terça-feira, 11 de novembro de 2008

Funk como manifestação cultural

Depois do texto do Tom Zé - que gosta de ser polêmico - alguns (poucos) comentários foram contra sua postura, de dizer que o "tô ficando atoladinha" era ótimo, etc. , etc. Como os comentários, também discordo do ponto de vista simplista do Tom Zé. Para alimentar o debate, posto um texto da jornalista Marianna Araujo, escrito originalmente para o site do Observatório de Favelas, e que fala do funk como manifestação cultural e de um grupo de funkeiros que estão lutando para a formalização do funk como cultura (para acabar com a discriminação) e também criando uma Associação de Profissionais do Funk (a APAFUNK).

Abaixo o texto, que vale a leitura.

Funk como manifestação cultural

Há alguns anos atrás, qualquer brasileiro, se perguntado sobre o gênero musical genuinamente carioca, responderia samba. De meados dos anos 90 para cá, essa resposta não sai tão fácil, pois outro som passou a ecoar entre as vielas das comunidades e as pistas de dança da cidade. Assim como o samba, o funk se firmou como o som que é a cara do Rio de Janeiro e rapidamente tornou-se conhecido por todo o país.

O ritmo surgiu no rastro das inovações musicais dos negros norte-americanos nos anos 60. Foi a partir do soul, do jazz e de outros gêneros, que DJs brasileiros, sobretudo o DJ Malboro, desenvolveram o “som de preto e favelado” que animava os bailes cariocas ao final dos anos 80.

Na década seguinte, o funk tornou-se popular e saiu do Rio para ganhar o país. Canções como o Rap do Silva, Rap do Solitário e cantores como MC Marcinho, Sapão e Bonde do Tigrão caíram no gosto da juventude e contribuíram para afirmar a força do movimento.

MC Leonardo, em apresentação durante o III Encontro de Comunicação Comunitária,
realizado na UFRJ (Foto: Ratão Diniz/Imagens do Povo)

Manifestação cultural da periferia
A popularização do ritmo, no entanto, trouxe consigo algumas mudanças. Como é comum acontecer com as manifestações culturais populares, setores das indústrias da cultura, sobretudo a fonográfica, perceberam o potencial mercadológico da música e a incorporaram entre seus produtos. Esse processo acaba por dar visibilidade a poucos artistas, além de ditar parâmetros para a produção, a partir de critérios midiáticos e de mercado.

MC Leonardo, cantor e compositor de funks, afirma que, desse modo, uma parcela específica de artistas e composições são privilegiados, em detrimento de outros tantos. “É preciso divulgar os trabalhos dos artistas que não estão se enquadrando no mercado apelativo”. Sobre esta questão, o manifesto do Movimento Funk é Cultura, ressalta que “sob o comando monopolizado de poucos empresários, a indústria funkeira tem uma dinâmica que suprime a diversidade das composições, estabelecendo uma espécie de censura no que diz respeito aos temas das músicas”.

MC Leonardo é um dos fundadores do Movimento que surgiu recentemente no Rio de Janeiro, procurando reunir artistas do gênero e fortalecer o funk enquanto manifestação cultural. Para os integrantes do Movimento, o gênero é hoje uma das maiores manifestações culturais de massa do país e “está diretamente relacionado aos estilos de vida e experiências da juventude de periferias e favelas”, afirmam em seu manifesto.

Representação do funk na mídia
Os participantes da iniciativa têm buscado, a partir da mobilização de artistas, levar adiante a criação da Associação de Profissionais e Amigos do Funk (APAFunk). Leonardo explica que a idéia da Associação surgiu da constatação da importância de se organizar para fortalecer o movimento. “Somente juntos poderemos lutar pra que o funk tenha papel social dentro das favelas, pois hoje é inviável desenvolver esse papel no mercado”, afirma o MC. A professora Adriana Facina, uma das idealizadoras do movimento, completa, afirmando que a APAFunk tem um papel fundamental na busca por “produzir espaços alternativos para a divulgação de uma produção musical que não encontra, hoje, lugar no mercado”.

Além de buscar divulgar o funk que está à margem da indústria da música e da mídia, a Associação também terá o papel de apoiar os artistas na garantia de seus direitos, oferecendo assessoria jurídica e de imprensa. Segundo Adriana, está última é importante porque notícias que associam o funk ao crime são freqüentes. “Se um jovem de classe média é assassinado na saída de uma boate da zona sul carioca ou de uma micareta, a imprensa não vai associar sua morte ao tipo de música que estava tocando nesses lugares”, afirma a professora.

O grupo do Movimento Funk é Cultura está reunindo recursos e construindo parcerias para legalizar a associação. Mas segundo seus integrantes, ela já existe de fato, principalmente por conta das rodas de funk que vêm organizando periodicamente e do festival que acontecerá em novembro. Adriana alerta que no dia 19 de novembro, haverá uma roda organizada pelo grupo, juntamente com o professor Samuel Araújo, na Escola de Música da UFRJ, em comemoração ao dia da consciência negra. “Já são milhares de pessoas que freqüentam nossas rodas, se emocionam. Gente de classes sociais diversas, de faixa etárias que vão de 0 a 80 anos, homens e mulheres, comprovando o potencial comunicativo que o funk tem”, conclui.

Funk na lei
Ainda na busca por afirmar o ritmo como expressão cultural, o Movimento buscou apoio na esfera legislativa do Estado. Foram encaminhados dois projetos de lei, um na Assembléia Legislativa e outro na Câmara dos Deputados, elaborados pelos deputados Marcelo Freixo e Chico Alencar, respectivamente, que reconhecem o funk como manifestação cultural de caráter popular. Se aprovadas, as leis também garantirão que o gênero não poderá ser tratado de forma discriminatória. Adriana Facina ressalta que essa questão é relevante para que artistas e público possam “confrontar comandantes de batalhões e outros agentes privados ou do estado que impeçam a realização de bailes e festejos do funk”.

O que se vê é que, mesmo com seu sucesso e alcance, o gênero - e principalmente seus artistas - ainda são tratados com discrimação. A associação com o crime é apenas uma das formas de manifestar o preconceito. Há ainda quem afirme que a batida não pode ser considerada música ou que é apenas a expressão do vazio cultural que emana das periferias. Aos críticos, Adriana, que é professora da faculdade de história da UFF, responde, lembrando que “o gosto é uma construção histórica e de classe. Os que hoje se ofendem com a batida do funk são herdeiros culturais dos senhores de escravos que temiam os batuques vindos de suas senzalas, pois eles demonstravam a autonomia e a potência dos que estavam no cativeiro”. MC Leonardo faz coro à professora e conclui: “ver o funk como lixo cultural, é ir na contra-mão da história”.

Leia o Manifesto do Movimento Funk é Cultura

Leia o projeto de lei do Deputado Chico Alencar

Links interessantes
http://www.oicult.blogspot.com/

http://www.funkderaiz.com.br/

3 comentários:

Anônimo disse...

Não sou "herdeira cultural de senhor de escravo".Eu sou neguinha... Ou pequena afrodescentente, como pediria o politicamente correto... Mas me incomodam no funk, não a batida, mas algumas letras onde o sexo e, principalmente, a mulher, são tratados de forma grotesca. Isso é criticado inclusive por figuras importantes como MV Bill, quando diz que esse tipo de funk incentiva as meninas das comunidades ( e inclui sua própria irmã) a terem uma vida sexual precoce e inconsequente.Não gosto de qualquer música(?) que consista apenas em estribilhos infinitos e sons eletônicos massantes.O que é diferente de:
"Amigo eu moro na favela,
sim senhor
não tenho vergonha
de lá viver.
Nós somos pobres
mas também temos direito
de ser um povo satisfeito
e sem sofrer."
Então não dá pra generalizar.
Obs.: Tava com saudades de postar! abraços

Anônimo disse...

Talevz haja uma confusão: quando a Adriana fala em 'herdeiros culturais do senhor de escravo', ela fala em preconceito, referindo-se a rejeição por parte destes últimos ao batuque dos escravos.

Perceber que a expressão cultural não é um todo uniforme - há variadas vertente -, avaliar e buscar entender, são ações que fazem parte de uma postura crítica.

Não se trata de julgar se o funk é bom ou ruim, se a letra 'presta' ou não. Nosso gosto pessoal é uma coisa, o entendimento da cultura é outra. Se trata sim, de rechaçar o preconceito e fortalecer o movimento enquanto manifestação cultural legítima que é. E é apenas isso que o texto tenta deixar claro.

national kid disse...

Há no Brasil a mania de considerarmos tudo que toca na rádio como cultura. Deve ser porque este é um país jovem e nós somos um povo meio besta que vive de modas e modismos passageiros, ou seja somos superficiais.Ou seja somos incultos.A última pérola que vem coroar nossa é esta:é que Funk é manifestação cultural autêntica das massas negras,uma música social de protesto, etc.Não me façam rir, ora o funk é tão somente reflexo de um fenômeno que ocorre no Brasil desde os anos 90: A FAVELIZAÇÃO CULTURAL, inclusive nas manifestações afetivas e sociais. Nada tem a ver com um confuso MOVIMENTO NEGRO, isto é coisa de americano. O sucesso do funk nas camadas mais pobres da população, isto é nos jovens oriundos desta camadas se dá pelo contágio, pelo modismo, e pelas letras pornográficas e pelo ritmo sem imaginação, que pode ser reproduzido por qualquer um, mesmo desprovido de talento musical, como os funkeiros de plantão. É música de gringo, adaptada e mal feita para ser servida a uma parcela da população que devido ao abandono do estado e das instituições, e da estrutura perversa de nossa nação, pouco ou nada estudou, daí ao reproduzir o som de SAY YOU BE THERE, nos anos 90,os nossos cultos representantes da "massa funkeira" se saírem com um ridículo e lastimável UH!TERERÊ!!! Nem os terenas teriam feito pior.
O que precisamos é de inserir esta parcela da população no lado moderno e desenvolvido da nossa BELÍNDIA,urbanizar favelas, aumentar a renda da população e promover a verdadeira cultura e a educação. CHEGA DE PROMOVER A IGNORÂNCIA TAVESTIDA DE CULTURA POPULAR, CHEGA DE PROGRAMAS DA REGINA CASÉ QUERENDO NOS DIZER QUE A PERIFERIA É O CENTRO!!
NO MUNDO REAL AS PERIFERIAS E FAVELAS SÃO SINÔNIMOS DE EXCLUSÃO E MISÉRIA, SOCIAL E MORAL.E SÓ.
Este ritmo, na verdade uma mescla de de MIAMI BASS com samba da pior qualidade, com letras sexistas, racistas e animalescas, todas recheadas de preconceitos e palavrões. Uma sub música tosca e repetitiva que apoderou-se das favelas, periferias e cidades do interior como uma praga, tudo finaciado por organizações criminosas. Não tinha até uma "música" destas cujo refrão era : sou CV até morrer?
E vamos largar de vez a hipocrisia,este troço não é musica, é jingle de trafica. Da pior qualidade, feita pra arregimentar legiões de adolescentes infelizes dos morros, coisa que os nazistas já haviam feito com os vagabundos de rua da Alemanha, quando organizaram suas tropas de choque nos anos 20/30.É música pra quem não pensa, e vai ser bucha de canhão. Funk não é cultura, é a falta de cultura e inteligência em ritmo pseudomusical.