Autor: LUIZ FERNANDO VERISSIMO
A minicâmera e o grampo
telefônico ainda podem fazer mais pela moral na política do que toda a
fiscalização e todos os mandamentos cristãos juntos. Supõe-se que depois
dos escândalos recentemente grampeados as pessoas fiquem mais
cautelosas, ou mais reticentes. Corruptos e corruptores continuarão a
existir mas não agirão nem falarão mais tão livremente, pelo menos não
antes de procurar a câmera e o microfone escondidos. O que deve no
mínimo dificultar os negócios.
Os avanços da técnica revolucionaram o registro histórico. Imagine se quando o Kennedy foi assassinado já existissem as gravadoras e os celulares que hoje substituem as câmeras fotográficas até no aniversário do cachorro. Em vez daquele precário filme em 8mm do atentado, estudado e reestudado quadro a quadro na busca de vestígios de uma conspiração, haveriam
teipes e fotos de todos os ângulos e com todas as respostas, como a cara, o nome e o CIC dos possíveis conspiradores.
Mas a técnica, ao mesmo tempo que desestimula a falcatrua, comprova a denúncia, desmancha o mistério e enriquece a notícia, pode empobrecer nossa percepção dos fatos. As grandes batalhas e os grandes eventos da era pré-fotográfica foram registrados em quadros épicos em que o artista ordenava a cena em função do efeito, não do fato, ou não exatamente do fato. A Primeira Guerra Mundial não foi mais terrível do que muitas guerras anteriores, só foi a primeira guerra filmada, a primeira com a imagem tremida e sem cor, e por isso parece tão mais feia do que as guerras heroicamente pintadas. A Guerra do Vietnã foi a primeira transmitida pela tevê, a primeira em que o sangue respingou no tapete da sala. Por isso deu nojo. Os americanos aprenderam a lição e transformaram sua invasão do Iraque num videogame.
Até surgir a possibilidade de ser tecnicamente denunciado, o político corrupto podia contar com a condescendência do público. Mesmo quando não havia dúvidas quanto à sua corrupção, havia sempre a suspeita de que não era bem assim. Sua culpa – até se ouvir sua voz gravada combinando a divisão dos milhões, ou ver sua imagem forrando os sapatos com dinheiro – era sempre uma conjetura. Imaginávamos o que acontecia nos bastidores do poder corrupto mas era um pouco como imaginar uma orgia romana, ou visualizar uma orgia romana através da imaginação de um artista. Agora não. Com a banalização do grampo telefônico e da minicâmera escondida, temos o que faltava no quadro. Temos todos os sórdidos detalhes e a orgia às claras. Temos o que enoja.
Os avanços da técnica revolucionaram o registro histórico. Imagine se quando o Kennedy foi assassinado já existissem as gravadoras e os celulares que hoje substituem as câmeras fotográficas até no aniversário do cachorro. Em vez daquele precário filme em 8mm do atentado, estudado e reestudado quadro a quadro na busca de vestígios de uma conspiração, haveriam
teipes e fotos de todos os ângulos e com todas as respostas, como a cara, o nome e o CIC dos possíveis conspiradores.
Mas a técnica, ao mesmo tempo que desestimula a falcatrua, comprova a denúncia, desmancha o mistério e enriquece a notícia, pode empobrecer nossa percepção dos fatos. As grandes batalhas e os grandes eventos da era pré-fotográfica foram registrados em quadros épicos em que o artista ordenava a cena em função do efeito, não do fato, ou não exatamente do fato. A Primeira Guerra Mundial não foi mais terrível do que muitas guerras anteriores, só foi a primeira guerra filmada, a primeira com a imagem tremida e sem cor, e por isso parece tão mais feia do que as guerras heroicamente pintadas. A Guerra do Vietnã foi a primeira transmitida pela tevê, a primeira em que o sangue respingou no tapete da sala. Por isso deu nojo. Os americanos aprenderam a lição e transformaram sua invasão do Iraque num videogame.
Até surgir a possibilidade de ser tecnicamente denunciado, o político corrupto podia contar com a condescendência do público. Mesmo quando não havia dúvidas quanto à sua corrupção, havia sempre a suspeita de que não era bem assim. Sua culpa – até se ouvir sua voz gravada combinando a divisão dos milhões, ou ver sua imagem forrando os sapatos com dinheiro – era sempre uma conjetura. Imaginávamos o que acontecia nos bastidores do poder corrupto mas era um pouco como imaginar uma orgia romana, ou visualizar uma orgia romana através da imaginação de um artista. Agora não. Com a banalização do grampo telefônico e da minicâmera escondida, temos o que faltava no quadro. Temos todos os sórdidos detalhes e a orgia às claras. Temos o que enoja.
2 comentários:
Exatamente,grande Veríssimo!
Ficou alguma dúvida? "Temos o que enoja". Uma das minhas frustações foi não ter gravado um funcionário cedido pela Prefeitura à Câmara Lotado no Gabinete de um Vereador bunitim bunitim) dirigindo uma Kombi de propaganda de candidatos do partido ao Legislativo estadual e federal. Mandei e-mail dizendo da impropridade admistrativa, o gajo telefona, fala um monte de impropérios, mas continuou na gastança. Guardo as trocas do e-mails e o dia e hora do telefonema. Imagino o que mais não rola naquele recinto. No passado, há suspeita de grampo na própria Câmara, manipulado por um ex-presidente doente. O cara queria controlar tudo. Mas essa suspeita nunca foi comprovada. Afirmavam ser isso intriga da oposição. Mesmo porque, desse ex todo mundo se borra de medo. Em Prefeituras, de modo geral, são preciosas as informações que qualquer funcionário que atua em Contabilidade, setor pessoal, setores de licitação, saúde etc.possam vir a ter. O silêncio ou e pago a peso de ouro, ou é pago com ameaças às famílias, com a perda do emprego etc. Se Veríssimo escreve tá tudo bem. Se a gente ousa pensar em escrever, ai já pode encomendar a missa.
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