quinta-feira, 26 de abril de 2012

VQ // nº 39 / Resenha

Parece ficção 
mas é reportagem


É assustador que o caso destes cinco homens e do terrorismo que ajudaram a combater provoque tão profundo silêncio por aqui

POR Marianna Araujo

Poderia ser um livro de ficção ou mesmo um filme de ação e espionagem hollywoodiano, mas a instigante trama que envolve espiões cubanos infiltrados nos Estados Unidos é o tema do mais  recente livro do jornalista e escritor Fernando Morais. Os últimos soldados da Guerra Fria - A história dos agentes secretos infiltrados por Cuba em organizações de extrema direita nos EUA é um livro reportagem que narra as ações da Rede Vespa no país da América do Norte. A Rede era formada por doze homens e duas mulheres infiltrados com o objetivo de espionar alguns dos 47 grupos anticastristas sediados na Flórida. 

Morais tornou-se conhecido por seus livros de reportagens e biografias. Essa não é a primeira vez  que escreve sobre Cuba. A Ilha, livro de 1976, é uma reportagem sobre o país de Fidel que se  converteu em símbolo da esquerda brasileira na década de 1970. Traduzido e comercializado em  diversos países, o livro foi responsável por apresentar ao Brasil a Cuba pós-revolução e romper com  o isolamento que vigorava após o golpe de 64 que instaurou uma ditadura militar brasileira.
 

Não seria exagero dizer que 35 anos depois Morais cumpre uma tarefa parecida. No Brasil, pouco ou  nada se sabe sobre a história da Rede Vespa e as ações terroristas que levaram a ela. As notícias da  mídia grande - em capital e audiência - dão conta apenas de “espiões cubanos nos Estados Unidos”, omitindo o fato de que este era um último recurso do governo castrista para resistir aos constantes  ataques provenientes de grupos de oposição na Flórida. Nesse sentido, “Os últimos soldados da  Guerra Fria” é um livro fundamental, pois oferece ao leitor um compêndio de informação sobre a ilha ao qual é raro se ter acesso no Brasil.

No livro, descobrimos por exemplo o papel central que os dissidentes cubanos exercem na política americana, seja como financiadores ou como eleitores. Fica claro como suas redes de atuação vão  além das organizações de extrema direita e entranham-se pelas instituições norte-americanas. Descobrimos ainda que essas organizações praticavam terrorismo abertamente e amplamente  divulgado contra a ilha que localiza-se a pouco mais de 130 quilômetros da Flórida, sem que o governo americano nada fizesse - em 5 anos foram mais de 120 ataques.

Importante ressaltar que essas ações terroristas tinham como objetivo fragilizar a já débil economia cubana que tentava reerguer-se às custas do turismo após o colapso da União Soviética. Os dissidentes cubanos não tinham qualquer pudor em ameaçar a vida de seus compatriotas em nome da derrocada do regime castrista. É mérito de Morais ainda informar ao leitor sobre as diversas iniciativas do governo dos Estados Unidos para prejudicar Cuba, seja economicamente (via  embargo), militarmente (penso em Guantânamo) ou com uma política única para os imigrantes - enquanto viajantes de todo o mundo são caçados como criminosos, os cubanos que conseguem chegar à costa americana não têm qualquer dificuldade para viver no país e conseguem facilmente ajuda financeira e visto permanente.

Todo esse emaranhado de fatores que envolve as disputas entre Estados Unidos e Cuba é apresentado  ao leitor a partir da história da Rede Vespa. Descoberta pelo governo americano após cinco anos de atuação, ela chegou ao fim em 1998, quando 10 espiões foram presos. Desses, 5  confessaram serem agentes cubanos, colaboraram com as investigações e depois de libertados,
não se sabe mais deles. Os outros 5 continuam presos, apesar da extensa batalha judicial e do apelo de diversas personalidades e advogados que envolveram-se com o caso. 


Em Cuba, os espiões presos são tratados como verdadeiros heróis, o que de fato são, se tomarmos em
conta os ataques que impediram e as vidas que salvaram. Estive na ilha há quase um ano. Nas ruas, não é difícil encontrar homenagens a eles nos muros ou em outdoors. No Museu da Revolução, há uma área inteira dedicada aos agentes. Nas duas semanas que passei em Havana muito pouco descobri sobre a história. Apenas me disseram que eram presos cubanos nos Estados Unidos. No Brasil, descobri menos ainda. É assustador que o caso destes cinco homens e do terrorismo que ajudaram a combater provoque tão profundo silêncio por aqui.
 

O livro de Morais supriu uma lacuna que levava comigo já há alguns meses. Deu-me muitas  respostas. Aprofundou diversas impressões que já tinha sobre as relações entre Cuba e Estados Unidos. Como dá para ver, é uma obra rica, mas não só isso, também detentora de uma prosa fluida e
uma história instigante. O leitor não deveria deixá-la passar.


Marianna Araujo é baiana e botafoguense

  

2 comentários:

Esther disse...

Caro VQ, estou sentindo falta das reportagens do Tyler Durnen (prof. Samir Resende). O que houve???

Anônimo disse...

Cuba: não sei o que pensar!