segunda-feira, 7 de maio de 2012

O tal primeiro de maio

Autor: Affonso Romano de Sant'Anna

 Reproduzido do jornal: "Estado de Minas"

Os trabalhadores descobriram as seduções do consumo. Ideologia não enche barriga 



Lá se vão uns seis dias, mas não consigo tirar da cabeça as cenas que vi no Dia do Trabalho, o emblemático 1º de Maio. Poderia passar por cima, como nos anos anteriores. Não sei se este ano estava mais atento ou se as coisas ficaram mais berrantes ou foram esfregadas nos meus olhos diante da TV: ver para crer. Ou descrer.

Gonçalves Dias cunhou aquela expressão: “Meninos, eu vi”. São João, na Ilha de Patmos, teve a visão do apocalipse e repetia no seu livro o verbo “ver”, e dizia: “Eu, João, sou o que ouvi e vi estas coisas”. E falava de bestas, trombetas, anjos, satanás, enfim, coisas abacadabrantes.

Pois eu vi, vocês viram no que se transformou o 1º de Maio. Morri de vergonha. Pior: lembrei-me das várias gerações que desde o século 19 sonhavam com utopias, lembrei-me de tantos camaradas que tombaram nas guerrilhas. E, de repente, me vi fazendo aquela pergunta: “Então, foi para isso que lutamos?”

O que eu vi?

No Brasil, multidões aglutinadas pelos diversos sindicatos. Porém, multidões que vaiavam os políticos, os ministros e até um desses pastores milagreiros – o “apóstolo”. Vaiavam porque tinham ido ao comício apenas para ganhar automóveis sorteados e ouvir cantores populares. Um desencontro frontal de interesses.

Isso no Brasil, na sociedade capitalista florescente. Os trabalhadores descobriram as seduções do consumo. Ideologia não enche barriga. Se me permitem fazer mais alguns inimigos: saíram da barbárie do comunismo para a barbárie do capitalismo.

Em Cuba, que politicamente continua no século passado, e faz um 1º de Maio também oficial, seguindo o modelo russo criado em 1920: desfiles de massa organizada, massa estatizada, ideologia em marcha.

Procurei rever a história do 1º de Maio. Dizem que foi criado em 1886, quando uns trabalhadores em Chicago exigiram redução da jornada de trabalho. Houve escaramuças com a polícia, que continuaram nos dias 3 e 4. Assim continuou sendo. Mortes foram registradas nos conflitos entre trabalhadores e polícia em 1º de maio de 1891, na França. Vi, no entanto, na TV, que embora os americanos celebrem o Labor Day em setembro, este ano em várias cidades houve demonstrações contra o sistema bancário internacional.

Ou seja: os trabalhadores brasileiros são historicamente retardatários, pois apenas começam a entrar na sociedade de consumo, enquanto os americanos, que já passaram por isso, estão contestando o sistema internacional que gera as crises na Espanha, Grécia, e, claro, nos Estados Unidos.

Repito: tem gente com a mentalidade na Idade da Pedra, outros na Idade Média, outros nos séculos 19 e 20, enquanto alguns insistem em vir para o século 21. O fato, minha gente, é que o 1º de Maio não é mais aquele. Felizmente. Mas não pode continuar a ser também a esse que assistimos.

Quando sairemos das duas barbáries – comunismo e capitalismo –, que tiveram seu apogeu no século 20?

Meninos e meninas, eu vi. Sou um João qualquer numa ilha de espantos e gostaria de ter outras visões que não essas.

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