dos assuntos mais debatidos nas redes sociais e na imprensa foi a entrevista de Xuxa ao quadro “O que vi da vida” do Fantástico. A apresentadora contou que havia sofrido violência sexual até os 13 anos de idade. O fato, revelado publicamente apenas agora, com Xuxa perto dos 50 anos, não havia sido contado nem para sua mãe, em quem confiava, por sentir vergonha e culpa pelos abusos sofridos. Como Xuxa, muitas meninas no Brasil se sentem culpadas por terem sido abusadas sexualmente.

Mas por que mulheres e meninas se sentem, muitas vezes, culpadas por sofrerem violência? Colocada desta maneira, esta questão pode nos parecer contraditória ou mesmo absurda. Mas pensemos na seguinte situação: uma menina sai para dançar e alguém passa a mão em suas pernas. Ao contar para um amigo, ouve “com esta saia curta, o que você queria?”. Não é raro escutarmos que mulheres com roupas curtas ou decotadas estão provocando os homens. Quando a violência acontece é comum que se atribua a responsabilidade à mulher que sofreu a violência, seja por estar em lugar onde não deveria estar, por ter bebido além da conta ou mesmo pela escolha da roupa.

Tomando como exemplo mais um evento midiático, podemos citar as reações do público ao suposto estupro no programa Big Brother. Sem levar em consideração se houve ou não violência sexual por  baixo do cobertor, os comentários – do público e na capa de uma revista de grande circulação – sobre o comportamento ou as roupas usadas pela participante do programa, foram usados como  justificativas para o fato. Isso nos faz concluir que ainda são necessários avanços para que as mulheres alcancem os mesmos direitos sexuais que os homens

Marcha das Vadias
Por tradicionalmente se sentirem “culpadas”, o resultado é o silencio das mulheres ao sofrerem algum
tipo de violência sexual. Estima-se que os casos de denúncia são bem inferiores ao números reais.
Uma prova disso foi o aumento de quase 50% das denúncias feitas ao Disque 100, após o depoimento de Xuxa. Não foi o número de casos que aumentou em apenas um dia, mas o estímulo à desnaturalização da violência sofrida pelas mulheres, que as fez tomar coragem para revelar o fato.

Como parte deste discurso, muitas ações para a prevenção da violência sexual têm sido voltadas para educar meninas a se comportarem de maneira segura. Foi o que aconteceu na Universidade de Toronto em uma palestra sobre segurança, em janeiro de 2011, depois da ocorrência de casos de violência sexual no campus. Nessa palestra, o policial Michael Sanguinetti sugeriu que “as mulheres evitassem se vestir como vadias (sluts, no  inglês original), para não serem vítimas”. Em abril
do mesmo ano, 3 mil pessoas foram às ruas de Toronto denunciar o quanto mulheres ainda são  reprimidas para que o desejo masculino possa existir livre de culpa. O protesto foi batizado de  Marcha das Vadias” e, imediatamente, se espalhou pelo mundo. No Brasil, a primeira marcha aconteceu no dia quatro de junho de 2011, em São Paulo. Logo em seguida, alcançou cidades como Salvador, Fortaleza, Londrina e Recife. No Rio de Janeiro, a última marcha aconteceu no dia 26 de  maio, em Copacabana, e contou com a presença de homens e mulheres indignados com as desigualdades.

Com mensagens como “ensine os homens a não estuprar, em vez de mulheres a não serem  estupradas”, “sou minha e não de quem quiser”, “quando uma mulher diz não, é não” ou “meu corpo, minhas regras”, a Marcha das Vadias reivindica o direito das mulheres decidirem sobre seu corpo e a
maneira como irão usufruir de seu prazer. É uma marcha por relações baseadas no respeito, no diálogo e na negociação entre os pares. É um direito de todos nós, homens e mulheres, termos relações com quem desejarmos e como desejarmos, desde que essas relações sejam consentidas, e por quem tenha condições de fazê-lo. Ou seja, sem que haja nenhuma forma de coerção ou intimidação, a partir de igualdade no poder de decisão.

Contra a desigualdade
A manutenção das desigualdades se deve ao fato de consideramos como naturais os comportamentos
e os desejos de homens e mulheres, o que faz com que nos acomodemos em justificativas que impeçam mudanças. Costumamos pensar que homens não são capazes de controlar seu desejo sexual, cabendo às mulheres a tarefa de se protegerem, escondendo-se, para que os homens possam continuar circulando livremente.

Entretanto, estes comportamentos são históricos e o fato de existirem homens que não reproduzem
a violência é prova de que é possível respeitar. Não é justo que continuemos a reproduzir, por meio de leis, propagandas, campanhas ou ações educativas, a ideia de que os direitos sexuais de homens heterossexuais são mais legítimos do que o de mulheres, e permitir que a desigualdade seja expressa, inclusive, pela violência.

Ser vadia nada tem a ver com as mulheres das propagandas de cerveja, aquelas que estão à disposição, prontas para serem consumidas por quem o desejar. Ser vadia é poder vestir-se com pouca roupa, ou estar bastante coberta, e não ser vista como objeto de consumo. Ser vadia é poder estar casada sem se sentir na obrigação de ter relações sexuais com o marido para agradá-lo, ou porque depende dele, e é também poder viver todas as fantasias sexuais com seu parceiro. Ser vadia é dizer sim para muitos homens e não para tantos outros. Ser vadia é poder sair pronta para seduzir e fazer a sua escolha.

Ser vadia é ser livre e a liberdade não pode nos ofender. Já a violência e a repressão, sim.

Vanessa é coordenadora de Programas do Promundo e não vê problema em ser chamada de vadia

O Disque Denúncia Nacional, ou Disque 100, é um serviço de proteção de crianças e adolescentes com foco em violência sexual, vinculado à Secretaria de Direitos Humanos [www.disque100.gov.br]


segunda-feira, 18 de junho de 2012

Rio+20: o roteiro de Ladislau Dowbor

Retirado do site OUTRAS PALAVRAS


Por Ladislau Dowbor*

Pontos de referência
Primeiro, se você se sente confuso relativamente à Rio+20, bem vindo ao clube. O desafio, no entanto, é simples. Por um lado, agravam-se os dramas do aquecimento global, da liquidação das florestas originais, da destruição da vida nos mares, da perda de solo agrícola, da redução da biodiversidade, do esgotamento de recursos naturais críticos. Por outro lado, temos um bilhão de pessoas que passam fome, destas 180 milhões são crianças, e destas entre 10 e 11 milhões morrem de inanição ou de não acesso a uma coisa tão prosaica como água limpa, ou seja, 30 mil por dia, dez torres gêmeas em termos de mortes por dia. Morrem no silêncio da pobreza, não rendem o mesmo espetáculo para a mídia. Não estamos matando, deixamos morrer. 

Um terço da humanidade ainda cozinha com lenha. Já morreram 25 milhões de Aids, enquanto discutimos o valor das patentes. Isto num planeta que graças a tantas tecnologias é simplesmente farto. Produzimos no mundo 2 bilhões de toneladas só de grãos, o que equivale a 800 gramas por pessoa e por dia, sem falar de outros alimentos. Se dividirmos os 63 trilhões de dólares do PIB mundial pelos 7 biliões de habitantes, são 5400 reais por mês por família de quatro pessoas. Com o que produzimos poderíamos todos viver com paz e dignidade. E temos 737 grupos corporativos mundiais, 75% deles de intermediação financeira, que controlam 80% do sistema corporativo mundial, o que explica o número de bilionários. No conjunto, buscam maximizar os lucros, ainda que o planeta entre em crise financeira e produtiva generalizada. A simplicidade do desafio, é que estamos acabando com o planeta para o benefício de uma minoria. Houston, we have a problem.

 Em outros termos, há uma convergência de processos críticos, o ambiental, o social e o econômico. E o denominador comum dos três processos, é o problema da governança, de gestão da sociedade no sentido amplo. Sabemos administrar unidades, uma empresa, uma repartição pública, uma organização da sociedade civil. Estamos apenas aprendendo a articular o conjunto para o bem comum, e isto, gostemos ou não, é política. Enfrentamos problemas globais quando as estruturas políticas realmente existentes estão fragmentadas em 194 estados-nação. Ao tripé que aparentemente recolhe a nossa unanimidade – uma sociedade economicamente viável, socialmente justa e ambientalmente sustentável – precisamos portanto hoje acrescentar o pilar da governança, os desagradáveis assuntos políticos, saber quem tomará as decisões, de onde virá o financiamento, como será realizado o seguimento e o controle. A Rio-92 desenhou os desafios do tripé de maneira competente, com a Agenda 21 e as grandes convenções do clima e da biodiversidade. Sabemos sim para onde ir. A Rio+20 terá o desafios mais espinhoso de enfrentar o dilema da governança, da criação de estruturas político-institucionais que façam acontecer. Não é uma opção, é uma necessidade. Com o agravamento dos processos planetários, estamos, como diz Ignacy Sachs, condenados a inovar.

Não tenho na presente nota nenhuma pretensão de apresentar respostas para dilemas deste porte. Mas pareceu-me útil fazer uma pequena resenha de documentos que me têm passado pelas mãos, uma forma prática de facilitar a vida de quem está buscando boas leituras.

Sistematização dos desafios
No geral mesmo, a leitura básica me parece ser o curiosamente chamado Plano B 4.0 de Lester Brown, disponível online e gratuitamente, em português. Trata-se essencialmente de um roteiro que apresenta de maneira simples cada um dos principais desafios, as medidas necessárias, os seus custos e factibilidade. O subtítulo do livro diz a que vem: Mobilização para salvar a civilização. Como Lester Brown atualiza constantemente os seus textos, estamos na crista da onda. Para quem maneja o inglês, aliás, vale a pena ler o seu pequeno estudo chamado World on the Edge: how to prevent environmental and economic colapse, leitura curta e genial que caracteriza a nossa crise civilizatória.

Na linha ainda das visões gerais, uma belíssima consulta online é o Keeping Track of our Changing Enviroment: from Rio to Rio+20 (1992-2012), também chamado Geo-5, publicado pelo PNUMA, que apresenta em gráficos muito didáticos, com curtos comentários, tudo que há de novo desde 1992: população, urbanização, alimentos, gênero, PIB, extração de recursos naturais, emissões, mudança climática, florestas, água, governança, agricultura, pesca, energia, indústria, tecnologia. Um instrumento de trabalho realmente de primeira linha em termos de dados básicos de como tem evoluído a situação do planeta nos últimos 20 anos.

No plano da análise em profundidade dos mecanismos, uma excelente leitura me parece ser o relatório encomendado pelas Nações Unidas, Building a Sustainable and Desirable Economy-in-society-in-nature, estudo que reuniu vários dos melhores especialistas do mundo, como Gar Alperovitz, Herman Daly, Juliet Schor, Tim Jackson e outros. O estudo encara efetivamente os principais mecanismos econômicos que temos de transformar: “Vamos precisar de uma ciência econômica que respeite os limites do planeta, que reconheça a dependência do bem estar do ser humano das relações e correção sociais, e que reconheça que o objetivo final é um bem estar humano real e sustentável, não apenas o crescimento do consumo material. Esta nova ciência econômica reconhece que a economia está situada numa sociedade e cultura que estão elas mesmas situadas no sistema ecológico de suporte da vida, e que a economia não pode crescer para sempre neste planeta limitado.” (iv)

Documentos oficiais básicos
Há naturalmente também os documentos oficiais. Podem deixar-nos irritados pelas insuficiências ou timidez, mas de toda forma são leituras necessárias. No plano geral, está o documento base a ser discutido na Rio+20, o chamado The Future we Want. Está centrado, como se sabe, “na busca da economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza.” Afirma também “a nossa decisão de fortalecer o marco institucional do desenvolvimento sustentável”, e apresenta 15 grandes desafios (segurança alimentar, água, energia, cidades etc.) Trata-se de um documento de 20 páginas, nada que ultrapasse o tempo que ficamos parados na Marginal Tieté. É um importante instrumento de construção de consensos.
Como há fortes debates sobre o que significa “economia verde”, é útil lembrar a definição do PNUMA: trata-se de um desenvolvimento que resulta em “improved human well-being and social equity, while significantly reducing environmental risks and ecological scarcities”, portanto bem-estar humano, equidade social, redução dos riscos ambientais e da escassez ecológica. Como a definição é abrangente, aqui também me parece que o problema não está no ‘verde’, e sim no ‘como’ se atinge os objetivos, na linha da cosmética corporativa ou das mudanças substantivas. As questões relevantes não são semânticas.
O documento brasileiro, “minuta para consultas”, apresenta os desafios do desenvolvimento sustentável, em 24 pontos, que envolvem tanto a erradicação da pobreza extrema e segurança alimentar, como equidade, papel do Estado, produção e consumo sustentáveis, até os temas tradicionais ambientais como água, energia, cidades e semelhantes. O conceito de economia verde é incluído como “economia verde inclusiva”. Segundo os autores, “com este importante ajuste conceitual, seria dado foco num ciclo de desenvolvimento sustentável com a incorporação de biliões de pessoas à economia com consumo de bens e serviços em padrões sustentáveis e viáveis.”(p.26) O capítulo III apresenta propostas importantes no plano institucional, e o IV resume as “propostas do Brasil para a Rio+20”. No total são 37 páginas, ainda um elenco tentativo de propostas, mas que dá uma boa ideia do que está na mesa de discussões.

Os dois documentos acima se apoiaram bastante no texto elaborado pelo painel convocado pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, o GSP (Global Sustainability Panel), chamado na versão em espanhol Gente resiliente em um planeta resiliente: un futuro que vale la pena eligir. Em 14 páginas, este documento dá conta do recado no sentido de valorizar os pontos chaves dos nossos desafios. Envolve a criação de um conselho global de desenvolvimento sustentável como marco institucional internacional, e dá particular importância à dimensão político-institucional: “O certo é que o desenvolvimento sustentável consiste fundamentalmente em que as pessoas tenham oportunidades para influir no seu futuro, exigir os seus direitos e expressar as suas preocupações. A governança democrática e o pleno respeito dos direitos humanos são requisitos indispensáveis para empoderar as pessoas e conseguir que façam opções sustentáveis. Os povos do mundo já não tolerarão que se continue a devastar o meio ambiente nem que persistam as desigualdades que ofendam o profundamente arraigado principio universal da justiça social…Ao mesmo tempo, há que alentar as comunidades locais para que participem ativamente e de forma coerente na conceituação, planejamento e aplicação de políticas de sustentabilidade. Para isto é fundamental incluir os jovens na sociedade, na política e na economia”. O resumo executivo em espanhol está em aqui.

Os manifestos
Em outro plano de documentos, há o que poderíamos chamar de manifestos éticos. Particularmente interessante é o manifesto de março 2012, assinado por 2800 cientistas reunidos em Londres, no quadro da conferência Planet Under Pressure: new knowledge towards solutions. O documento de 4 páginas apenas, State of the Planet Declaration, é duro e direto: “As pesquisas agora demonstram que o funcionamento continuo do sistema Terra tal como tem dado suporte ao bem estar da civilização humana nos séculos recentes está em risco. Na ausência de ação urgente, poderemos fazer face a ameaças à água, alimento, biodiversidade e outros recursos críticos. Estas ameaças colocam o risco de crises econômicas, ecológicas e sociais cada vez mais intensas, criando o potencial para uma emergência humanitária em escala global.” Segundo os autores, “o desafio que define a nossa era é a salvaguarda dos processos naturais da Terra para assegurar o bem estar da civilização com erradicação da pobreza, redução de conflitos por recursos, e suporte à saúde humana e do ecossistema. Com o consumo se acelerando por toda parte e o aumento da população mundial, já não é suficiente trabalhar com um ideal distante de desenvolvimento sustentável. A sustentabilidade global tem de tonar-se o fundamento da sociedade.” Trata-se aqui de um grito de urgência, que aponta para o que é talvez o nosso maior drama: o hiato entre a compreensão científica dos desafios que vivemos, e o pouco que é apreendido pelas populações em geral, submetidas a informações banais e a um martelar publicitário sem sentido. “Porque a vida é agora”, repete a propaganda de um grupo financeiro, como se não houvesse amanhã. 

Neste campo das tomadas de posição ética, é preciso mencionar também um folheto publicado por Stéphane Hessel, francês de 93 anos, intitulado Indignez-vous, indignai-vos (publicado em inglês como A Time for Outrage). Um herói da resistência ao nazismo, traz com força a denúncia dos absurdos das corporações financeiras, dos sistemas fiscais que privilegiam os ricos, e trazendo apoio a todas as manifestações atuais de indignação, seja nos países árabes ou na Europa e nos Estados Unidos. Texto simples e eloquente, uma denúncia dos absurdos, e um apelo ao bom senso e à revolta. O folheto vendeu em poucos meses mais de 4 milhões de exemplares, e apesar da visão parcialmente centrada na França, tem um apelo universal. A notar também um livrinho de 60 páginas de Stéphane Hessel e de Edgar Morin, Le chemin de l’espérance, (o caminho da esperança), clamando por uma “consciência do momento dramático que vivemos para a espécie humana, dos seus ricos e perigos, mas também das suas chances”. As propostas são “por uma política de civilização”. Os dois textos mencionados são de 2011, e poderíamos ainda acrescentar o recente livro La Voie (o caminho) de Edgar Morin.

Como apelo universal à ética da sustentabilidade, podemos também incluir o “Chamado aos governos”, uma convocação para se elaborar uma Carta de Responsabilidades Universais na Rio+20, como complemento à Declaração Universal dos Direitos Humanos. É apresentado no Fórum Internacional da Ética e Responsabilidade, vejam em particular a proposta em português em. O chamado, de 5 páginas, é assinado por inúmeras instituições e personalidades. O contato para apoio é edith.sizoo@lc-ingeniris.com.

E incluiria também neste grupo o excelente ensaio de Leonardo Boff, Sustentabilidade: o que é – o que não é, publicado em fins de 2011 pela editora Vozes. É uma visão fortemente centrada em valores humanos, a busca do que Paulo Freire chamava de uma “sociedade menos malvada”. “O pior que podemos fazer é não fazer nada e deixar que as coisas prolonguem seu curso perigoso. As transformações necessárias devem apontar para outro paradigma de relação para com a Terra e a natureza e para a invenção de modos de produção e consumo mais benignos. Isso implica inaugurar um novo patamar de civilização, mais amante da vida, mais ecoamigável e mais respeitoso, dos ritmos, das capacidades e dos limites da natureza. Não dispomos de muito tempo para agir. Nem muita sabedoria e vontade de articulação entre todos para enfrentar o risco comum”. www.leonardoboff.com ou http://vozes.com.br;

A questão chave do poder financeiro
Aparentemente sem conexão com a Rio+20, mas que a meu ver tem muito a ver, é a pesquisa do Instituto Federal Suiço de Pesquisa Tecnológica – ETH na sigla em alemão – sobre o poder global de controle das corporações. No essencial, como mencionamos acima, a pesquisa do ETH mostrou que 737 corporações, controlam 80% do sistema corporativo mundial, e nestas um núcleo duro de 147 controla 40% do total, 75% delas corporações financeiras. Na sua quase totalidade são americanas e europeias. Temos por tanto uma visão radicalmente nova do poder corporativo mundial. Note-se que o PIB mundial é da ordem de 63 trilhões de dólares, enquanto os derivativos emitidos (outstanding derivatives), papéis que dão direito a outros papéis, juros sobre juros – na prática especulação financeira – atingem 600 trilhões de dólares segundo o BIS de Basiléia. São papéis com pouco lastro, a procura de liquidez, o que gerou as imensas transferências de governos para bancos privados, o que por sua vez gera grande parte dos cortes em políticas sociais e ambientais do mundo rico. Para facilitar a vida de não-economistas, fizemos uma resenha com as principais conclusões, veja em as 10 páginas. A pesquisa do ETH foi publicada em outubro de 2011. É importante entender em que contexto econômico e financeiro mundial se dá a Rio+20. Um planeta sustentável com paraísos fiscais e com sistemas especulativos descontrolados sobre commodities, além dos financiamentos irresponsáveis que inundam o mundo de armas sem controle, francamente…

Neste plano, e entrando em defensiva, um conjunto de corporações financeiras lançou a The Natural Capital Declaration, na linha de “finanças inovadoras para a sustentabilidade”. O documento, de 3 páginas, constitui uma importante declaração de princípios “demonstrando nosso compromisso na Rio+20 de trabalharmos para integrar considerações sobe o capital natural nos nossos produtos e serviços financeiros para o século 21”. Comove sem dúvida, e naturalmente esqueceram a dimensão social, e o fato de estarem servindo mais especulação e apropriação de recursos públicos do que fomento produtivo, mas é uma tendência interessante. Está disponível online aqui.

No mesmo plano, e já com iniciativas realmente sérias, Hazel Henderson conduz há tempos um exercício importante de seguimento e avaliação do comportamento ‘verde’ das instituições financeiras, em particular de investidores institucionais como os fundos de pensão. Trata-se de imensos recursos. O sistema de seguimento do Green Transition Scoreboard 2012 mostra que nos últimos 5 anos estes fundos investiram 3,3 trilhões de dólares em energia renovável, tecnologias sustentáveis e semelhantes, com forte aumento de recursos a cada ano. Uma coisa são as motivações: claramente, estes fundos não estão sentindo pânico pela situação do planeta e dos pobres, e sim pela fragilidade dos papéis podres (junk) onde tradicionalmente realizavam aplicações. Financiar atividades ligadas à sustentabilidade aparece como uma alternativa cada vez mais viável em termos estritamente econômicos. Moralismos a parte, a reorientação de fundos especulativos para financiar sustentabilidade é sim absolutamente indispensável para fechar a conta das transformações necessárias. De certa forma, o capitalismo controlado pelo mundo financeiro é extremamente poderoso, mas na medida em que se transformou em cassino instável e improdutivo, de grande visibilidade e rejeição planetária, pode ter nesta dimensão financeira o seu lado mais vulnerável. A realidade é que esses imensos recursos são necessários para uso adequado nas reconversões sociais, ambientais e econômicas que temos pela frente. O Green Transition Scoreboard, que faz o seguimento destas mudanças, é neste sentido muito útil, e o trabalho de Hazel Henderson sempre inspira confiança. O documento está disponível no site CleanTechnica ou colocando o nome no Google.

Textos propositivos
No plano mais diretamente propositivo para a Rio+20, temos de dar destaque aos trabalhos de Ignacy Sachs, em particular ao artigo Os desafios da segunda Cúpula da Terra do Rio de Janeiro, publicado no encarte de janeiro 2012 do Le Monde Diplomatique Brasil, Sachs, veterano de Estocolmo 1972 e da Rio92, tem os pés bem firmes no chão. Considerando a fragilidade do sistema multilateral de decisões, dá uma importância central a que se aproveite a Rio+20 para traçar um roteiro concreto de planos nacionais de desenvolvimento sustentável, de fontes de financiamento (em particular a taxa Tobin), de sistemas de cooperação técnica por biomas (os semiáridos planetários, por exemplo, que enfrentam desafios muito semelhantes). Ou seja, a Conferência seria um ponto de partida para a construção de políticas nacionais, com sistemas diferenciados de cooperação e articulação com uma nova função das Nações Unidas. O texto de Sachs é o primeiro deste encarte, que apresenta 8 artigos de excelente qualidade, e dá uma visão geral dos desafios. O título geral do encarte é Sustentabilidade e Desenvolvimento: o que esperar da Rio+20.

Na mesma linha, um texto mais antigo nosso de 2010 continua plenamente atual, Crises e Oportunidades em Tempos de Mudança, de 21 páginas, fortemente centrado na convergência das crises, no resgate da dimensão pública do Estado e na capacidade de gestão pública. A parte propositiva, em 12 pontos, envolve o que nos pareceu como um programa mínimo para o resgate da racionalidade e equilíbrio do nosso desenvolvimento. É assinado conjuntamente por Ignacy Sachs, Carlos Lopes e Ladislau Dowbor. Uma versão bem humorada da parte propositiva pode ser encontrada no artigo “Os Dez Mandamentos – Edição Revista e Atualizada”, que traz mandamentos como Não Reduzirás o teu próximo à miséria e semelhantes. Textos publicados também pelo Instituto Paulo Freire e no Le Monde Diplomatique Brasil.

Para o caso específico do Brasil, um excelente pequeno documento é o “Acordo para o Desenvolvimento Sustentável”, elaborado no quadro do CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e social), como contribuição para a Rio+20. Este pequeno documento sistematiza uma série de propostas de membros do Conselho, de numerosas organizações da sociedade civil, de acadêmicos, de especialistas como Ignacy Sachs, bem como de vários ministérios. É um documento particularmente equilibrado, centrado em grande parte na governança do processo. 

Cumpre também mencionar o importante documento Indicadores de Desenvolvimento Sustentável 2010 elaborado pelo IBGE. Este balanço estatístico e analítico apresenta uma visão geral dos desafios, em quatro grandes capítulos, que focam a dimensão econômica, social, ambiental e institucional. Este último ponto é importante, pois sem a parte institucional, que envolve as políticas destinadas a tomar as decisões na direção do desenvolvimento sustentável, pouca coisa pode acontecer. De certa forma, trata-se de trabalhar com os quatro pilares, e não mais apenas com o tripé, o que envolve mudanças no processo decisório concreto. No conjunto são 55 grupos de indicadores, com breve análise. Na Rio+20 será apresentado o IDS-2012, com 62 grupos de indicadores e um avanço significativo na parte ainda relativamente mais fraca que é a institucional. Queria aqui reforçar a importância de se recorrer a este documento, que nos traz os dados primários concretos, quando a discussão frequentemente tende a se referir a dados afetados por visões ideológicas.

Evidentemente não é o lugar aqui de entrar no conjunto das propostas setoriais, referentes ao clima, água, florestas, saúde, educação e assim por diante. Há aqui inúmeras contribuições brasileiras acessíveis online, por exemplo de Ricardo Abramovay, de José Eli da Veiga e tantos outros. Há também a bela contribuição Os 50 + Importantes Livros em Sustentabilidade, da Universidade de Cambridge, publicado pela Editora Peirópolis em 2012. Leituras não faltam. Os textos que apresentamos acima ajudam sim na formação de uma visão de conjunto dos desafios e de a que vem a Rio+20 nas suas dimensões essenciais.

Um complemento apenas relativamente ao que me parece ainda as áreas mais fracas: neste mundo urbanizado, independentemente das grandes políticas planetárias e nacionais, há um imenso espaço para que cidades, individualmente ou em rede, façam a lição de casa. Esta é uma dinâmica em curso, envolvendo milhares de cidades pelo mundo afora, criando uma construção sustentável pela base. Não é suficiente, sem dúvida, mas cria gradualmente novas dinâmicas ao demonstrar de forma prática que um outro desenvolvimento é possível e funciona.

Igualmente frágil é a área de contas que façam sentido. O PIB não só é tecnicamente frágil, como induz a uma visão deformada do progresso. Temos de contabilizar o que realmente conta. Lembro-me de ter visto em Johannesburgo na África do Sul, painéis em lugares públicos que em vez de veicularem mensagens publicitárias informavam a população local sobre a evolução de indicadores essenciais como a mortalidade infantil, conexões de esgotos, acesso à água e assim por diante. Precisamos passar a medir o que realmente importa.

Outro eixo a ser fortemente expandido, o da participação política, está bem resumido na nota de Laura Rival, da Universidade de Oxford, para o UNRISD: “Para que as pessoas possam exercer as suas capacidades políticas, precisam antes reconhecer-se como cidadãos, mais do que como beneficiários ou clientes. Adquirir os meios de participar demanda também processos de educação popular e de mobilização que possa reforçar as habilidades e a confiança de grupos marginalizados e excluídos, dando-lhes meios para se engajarem em arenas participativas.” Não há “bala de prata” para assegurar a cidadania: envolve educação, inclusão produtiva, mídias democratizadas, acesso às tecnologias, segurança pessoal e assim por diante. É o desfio maior.

*Ladislau Dowbor é professor titular da PUC-SP, e consultor de várias agências das Nações Unidas. Os seus textos estão disponíveis online no site http://dowbor.org, em Creative Comons (livre uso não comercial). Ver também textos disponíveis no blog 

Sobre a Rio+20 leia também:

Rio+20: Economia Verde ou Economia Solidária?

A conferência Rio+20 e suas polêmicas

Rio+20: O bonde da vida livre está passando

Rio+20: a mudança político-cultural necessária

Celso Furtado: Economia para a liberdade


Rio+20: não deixemos passar a hora!


Rumo à Rio+20

Por uma nova economia energética

Doze pontos para uma nova economia


VQ // 41 // Crítica

Elvis à baiana

O documentário Raul - o início, o fim e o meio, de Walter Carvalho, retrata a vida do maluco beleza  Raul Seixas, que preferia não ter ‘aquela velha opinião formada sobre tudo’

Por Marianna Araujo

Da safra de documentários sobre artistas brasileiros que fizeram história, “Raul - o início, o fim e o  meio” já tem a seu favor o fato de retratar a vida de um cantor bastante conhecido e adorado  (exagero?) pela população. Mas essa condição também gera um problema: como ser original ao  contar uma história da qual o espectador já conhece vários trechos? O trunfo do diretor Walter  Carvalho – reconhecido diretor de fotografia – é a boa pesquisa de imagens e sons de arquivo.

Ao longo do documentário é possível, por exemplo, ouvir trechos de uma fita inédita (ao menos para  o público) com gravações de Raul. Há ainda fotos e filmagens caseiras que, para quem é fã, são  verdadeiras relíquias. Mas a novidade do filme de Carvalho fica por aí. O que não é pouco, se  considerarmos que a outra metade do filme é a história de um compositor bastante popular, rebelde,  que foi casado com cinco mulheres, fez discos históricos e tem admiradores como Caetano Veloso e Tom Zé – ambos têm seus depoimentos filmados.

Raul Seixas é um daqueles personagens que durante uma conversa doméstica sobre sua vida,  certamente, muitos de nós concluiríamos dizendo: nossa, esse cara dá um filme. Carvalho  possivelmente tem a mesma percepção. A diferença é que ele foi lá e fez o filme. Talvez por isso, o diretor tenha encontrado tanta dificuldade para não fazer da vida do ídolo uma grande novela. Reside aí, a meu ver, o principal problema do documentário. Walter Carvalho escorrega na armadilha de  relatar a vida do cantor como se estivesse numa conversa doméstica, justapondo acontecimentos,  doideiras e composições. Sem querer, ou querendo, ele cria relações de causa e consequência que não servem para explicar nem a vida de uma desconhecida e tranquila criatura como eu, então imagine a  de um gênio criador e questionador como Raul Seixas?

Na época do lançamento o diretor afirmou que a loucura de Raul, que envolvia drogas, bebidas,  mulheres e composições brilhantes, estaria relacionada ao fim do casamento com sua primeira  mulher, Edith. Edith era de Salvador, filha de um pastor protestante americano, e em tudo contrastava com a rebeldia do menino fã de Elvis Presley. Para que o pai dela permitisse o casamento, Raul fez vestibular para Filosofia e Direito. Passou, casou e abandonou os estudos para voltar para a música. O fim da história dos dois vai acontecer no Rio de Janeiro quando já absolutamente imerso na carreira e na vida que levava por conta dela, a mulher vai embora levando a filha. A hipótese que Carvalho  apresentou no lançamento foi que a falência da relação com Edith sempre incomodou Raul e estaria  na raiz de boa parte dos seus desvarios. Frustrado por não conseguir ser aquilo que a moça, filha do pastor, desejava como lar e família, o cantor nunca mais seria o mesmo.

Certezas prévias costumam prejudicar todo tipo de pesquisa, seja ela acadêmica ou cinematográfica.  Com o filme de Walter Carvalho não é diferente. O diretor, a todo tempo, utiliza os depoimentos para  justificar os comportamentos do seu documentado que parecem sempre ser consequência de questões familiares ou de puro descaso com a vida. Difícil crer que alguém tão criativo, tão vivo, tão consciente das complexidades do mundo simplesmente não se importasse com a vida.

A certa altura do filme, uma imagem de arquivo mostra uma reportagem de televisão em que uma  ressaca de praia destruiu o carro do cantor. Questionado pela repórter sobre a perda, Raul diz algo como: o mar tem razão, ele veio buscar o que é dele, nós é que não devíamos ter ocupado a área do mar. E termina desejando que o mar “venha mesmo” e tome tudo. O episódio, além de um momento cômico no filme, pode servir para dar a dimensão do seu personagem. Ali, naquele momento, não se tratava do carro, mas da história que existe entre o mar, os homens e a cidade. Difícil imaginar um  desses artistas almofadinhas de hoje falando algo parecido em rede nacional e no horário nobre.

É justamente aí que reside o bom do filme e a razão pela qual ele vale a pena. Nunca é demais ouvir  um ser humano genial cantar e falar. Bons também são muitos dos depoimentos. De resto, em tempos  como hoje, vale a ida ao cinema nem que seja para ouvir um dos nossos grandes artistas mostrando que música pop não é sinônimo de música ruim.

Marianna é baiana, botafoguense e baixou todos os discos do Raul pela internet

domingo, 17 de junho de 2012

VQ // 41 // Educação

O problema das salas de aula lotadas

Dando continuidade ao debate iniciado na edição 39 do VQ sobre como melhorar a educação pública,  levantamos o problema do alto número de alunos numa mesma turma. Quais as origens do problema, como isso afeta a qualidade do ensino e o que é possível fazer?

Por Sanger Nogueira

Para as pessoas com mais anos de experiência, a convivência numa sala de aula com turmas de 35/40 alunos faz parte de suas lembranças escolares. O argumento para as turmas lotadas surgiu com as  melhores intenções: quanto mais alunos numa turma, mais rápido é o processo de socialização do aluno com as denominadas “diferenças culturais”. Turma lotada significava uma melhor inserção do  indivíduo em sociedade. Para os professores, fileiras e mais fileiras de alunos serviam como status para a sua carreira.

O professor era visto como mestre naquela época e conseguia atrair os olhos de dezenas de  estudantes, através de uma mistura de reconhecimento do saber adquirido e através do medo dos  alunos pela figura do mestre. Não é difícil, ao conversar com as pessoas que já passaram pelos bancos  escolares, a lembrança de professores que “marcavam em cima” dos alunos. Os discentes
que não conseguiam o rendimento esperado eram reprovados e, com o passar dos anos, saíam da escola para o mercado de trabalho.

Esta visão romântica sobre a sala de aula foi destruída pelo processo de universalização do ensino  colocando nos bancos escolares alunos com uma série de problemas que a “antiga” sala de aula escondia: drogas, alcoolismo, prostituição, violência familiar, baixa autoestima, falta de futuro profissional. A maneira como a “antiga” sala de aula “resolvia” tais problemas era através da  reprovação, solução que se revelou uma forma de não enfrentamento. 

No entanto, a universalização do ensino foi feita sem a infraestrutura necessária para atender os alunos. O ritmo de construção de escolas deveria ter seguido o ritmo de aumento de alunos.  Infelizmente, não foi isso que ocorreu. Tínhamos cada vez mais alunos sem a construção de novas  escolas. Junto com o problema do espaço físico, o magistério perdia espaço na sociedade como uma  carreira profissional. Na proporção que aumentava o número de alunos na escola, diminuía o status  do professor dentro da sociedade. O professor foi, com uma intensidade muito maior nos últimos  anos, perdendo sua autonomia pedagógica. Ele foi burocratizado, tornando-se um mero executor de  tarefas. O atual secretário estadual de educação, Wilson Risolia, apenas demonstrou o que já vinha se desenhando há algum tempo.

Guerra aos professores
A atual gestão da secretaria de educação declarou guerra aos professores ao impor o método da  enturmação”, isto é, a forma como são alocados os alunos matriculados na escola dentro das  radicionais turmas. Funciona assim: funcionários da secretaria de educação visitam as escolas e  calculam a área de cada sala escolar. É criado então um padrão mínimo de metros que cada aluno,  teoricamente, deveria ocupar. Assim, é decidido que na sala X cabem 40 alunos e, sendo assim, aquela turma tem que ter 40 alunos com o pretexto de “otimizar”. Otimização é uma palavra bonita para formar uma turma lotada de alunos e diretamente relacionada à economia (otimizar a produção para gerar mais lucro).

Não é difícil perceber que no atual processo de criação de turmas não é levado em consideração nenhum caráter pedagógico, mas simplesmente  um cálculo matemático. Pelos métodos empregados pela atual gestão da Secretaria Estadual de Educação, o estádio do Maracanã poderia ser  considerado a maior sala de aula no Brasil.

“Dador” de aula 

As consequências para alunos e professores são desastrosas. Para o professor, a sala lotada não  permite que o mesmo descubra nos alunos as suas potencialidades ou então suas dificuldades. A relação entre professor e aluno torna-se uma coisa artificial. Não é raro, numa turma lotada, o  professor só conseguir olhar para todos os alunos na hora da chamada. Aumentam os problemas de  indisciplina e falta de vontade no estudo. A ida do professor à carteira do aluno, essencial como  método para tirar dúvidas, fica prejudicada, já que é preciso “ficar de olho” no resto da turma. Para os alunos, a turma lotada prejudica o aprendizado, quando o professor é obrigado a perder preciosos minutos acalmando os alunos por conta de barulhos e indisciplina.

Peguemos dois exemplos reais: a turma de sétimo ano do ensino fundamental do Instituto com 39 alunos e a turma do primeiro ano do Theodorico (1003) da modalidade de Ensino de Jovens e Adultos (EJA) com 43 alunos (veja a imagem). Imaginem o desafio de colocar 39 crianças, com ritmos de  desenvolvimentos e aspectos de sociabilidades distintos numa mesma sala para formar um sétimo ano. O ensino fundamental é um momento de extrema importância para o desenvolvimento de suas aptidões e habilidades.

É bastante provável a existência de alunos que gostam de estudar e que têm facilidade com o aprendizado. Por outro lado, também é comum alunos que precisam de um reforço na hora do aprendizado. O típico aluno que, na linguagem dos professores, é preciso “ficar de olho” para que ele não “coloque fogo na sala de aula”.

Além do prejuízo ao aluno, o professor se desgasta mais e tem a sua capacidade de propor novas ideias prejudicada. O docente deixa de ser professor e se torna um “dador” de aula transmitindo um conteúdo sem as devidas condições para que o aluno aprenda. Desmonte da educação pública O diário do Theodorico Fonseca, com 43 alunos em uma única turma, demonstra o final do processo de desmonte da educação pública. Em sua maioria, os alunos da EJA são aqueles que tiveram uma série de dificuldades na escola e abandonaram os estudos. Voltam para os bancos escolares para tentar recuperar o tempo perdido.

Como as aulas ocorrem no período noturno, muitos alunos passam o dia trabalhando e chegam exaustos numa sala lotada. Podemos pensar: qual é o estímulo que esse aluno tem para frequentar e aprender o conteúdo dentro dessas condições? Se o atual processo de enturmação da secretaria estadual de educação é tão ruim assim, por que ele existe? A principal razão de existência é baseada na visão de educação que a secretaria possui: tratar os alunos como se fossem números e os professores como se fossem peças descartáveis.

A atual política da educação do estado não permite a descoberta de talentos e, muito menos, ajudar aqueles que possuem dificuldades nas disciplinas. A Secretaria está sacrificando uma geração de alunos em nome da “gestão”, outro nome bonito para destruir a vida intelectual dos nossos alunos. Um crime está sendo cometido e nós estamos sendo expectadores. Esta política está transformando a sala de aula num “depósito de aluno”.

É possível mudar? Mais do que possível, é necessário. Precisamos de uma legislação que defina o número máximo de alunos por turma; precisamos, nas reuniões da comunidade escolar, colocar explicitamente que somos contra a política de lotação das salas de aula. Precisamos de pessoas para que a história não nos julgue como um bando de omissos.

Sanger é professor da rede estadual de ensino

sábado, 16 de junho de 2012

VQ // nº 40 // Cultura

Sugestões para a cultura popular valenciana

Por Alexandre Fonseca


Democratizar o acesso à cultura e sua produção são necessidades para um programa radical-democrático que dinamize a prática da cultura popular em Valença

texto de caráter muito mais provocativo do que propositivo em que tentei expor as dificuldades conceituais e políticas de se abordar a cultura popular em Valença. Agora, inspirado pelas propostas para a educação pública pontuadas pelo mestre jedi Sanger Nogueira naquela mesma edição e por conversas que tenho mantido com alguns agentes culturais valencianos, em especial com o grande maestro Paulinho do Trombone, rascunhei algumas sugestões para a dinamização da praxis cultural em nossa cidade, as quais submeto à apreciação crítica dos leitores.

Divido-as em dois eixos: ações a serem empreendidas por representantes da sociedade civil, ou seja, pelos próprios artistas e agentes culturais, e ações a serem empreendidas por órgãos ligados à sociedade política (secretaria de cultura, câmara de vereadores, partidos, etc.).

Dos representantes da sociedade civil:
• Estabelecimento de coletivos populares institucionalizados ou não (fóruns, núcleos, organizações
não-governamentais) para discussão dos rumos da cultura em Valença e proposição de atos autônomos e/ou em parceria com o Estado;

• Organização de uma pauta de reivindicações culturais a ser apresentada aos (e cobrada dos) poderes
públicos municipais e partidos políticos;

• Exercício permanente de controle social sobre o uso das verbas disponíveis para a cultura nos órgãos públicos estatais;

• Promoção de eventos artístico-culturais públicos (shows, saraus, apresentações teatrais, vernissages,
festivais, happenings multiartísticos), abertos a todos, preferencialmente nas praças e ruas do município;

• Ocupação dos espaços culturais públicos ou mantidos total ou parcialmente por verbas públicas;

• Abertura de novos espaços independentes daqueles tradicionalmente monopolizados e burocratizados (leia-se elitizados) por meia dúzia de instituições “aristocráticas” de Valença;

• Multiplicação de veículos alternativos de mídia virtuais (sites, blogs, páginas e comunidades nas redes sociais, etc.) e impressos (panfletos, jornais, zines, etc.) para a divulgação da produção cultural valenciana;

• Elaboração de projetos para captação de verbas de incentivo à arte e à cultura junto a órgãos  estatais, não-governamentais e interestatais;

• Atuação nas escolas públicas municipais e estaduais para a socialização dos saberes sobre a cultura popular valenciana, brasileira e universal junto à juventude e revelação de novos valores;

• Criação de veículos de radiodifusão comunitários que quebrem o monopólio exercido pelas rádios comerciais em Valença;

• Construção de entidades associativas setoriais e intersetoriais (cooperativas, sindicatos, associações, etc.) para valorização profissional-financeira dos artistas junto ao poder público e às empresas promotoras de eventos (fundações culturais, casas de shows, bares, etc.).

Dos órgãos da sociedade política:• Desburocratização dos meios para a organização popular espontânea dos agentes culturais em coletivos, associações e afins;

• Submissão da escolha dos gestores da área cultural aos coletivos populares de cultura e aos artistas/agentes culturais do município;

• Submissão do processo de distribuição e aplicação das verbas públicas municipais para a cultura
aos coletivos populares;

• Coelaboração – junto aos representantes dos coletivos populares de cultura – de um calendário anual de eventos artístico-culturais, para todos os bairros e distritos do município, priorizando os artistas e agentes culturais locais;

• Publicação regular de todas as informações concernentes aos atos oficiais e do emprego de verbas públicas na área da cultura;

• Organização de fóruns populares de cultura, reunindo representantes dos bairros, distritos, entidades promotoras de cultura, sindicatos, escolas, etc;

• Elaboração de projetos para a captação de verbas (além daquelas previstas no orçamento) para a cultura popular;

• Levantamento e divulgação das manifestações culturais populares ainda não visualizadas nos bairros e distritos;

• Realização de pesquisa sociológica nas escolas sobre as preferências, gostos, talentos e militâncias culturais da juventude;

• Estabelecimento de projetos de desenvolvimento das habilidades artísticas dos jovens da classe trabalhadora, em parceria com escolas de música, teatro e artes plásticas porventura existentes em Valença;

• Encaminhamento de medidas previamente discutidas com a sociedade que visem à revitalização orgânica do patrimônio da cultura material e imaterial de Valença.

Creio tratar-se de um programa preliminar simples, possível e viável, que depende sobretudo da  imaginação e da vontade política dos envolvidos. No caso dos representantes da sociedade civil, isto é, os próprios agentes culturais, depende também de sobreporem os interesses coletivos aos seus interesses particulares. Quanto aos órgãos do Estado, os obstáculos são ainda maiores, posto que espera-se dos gestores públicos eleitos pelo povo (ou nomeados pelos eleitos) que estejam realmente comprometidos com a causa da democratização das instâncias culturais no município, o que implica terem que romper com as estruturas de poder aqui historicamente estabelecidas.

Enfim, são apenas sugestões, sem pretensões messiânicas de infalibilidade, tampouco de vislumbres revolucionários. Talvez possibilitem pequenas aberturas conjunturais - aquilo que Stuart Hall chamou de “deslocamento cultural” -, brechas no sistema dominante, por meio das quais outras mudanças,  mais profundas e estruturais, possam ser encaminhadas.

Alexandre é professor de História

VQ // nº 41 // Cartas dos leitores

Acorda, Valença!
Em plena era avançada da informática, Valença continua na Idade Antiga com internet de péssima  qualidade e muitos da zona rural ou bairros rurais não têm acesso de qualidade em banda larga, pra não dizer nenhum acesso. Acorda, prefeito, na região Norte do Brasil tem luz, telefone, internet e asfalto em qualquer lugar, sem contar as estradas rurais de Valença que estão um caos.

Maria Regina Stivanin Nishie, por email

sexta-feira, 15 de junho de 2012

VQ // nº 41 / Editorial


Em busca de coerência

No último dia de maio, um amigo do VQ foi assassinado de forma brutal. Grande foi a mobilização e gritos por justiça. Infelizmente nada disso trará Rodrigo Fagundes de volta. Quando o VQ surgiu, em 2005, havia um grito contido por mudança sendo colocado pra fora. A cidade não se apresentava para nós, que começamos a fazer o jornal, um lugar com muitas possibilidades. Faltava à época atividades culturais, de lazer, educativas. Como falta até hoje. A morte do Rodrigo levantou esse debate novamente, mas pelas piores razões possíveis.

Esse fato acontece justamente quando começávamos a ver novas perspectivas em Valença, especialmente no campo cultural – infelizmente não pautadas pelo poder público. Como há muito não se via, Valença tem demonstrado sua vertente artística, com muitos shows musicais e grande parte com artistas valencianos.

Pensar a cultura como forma de transformação é o que propõe Alexandre Fonseca. O professor já havia levantado questões sobre o tema há duas edições, e agora aponta sugestões para um programa radical-democrático para a cultura em nossa cidade. Em tópicos, ele enumera sugestões para a sociedade civil e para o poder público. É, no mínimo, um bom início de conversa.

Outro tema caro ao VQ é a educação, pilar importante para uma mudança de mentalidade. Sanger Nogueira, professor de História, dá continuidade ao debate também iniciado em nossa edição de número 39. Agora Sanger discute a política de “enturmação”, que define o número de alunos numa turma pelo tamanho da sala de aula, sem qualquer critério pedagógico. Ele expõe as raízes do problema, como isso afeta o ensino e o que é possível fazer para reverter essa situação.

A colaboradora Marianna Araujo faz uma crítica do filme “Raul - o início, o fim e o meio”, documentário de Walter Carvalho sobre a vida do músico e compositor baiano Raul Seixas. A expectativa agora é que ele seja exibido no Cine Glória e os valencianos possam concordar ou não com os argumentos da conterrânea de Raul. Mas como a autora diz, nunca é demais ouvir um ser genial cantar e falar.

Esta edição conta ainda com a colaboração de Vanessa Fonseca, coordenadora de programas do Promundo, organização social que luta pela igualdade de gênero e pelo fim da violência contra mulheres, crianças e jovens. Vanessa discorre sobre a Marcha das Vadias, movimento que surgiu em 2011 no Canadá e que luta pelos direitos das mulheres. O texto amplia o debate sobre o papel dos homens e das mulheres nas relações e discute os motivos que geram as desigualdades entre os sexos.

A poesia desta edição é do jovem Erick Ramos, mais um dos poetas do Sarau Solidões Coletivas que acompanha o lançamento das edições do vq, sempre no terceiro sábado do mês, no Espaço Open Bar. Hoje, 16/06, tem mais, e na sequência ainda tem show com a banda Celeiro das Rochas.

A tira é novamente do amigo André Dahmer, com seus Quadrinhos dos anos 10. Fechando nossa edição, a seção Navegando, que na última edição teve o site indicado com muitos links bloqueados, volta com uma nova dica de filmes para baixar pela internet, gratuitamente. Mais do que filmes, o blog indicado disponibiliza também discografias de diversos cantores. No entanto, é importante levar em conta as dicas sobre os cuidados ao baixar esses conteúdos. Vírus na internet é o que não falta.