Um relato, manifesto e desabafo e de um pensador cultural e cidadão brasileiro que teve violado seus direitos constitucionais - culturais e humanos.
Na manhã de sol do dia 30 de outubro passado saí da casa de minha mãe no bairro Dudu Lopes e contrariando uma tendência anterior minha, fui caminhando em direção ao auditório do ITERP que futuramente abrigará uma unidade do Centro Federal de Educação Tecnológica na cidade, para participar da Conferência de Cultura "decretada" pelo executivo municipal.
Ia motivado pelas leituras que vinha fazendo a respeito da II Conferência Nacional de Cultura, convocada pelo Governo Federal, por intermédio do Ministério da Cultura, que previa ser um fórum participativo que deveria reunir artistas, produtores, gestores, conselheiros, empresários, patrocinadores, pensadores e ativistas da cultura, e a sociedade civil em geral.
Imagina que estava vivendo num Estado Democrático de Direito, que combina procedimentos da democracia representativa (eleições) e da democracia participativa DIRETA. Carregava na mochila uma “questão de ordem” que havia preparado na véspera, digitado e imprimido com cópia a ser protocolada, onde fazia algumas indagações sobre o processo da conferência local, a respeito dos seus objetivos e da legitimidade da mesma perante a II CNC. Não só isso, carregava também na minha cabeça e na minha mochila várias questões para contribuir para o processo.
Ao chegar ao recinto, efetuei o meu credenciamento no GRUPO V que iria discutir o eixo V – Gestão e Institucionalidade da Cultura, que dentro da filosofia do Plano Nacional da Cultura tem a ver não somente com o fortalecimento da ação do Estado no planejamento e execução das políticas culturais mas TAMBÉM e principalmente com a consolidação dos sistemas de participação social na gestão das políticas públicas.
Logo após, às 8:30 h. entreguei a uma funcionária municipal da Secretaria de Cultura e Turismo que estava trabalhando no evento, a primeira via da minha “questão de ordem” e solicitei recibo na minha segunda via, o que foi feito e está em meu poder. Roguei para que a mesma entregasse o documento à Coordenação da conferência municipal.
Passeava pelo recinto aguardando o início do evento, observando a todos e procurando encontrar representantes da diversidade cultural valenciana. Não havia quase nenhum. O público em sua maioria era composto de funcionários municipais, especialmente da Secretaria de Educação e identificava pessoas que haviam sido convocadas por carta, “selecionadas” de acordo com os interesses do executivo, com raríssimas exceções.
Neste momento um grupo de chorinho tocava na entrada do auditório. Sentei e esperei a conferência iniciar.
Conversava comigo mesmo. “O que estou fazendo aqui?”. Pensava na opinião de algumas pessoas que haviam me confidenciado que eu não deveria comparecer porque estaria “tocando pandeiro pra maluco sambar”.
Como sou um cidadão consciente, guerreiro da luz e não das trevas, produtor cultural, pesquisador, ex-Secretário de Cultura e Turismo, pensador da diversidade valenciana e que não costuma fugir das oportunidades de manifestar meu pensamento e não gosto de correr dos desafios optei por não ficar omisso no processo. Tinha que ver para crer no que iria acontecer.
Finalmente a cerimônia de abertura com a composição da mesa, com ilustríssimo pra lá, ilustríssima pra cá, hino nacional e o escambau.
Aguardava ansiosamente para ser esclarecido sobre as minhas indagações. Foi quando a Secretaria de Cultura e Turismo, filha da vice-prefeita, anuncia que havia recebido uma “carta” (sic) do Professor (sic) Libório e que iria responder a mim pessoalmente DEPOIS.
Levantei meu braço direito, pedindo a palavra e disse inicialmente que não era professor. Não era essa a minha qualificação no documento que apresentei. Disse que a minha questão de ordem era pertinente e que estava EXPLÍCITO que solicitava que fosse apresentada no início dos trabalhos e que gostaria que ela fosse respondida naquele momento. Sua resposta iria decidir se continuaria ou não participando do evento.
A Sra. Secretária, diante da minha colocação respondeu que passaria minha questão de ordem para ser respondida pelo Sr. Álvaro Maciel, funcionário do Ministério da Cultura, lotado no setor de Artes Visuais da FUNARTE – Fundação Nacional das Artes no Rio de Janeiro, que iria apresentar o Eixo V da II CNC logo na abertura da apresentação dos eixos temáticos.
Neste momento, a claque “chapa branca” aplaudiu a Secretária com gritos de “muito bem!”, numa manifestação clara de hostilidade à minha pessoa.
Antes do Sr. Álvaro Maciel, a representante da Secretaria Estadual de Cultura, Sra. Fernanda Buarque, lotada na Coordenadoria de Diversidade Cultural, fez uma breve apresentação do Plano Estadual e do Portal da Cultura que está para ser lançado em breve.
Fugindo da programação, um indivíduo ligado a uma ONG ambiental, que não tinha nenhuma questão relevante com relação à conferência para apresentar, fez uso da palavra para fazer proselitismo e promoção pessoal.
Finalmente começa a apresentação dos eixos temáticos pelo representante do Minc., que com todo respeito à sua pessoa não soube esclarecer muito bem o tema Gestão e Institucionalidade da Cultura e ainda insinuou na sua fala que questões menores como eleição de delegados não deveria ser uma preocupação principal dos presentes. Com certeza teria apresentado o eixo MUITO melhor do que ele. Principalmente em se tratando de uma platéia leiga e desinformada que estava ali presente e que deveria ser sensibilizada melhor sobre a questão. Ao final de sua exposição, uma das apresentadoras do evento anuncia o próximo eixo a ser discutido, sem ter sido respondida minhas colocações expressas na questão de ordem apresentada.
Antes do Sr. Álvaro descer do palco, pela segunda vez, solicito a palavra estendendo o braço e ele disse que seria respondido DEPOIS e a claque mais uma vez aplaudiu o impedimento de eu falar. Foi quando uma voz, representando a Associação dos Amigos de uma biblioteca local se levantou e afirmou que não estava entendendo as “palmas” toda vez que eu estava sendo impedido de falar.
Aproveitei a “deixa” e usei de autoridade para impor minha fala, afirmando que pessoas que não estavam inscritas para falar já haviam feito uso da palavra e que exigia que fosse ouvido, nem que fosse pela última vez. Disse ao representando do MINC que não estava ali com intenções de ser delegado. O buraco era muito mais embaixo. O instrumento legal que o executivo usou para “decretar” a conferência municipal em nenhum momento afirmava que ela era parte integrante da II CNC, não mencionava o tema geral da mesma, não propunha um eixo municipal, não apresentava nenhuma proposta de discussão, não divulgou nada disso na rara publicidade da mesma e que a minha questão de ordem indagava muito mais, inclusive se a conferência de Valença havia elaborado um regimento interno, entre outras questões. Afirmei ainda que reconhecia que aquele espaço era uma conferência mas não reconhecia que ela pudesse ser vista como parte integrante da II CNC, não tinha legitimidade para eleger delegados e que a diversidade cultural valenciana não estava ali presente. Disse mais ainda, que a conferência não poderia ser reconhecida pelo MINC como um primeiro passo local no dever de casa que o município tinha que cumprir para se habilitar para assinar o “Acordo de Cooperação Federativa” para se integrar ao Sistema Nacional de Cultura. Terminei finalizando que havia criado no início do mês uma rede social – VOZES FLUMINEIRAS – e que lá estava disponibilizado desde o início, o Regimento Interno da II CNC, o texto-base, uma primeira versão do Plano Nacional de Cultura e várias discussões referentes à mesma.
Depois das minhas colocações o Sr. Álvaro Maciel percebeu que não estava falando com um leigo no assunto e disse que estava ali junto com a representante do governo do estado para “resolver” essa situação e que iria se reunir DEPOIS com a comissão organizadora para dar os encaminhamentos.
A conferência prosseguiu com os outros convidados para apresentar os demais eixos e permaneci mudo na plenária até o intervalo para almoço quando me retirei da conferência.
Em um dos intervalos procurei os representantes do governo federal e estadual presentes e perguntei se a Secretária havia passado minha questão de ordem para eles lerem até o momento e eles afirmaram que não. Cogitaram que reconheciam que eu era uma pessoa com condições de ser delegado e que eles poderiam referendar minha indicação. Respondi que só represento o que acredito e quando acredito mobilizo meus parcos recursos pessoais para comparecer. Não queria ir para uma conferência estadual representando o “vazio” de discussões locais e de falta de legitimidade. Disse ainda que já participei de vários seminários nacionais desde o início da gestão do ex-Ministro Gilberto Gil, como Seminário “Cultura para todos”, no Rio de Janeiro, em 2003 e o Seminário Nacional de Políticas Públicas para as Culturas Populares em 2005 em Brasília, dentro outros como o Fórum Brasileiro de Cultura, realizado no Sesc do Rio de Janeiro, todos financiados com o meu bolso, sem depender de dinheiro público.
Afirmei para a Sra. Fernanda Buarque que havia ficado satisfeito com a apresentação do Plano Estadual de Cultura e passei o endereço da rede social que havia criado, o que fiz para todos os outros convidados que apresentaram os eixos e que estaríamos nos encontrando no processo de construção do plano estadual.
Para finalizar meu relato, gostaria de esclarecer que não sou porta voz da diversidade valenciana que é imensa. Compareci ao que agora chamo de I Conferência de Cultura Anti-Democrática de Valença, como produtor, gestor, pesquisador e pensador dessa cultura. Representando eu mesmo. Uma visão no singular. Apenas minha voz. Faltaram as outras. Muitas.
Fui em nome também de um processo político muito importante que está acontecendo na cena cultural brasileira e de toda a abrangência de uma política pública na área da cultura.
Mas fui querendo uma convocada de verdade e mobilizada respeitando o Regimento da II CNC. Fui prá denunciar a incompetência do executivo municipal ter feito uma coisa totalmente diferente do que se esperava.
Infelizmente em Valença não temos um coletivo que exerça de fato sua cidadania cultural. A sociedade civil está contaminada pela cultura política local atrasada de mais de 40 anos.
Pior de tudo foi que o representante do Ministério presente até o momento que participei e a representante da Secretaria de Estado, resolveram ser complacentes e reconheceram o "esforço" do executivo que prá mim só se esforçou em fazer mais um é-vento.
Não sou complacente nem comigo, nem com familiares e amigos que pisam na bola e não vou ser com aqueles que ocupam cargos públicos para desenvolver políticas culturais governamentais (ou particulares?) de cultura.
A Conferência de Valença desrespeitou o Regimento Interno da II CNC em vários momentos e jogou ele na lata de lixo. Como coloquei na questão de ordem impressa e entregue em mãos antes do início oficial da mesma e no plenário enquanto estavam sendo apresentando os eixos, no momento em que consegui me expressar depois de várias tentativas.
Nem o Papa nem o Presidente da República me convencem da sua legitimidade perante a II CNC e ao Sistema Nacional de Cultura.
Acontece que a "divisão" partidária dos cargos ministeriais faz com que alguns de seus membros "burlem" o processo da II CNC com esse papo de vamos dar um jeitinho.
E como não sou irmão do prefeito, amigo da vice e da filha secretária e não estudei no seminário com o representante do Minc no Rio de Janeiro, as relações de amizade prelaleceram.
Falo isso tranquilamente, com todo o todo respeito que tenho ao Padre Medoro que apresentou o Eixo 2, "Cultura, Cidade e Cidadania" de forma bastante razoável e até surpreendente com a crítica que fez ao jornalismo local que estampa as caras dos jovens, negros e pobres da periferia como se fossem traficantes, sem questionar que o problema da droga está na falta de oportunidades de cultura e lazer para a juventude valenciana. Eu e ele temos uma verdadeira relação de unidade na diversidade e diversidade na unidade em todos os diálogos que tivemos frente a frente. E sei que ele respeita meu trabalho e minha visão de mundo.
Em Valença a barbaridade venceu o processo legítimo e democrático.
Mas a roda da história anda. E nossa rede social está começando sua trajetória.
A sociedade civil valenciana em todos os setores tem que começar a fazer sua parte.
NADA MUDA SE A GENTE NÃO MUDAR!!!
Como disse a arte educadora Sônia Reis, que apresentou o Eixo III, "Cultura e Desenvolvimento Sustentável", não adianta só criticar o executivo, a sociedade civil tem que ser sujeito e objeto da sua história.
Infelizmente essa não é a cultura política de uma grande maioria da sociedade civil valenciana.
Quem sabe faz a hora, aqui e agora, e não espera acontecer depois...depois...depois.
Estou encaminhando meu protesto para a Comissão Organizadora Nacional e denunciando a violação dos meus direitos constitucionais – culturais e humanos – para diversos setores da sociedade valenciana e brasileira, com a intenção de que o ocorrido em Valença não venha a se repetir em outra oportundade em que for convocada uma Conferência de Cultura local, desejando imensamente que seja realmente democrática, ampla, geral e irrestrita.
Gostaria que a II Conferência Nacional de Cultura, bem como a Comissão Organizadora da II Conferência Estadual do Rio de Janeiro se manifestasse a respeito.
Caso seja referendado o processo de eleição de delegados locais para a Conferência Estadual, o governo federal e o governo estadual, serão cúmplices dessa ilegitimidade e reús no processo que moverei pela violação dos meus direitos.
Atenciosamente,
Libório Costa de Souza
cidadão brasileiro
produtor, pesquisador, gestor e pensador cultural INDEPENDENTE
http://vozesflumineiras.ning.com
Um comentário:
Mais uma vez se faz uma conferência ilegítima. Foi assim na conferência de educação e, agora, na conferência de cultura. O projeto de estabelecer estas conferências nas cidades e estados é super relevante, mas mais uma vez os politiqueiros de plantão distorcem isso e tornam um projeto de debate num teatro.
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