terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Exercício de contra-informação número 1.000

Hoje temos um assunto interessante para o debate. O jornal O Globo publicou editorial, nesta terça-feira 29 de dezembro de 2009, ecoando o histerismo sionista anti-Irã que domina os oligopólios midiáticos mundiais, na esteira dos interesses dos lobbies armamentistas e do radicalismo conservador que vive pendurado no assunto.

Acho curioso que a preocupação de nossa mídia com as violações de direitos humanos no Irã não se repitam quando se trata de nossa própria população. Que eu saiba, o Brasil viola muito mais os direitos humanos que o Irã. Ah, ativistas iranianos são estuprados na cadeia? Ora, aqui tivemos uma menina de 15 anos estuprada na cela por dezenas de homens, com conhecimento da juíza, da delegada e da promotora pública. Centenas, quiçá milhares de presos são estuprados nas cadeias brasileiras, todos os dias. Crianças vagam pelas ruas das grandes cidades, esfomeadas, destruídas pelo uso de crack e nenhum prefeito ou governador pensa em construir centros de infância e adolescência em proporções aceitáveis. O governador de São Paulo, que revelou ser um dos mais ferozes sionistas anti-Irã do Brasil, parece não ligar para as milhares de famílias que passaram pela humilhação de viver na lama e no esgoto por semanas. Outras milhares de pessoas são mortas mensalmente no Brasil pelas forças de segurança em mãos de governadores, mas a preocupação de Serra, claro, é com os iranianos.

Bem, confiram o editorial. Volto em seguida.


DEU EM O GLOBO
Ventos de Teerã (Editorial)

Na entrevista concedida ao GLOBO e publicada na sexta-feira 25, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, aproveitou para reafirmar a defesa brasileira de seu novo aliado preferencial, o Irã de Mahmoud Ahmadinejad.

Por uma dessas trapaças do destino — mas que não pode ser creditada ao azar —, logo no domingo o regime dos aiatolás protetores do radical presidente iraniano, reeleito numa eleição fraudada, começou a desfechar nova onda de repressão à oposição interna, a mais violenta desde as manifestações ocorridas depois de anunciada a vitória contestada de Mahmoud Ahmadinejad.

Como o Irã foi tomado por uma atmosfera política inflamável, qualquer fagulha ameaça deflagrar explosões incontroláveis. A nova leva de protestos começou dias antes, com a morte de um dos clérigos dissidentes, o aiatolá Hossein Ali Montazeri.

E, ao manter a repressão nas ruas em um importante feriado religioso, o regime jogou mais combustível neste incêndio. Ler a entrevista do chanceler brasileiro enquanto se acompanha o noticiário de Teerã é esclarecedor, para se ter medida dos riscos que a diplomacia brasileira corre ao abrir um guarda-chuva sobre uma ditadura teocrática metida numa aventura nuclear — tudo em nome de um antiamericanismo de ocasião, provavelmente para Brasília, em período eleitoral, afagar frações aliadas mais à esquerda.

A perigosa aventura de Ahmadinejad, sob a proteção do aiatolá Ali Khamenei, é defendida por Amorim com o malandramente falso e cândido argumento de que quem tem arsenais deste teor não pode criticar o Irã (EUA, Rússia etc.).

O argumento cabe no figurino ideológico bolivariano do caudilho Hugo Chávez.

Uma coisa são nações que saíram da Guerra Fria com estes arsenais, mas que participam dos fóruns que tratam do assunto, e negociam acordos de redução no número de ogivas; outra, um país subjugado por uma ditadura de fanáticos religiosos, à margem de qualquer respeito à diplomacia multilateral.

Caso a situação política interna no Irã rume para a ruptura institucional, desaguando num massacre interno, o Brasil irá à ONU defender aiatolás corruptos, sanguinários, fanáticos e sua guarda pretoriana?

A julgar pelo silêncio de Amorim, na entrevista ao GLOBO, quando perguntado sobre a leniência brasileira com relação a Cuba, é provável que isto ocorra, infelizmente.

Aliás, é o que o Itamaraty tem feito quando se abstém de condenar nas Nações Unidas governos marginais como o do Sudão, em busca de votos para conseguir um assento no Conselho de Segurança.

Essa clivagem ideológica acentuada da diplomacia apenas sabota o projeto do próprio governo de elevar o status do país como parceiro global confiável. Os terceiro-mundistas, bolivarianos e defensores de Ahmadinejad estacionaram um poderoso carro-bomba dentro deste projeto.


Repetirei pela milésima vez. Não gosto do Irã. Nem de seu presidente, nem de sua cultura. Tenho horror a seus preconceitos contra mulheres e gays e desprezo profundamente a mistura que fazem de política com religião. No entanto, possuo noções da história iraniana e indigna-me que a mídia ocidental passe a hostilizar o país sem levá-la em consideração. O Irã foi o país que viveu uma das piores guerras "simétricas" (ou seja, entre países com poder bélico similares) das últimas décadas. Sadam Husseim, com dinheiro e armas de americanos e ingleses atacou o Irã e matou mais de um milhão de iranianos na década de 80. A Inglaterra emprestou armas químicas. Os EUA emprestaram armas biológicas ao Iraque, fazendo do Irã cobaia dessas novas armas.

Isso foi nos anos 80, ou seja, ainda está quente na cabeça dos iranianos. Outra coisa que pegou pesado no Irã foi a ditadura sanguinária de Reza Pahlavi, apoiada por americanos e britânicos, que durou de 1953 a 1979. Nunca interessou ao Ocidente um oriente médio democrático, porque somente a partir de regimes fortemente oligárquicos, as petrolíferas ocidentais poderiam realizar contratos notoriamente viciados, que não beneficiam as populações árabes: somente as famílias reais, de um lado, e grandes empresas anglo-saxônicas, de outro, desfrutariam das benesses do petróleo.

Qual o objetivo deste esforço platinado em transformar a questão do Irã num ato de antiamericanismo da política externa brasileira? Todo o racionalismo diplomático da decisão brasileira de manter um diálogo aberto e não hostil ao Irã é convertido num diatribe ideológica de trotskistas enlouquecidos. O fato de Celso Amorim estar recebendo fartos elogios por sua ousadia e independência, e não apenas da esquerda mundial, mas também de importantes setores pragmáticos e moderados do conservadorismo, apenas comprova que a solução iraniana não passa por esse linchamento midiático agressivo e desproporcional. Violações muito mais terríveis são vistas em dezenas de outros países, para começar na Arábia Saudita. A invasão do Iraque foi outra medida que desestabilizou severamente todo o oriente médio, dando força aos islamistas radicais. Não faz sentido agora os americanos e as mídias hipócritas ajudarem a desestabilizar ainda mais e botar a culpa de tudo no Ahmadinejad. O Irã não é paraíso, todos sabem, mas os macacos devem olhar seus próprios rabos.

Quanto às instalações nucleares do Irã, é ridícula e desrespeitosa a fórmula apresentada pelos países ocidentais, de obrigá-lo a enriquecer urânio na Europa e na Rússia. Também é ridículo negar o direito do Irã em investir em energia nuclear, visto que a dependência excessiva do petróleo fragiliza perigosamente a sociedade iraniana, pois suas jazidas podem se esgotar ou diminuir sensivelmente em menos de 50 anos, delineando um vazio econômico terrível para a economia do país. É lógico que o Irã tem que investir em energias alternativas, e à falta de hidrelétricas, é natural que ele procure desenvolver uma tecnologia farta e livremente usada na Europa e nos Estados Unidos.

Os defensores da democracia deveriam voltar suas baterias para a Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Kwait, dentre outras monarquias totalitárias que, além de violar sistematicamente os direitos humanos e políticos de seus cidadãos, não possuem sistemas democráticos para eleger seus governantes. O Irã tem. O Irã vota em seus presidentes e em seus parlamentares. Mal ou bem, o Irã é uma referência democrática para o oriente médio. Ao desestabilizar a democracia iraniana, o Ocidente envia um sinal para as monarquias árabes: "não democratizem, porque senão iremos fazer o mesmo que fazemos no Irã; iremos usar os conflitos domésticos, normais e necessários numa democracia vibrante, onde a maioria dos jovens estudam em universidades, para desestabilizá-los e eleger governantes em linha com nossos interesses".

Retirado do interessante blog (coluna ao lado) Óleo do Diabo.

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