quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Operação chumbo impune - Eduardo Galeano [*]


Tudo indica que esta carnificina de Gaza, que segundo seus autores pretende acabar com os terroristas, conseguira multiplicá-los. Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem respirar sem autorização.
Perderam a sua pátria, as suas terras, a sua água, a sua liberdade, perderam tudo. Nem sequer têm direito a eleger os seus governantes.
Quando votam em quem não devem votar, são castigados. Gaza está a ser castigada. Converteu-se numa ratoeira sem saída. Algo semelhante ao que ocorreu em 1932, quando o Partido Comunista triunfou nas eleições de El Salvador. Banhados em sangue, os salvadorenhos expiram o seu mau comportamento e desde então viveram submetidos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem.

São filhos da impotência os foguetes caseiros que os militantes do Hamas, encurralados em Gaza, disparam com má pontaria sobre as terras que haviam sido palestinas e que a ocupação israelense usurpou. E o desespero, à margem da loucura suicida, é a mãe das bravatas que negam o direito de Israel à existência, gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz guerra de extermínio está a negar, desde há anos, o direito à existência da Palestina.
Já pouca Palestina resta. Passo a passo, Israel está a apagá-la do mapa. Os colonos invadem e atrás deles os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam o roubo, em legítima defesa. Não há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitler invadiu a Polónia para evitar que a Polónia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma das suas guerra defensivas, Israel devorou outro pedaço da Palestina, e os almoços prosseguem. A devoração justifica-se pelos títulos de propriedade que a Bíblia concedeu, pelos dois mil anos de perseguição que o povo judeu sofreu e pelo pânico que geram os palestinos à espreita.

Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, o que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, o que se burla das leis internacionais, e é também o único país que legalizou a tortura de prisioneiros. Quem lhe deu o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade com que Israel está a executar a matança de Gaza? O governo espanhol não terá podido bombardear impunemente o País Vasco para acabar com a ETA, nem o governo britânico terá podido arrasar a Irlanda para liquidar o IRA.
Acaso a tragédia do Holocausto implica uma apólice de eterna impunidade? Ou esse sinal verde provém da potência mandona que tem em Israel o mais incondicional dos seus vassalos?

O exército israelense, o de armamento mais moderno e refinado do mundo, sabe a quem mata. Não mata por erro. Mata por horror. As vítimas civis chamam-se danos colaterais, conforme o dicionário de outras guerras imperiais. Em Gaza, de cada dez danos colaterais, três são crianças. E somam milhares os mutilados, vítimas da tecnologia do esquartejamento humano, que a indústria militar está a ensaiar com êxito nesta operação de limpeza étnica.
E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Por cada cem palestinos mortos, um israelense.
Gente perigosa, adverte o outro bombardeamento, a cargo dos meios maciços de manipulação, que nos convidam a acreditar que uma vida israelense vale tanto como cem vidas palestinas. E esses meios também nos convidam a acreditar que são humanitárias as duzentas bombas atómicas de Israel, e que uma potência nuclear chamada Irão foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki.

A chamada comunidade internacional, existe? Será algo mais que um clube de mercadores, banqueiros e guerreiros? Será algo mais que o nome artístico que os Estados Unidos se põem quando fazem teatro? Perante a tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial brilha mais uma vez. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, a declarações ocas, as declarações altissonantes, as posturas ambíguas rendem tributo à sagrada impunidade.
Perante a tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como sempre. E como sempre, os países europeus esfregam as mãos. A velha Europa, tão capaz de beleza e de perversidade, derrama uma ou outra lágrima, enquanto secretamente celebra esta jogada de mestre. Porque a caça de judeus foi sempre um costume europeu, mas desde há meio século essa dívida histórica está a ser cobrada aos palestinos, que também são semitas e que nunca foram, nem são, anti-semitas. Eles estão a pagar, em sangue contante a sonante, uma conta alheia.
(Este artigo é dedicado aos meus amigos judeus assassinados pelas ditaduras latino-americanas que Israel assessorou). O original encontra-se no semanário Brecha, do Uruguai, e em http://www.resumenlatinoamericano.org , Nº 1159 Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

4 comentários:

Vitor Castro disse...

Da Folha on line:

O presidente recém-emposssado dos Estados Unidos, Barack Obama, defendeu nesta quinta-feira a ofensiva israelense na faixa de Gaza e disse a sua administração estará comprometida em promover a paz para a criação de dois Estados, para israelenses e palestinos, no Oriente Médio.

"Nós entendemos que Israel tem o direito de se defender pois nesses últimos anos o [movimento islâmico] Hamas lançou diversos foguetes na região. Porém, os Estados Unidos está comprometido para a criação dois Estados onde palestinos e israelenses poderão conviver juntos", afirmou Obama durante coletiva de imprensa onde apresentou o novo emissário para o Oriente Médio, o senador aposentado, George Mitchell, 75, que trabalhou pela paz na Irlanda do Norte.

O presidente dos EUA, Barack Obama, antes de assinar três ordens executivas que determinam o fechamento de Guantánamo
O presidente condenou os ataques de foguetes do Hamas antes da ofensiva e disse que "irá trabalhar ao lado do governo egípcio para manutenção do cessar-fogo". Obama afirmou ainda que o terrorismo contra inocentes é intolerável e que trabalhará ao lado da comunidade internacional para o envio de ajuda humanitária em Gaza.

"Nossos corações estão com os palestinos civis que precisam imediatamente de comida, água e tratamento médico básico [...]. Nós temos agora que estender a mão para oportunidade de um cessar-fogo, com a abertura da faixa de Gaza, para que todos possam conviver em um regime sob a supervisão de autoridades internacionais e palestinas", disse Obama que afirmou ainda que irá ajudar financeiramente para a reconstrução da economia da região.

Barack Obama defende Israel e promete criação de dois Estados no Oriente Médio
O presidente disse que a paz na região só será possível com a construção dos dois Estados, onde palestinos e israelenses "poderão conviver lado-a-lado com paz e segurança". "Agora chegou a hora para os estados europeus para agirem e darem suporte ao presidente [ da Autoridade Nacional Palestina] Mahmoud Abbas e [primeiro-ministro Salam] Fayad para conseguirem normalizar as relações com Israel para chegarem a um acordo de trégua", disse Obama.

O presidente sinalizou ainda que os Estados Unidos irão trabalhar para a abertura da fronteira em Gaza para o envio de ajuda humanitária aos feridos no confronto de 22 dias na região que deixou ao menos 1.300 mortos.

Obama prometeu combater o terrorismo na região e acrescentou que irá trabalhar fortemente a diplomacia na região para conseguir um cessar-fogo permanente e a paz.

Anônimo disse...

Recomendo o blog do Georges Bourdoukan, articulista da Caros Amigos. http://blogdobourdoukan.blogspot.com/

Anônimo disse...

Se O Obama pudesse me ouvir, eu diria a ele: Obama, seja homem de admitir que o que o senhor quer é somente a paz do cemitério que o então presidente Bill Clinton tentou; seja homem de admitir que o seu discurso sobre princípios é uma farsa; seja homem de admitir que o senhor é um personagem, uma coisa que brilha por fora mas que é vazia por dentro; seja homem de admitir que o senhor não passa de um idealista sem princípios; por favor Obama, seja homem! É tudo que peço ao senhor.

Luciane Barbosa disse...

Grande Eduardo Galeano, grande Fael...