quinta-feira, 22 de abril de 2010

Entrevista com Jailson de Souza

Na primeira edição do Valença em Questão, em abril de 2005, o entrevistado era o professor Jailson de Souza. Abaixo segue a entrevista que ele concedeu ao jornal. Embora tenha sido feita há cinco anos, o papo não ficou ultrapassado. Jailson é autor do livro Porque uns e não outros (foi sua tese de doutorado) e em parceria com Jorge Barbosa do livro Favela: alegria e dor na cidade.
Filho de migrantes nordestinos, Jaílson de Souza e Silva, nome tipicamente brasileiro, sempre morou na periferia carioca. Hoje é professor na Universidade Federal Fluminense (UFF) e diretor executivo da OSCIP (Organizacão da Sociedade Civil de Interesse Público) Observatório de Favelas do Rio de Janeiro. Mas a sua história inicia-se um pouco antes. Aos 13 anos envolveu-se com a Igreja, uma das poucas opções de grupos durante a ditadura militar no Brasil. Em 1980 foi o primeiro da família a ingressar na universidade. O curso de geografia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) o fez descobrir um pensamento político “que consolida todo meu sentimento de indignação com o capitalismo”. E também pedir demissão do emprego de entregador, já que o curso era em horário integral, causando conflito em casa. “Fez 18 anos, tem que trabalhar, era o que pensavam meus pais”, lembra. Na faculdade participou da Organização Revolucionária do movimento estudantil, e filiou-se ao Partido dos Trabalhadores (PT) na sua fundação.


História de vida
“Por que uns e não outros”, esse é o nome da minha tese de doutorado. Nela procuro tentar entender a minha trajetória, porque consegui entrar na universidade e permanecer, enquanto tantos não conseguem. Defendo que é o sujeito que faz a sua própria história. As pessoas, a partir de vínculos sociais, vão incorporando um conjunto de práticas que interferem o nosso jeito (de falar, vestir, etc.), e ao mesmo tempo eliminamos a interioridade. A objetividade das estruturas e a subjetividade do ser vão se entrelaçando e constituindo um ente social. O que ocorre é que esse ser social se conforma com esse entrelaçamento das estruturas. Mas quem confere sentido à vida somos nós. Não consigo entender como é possível viver num mundo tão desigual, marcado pela naturalização da pobreza, da exploração e da miséria e ficar conformado com isso.

Creditei a mim a possibilidade de criar redes de articulação que rompam com dois princípios que norteiam a vida hoje em dia, em particular da juventude. É o que chamo de presentificação e particularização da existência. Segundo Espinosa, prazer é o que dá retorno imediato. E alegria o que traz retorno a longo prazo. Costumo dar o exemplo do vestibular. Para você passar, você precisa abrir mão de prazeres imediatos: sair, ir a uma festa, namorar. Isso em busca de um objetivo menos imediato. O nosso desafio na vida é conciliar o prazer e a alegria.

Cidadania e Solidariedade
Se o cara está numa vida presentificada, ele não consegue construir um projeto para o futuro, seja pessoal ou coletivo. A particularização da existência é uma característica muito presente, desde um condomínio na Barra da Tijuca, até a Favela. Onde o cara vive a partir de regras particulares, impedindo cada vez mais a capacidade de ver o outro. Valença por exemplo: a pessoa não se sente cidadão da cidade, mas efetivamente do bairro, do lugar. Então, o cara bota uma quadra ali, dá um jogo de camisa, dá um tijolo para casa dele. Ele se sente de Valença por um lado, mas não se sente da polis de Valença por outro, acaba reduzindo a vida dele às coisas mais particulares. E termina não só vendendo o voto dele, mas não se considera cidadão brasileiro, não se sente responsável pelos problemas. O massacre que está acontecendo no Iraque, a chacina na Baixada Fluminense, ele não se sente solidário a isso, no sentido de tentar se envolver e pensar em outra globalização, em outra realidade possível.

Inserção no mundo
A particularização e presentificação da existência cria mais possibilidades de conflito com o outro. Quando se tem a naturalização da desigualdade, da intolerância, da violência em relação ao outro, é preciso ampliar o tempo e espaços sociais para que as pessoas tenham uma dimensão do coletivo. É preciso afirmar a sua identidade, ele precisa se reconhecer como o seu lugar e ao mesmo tempo ter noção da sua inserção no mundo. Caso contrário, ele fica desenraizado, e a consciência de sua origem popular é referência para conseguir se projetar no mundo. O cara que tem acesso à universidade, à arte, a línguas estrangeiras ou informática, acaba tendo uma visão mais aberta, tem suas possibilidades ampliadas. Esse processo de ampliação do tempo e espaços é que vai definir como vamos interferir na solução de políticas públicas.

Juventude
Minha crença não se sustenta na razão. Se sustenta na necessidade profunda que a gente tem de dar sentido a nossas vidas. Hoje a juventude é profundamente desrespeitada, a sociedade vê o jovem a partir da sua incompletude, e por isso tem que definir limites. O juízo em relação à juventude é que ela não tem rumo. E vivemos numa sociedade onde o consumo é o eixo fundamental da vida. Um garoto que tem um carro, um apartamento, mesmo que ele seja um cara egoísta, racista, mesmo que seja incapaz de lidar com a diferença, seja desrespeitoso, ele vai ser tratado como alguém que venceu na vida. E outro, que pode não ter a mesma trajetória mas é um cara generoso, fraterno, justo, tenta viver do que acredita, e por isso ganha menos grana, esse vai ser considerado derrotado. A juventude é obrigada a viver numa situação cada vez mais marcada pela exclusão do mercado, é obrigada a gostar do projeto que é através do consumo que vai se definir as hierarquias sociais e ele tem que achar o lugar dele.

Drogas
Quando a juventude busca alternativas nas drogas, é porque ela não vê nenhum significado na vida. A sociedade não cria condições para que a juventude, crianças e adolescentes, dêem qualquer significado à vida, porque o mundo é marcado pela lógica do consumo. O que o capitalismo mais produz é carência. O cara tem um Audi A3, ele quer um A4. O consumo como centro da vida obriga os jovens a buscar outros caminhos.

Numa sociedade drogada, tem-se que pensar quais são as drogas existentes. Porque temam em pensar apenas nas drogas ilícitas ou nas lícitas. Mas as práticas que levam à ausência de significado da vida não são discutidas. Pais consumistas, egoístas, racistas, acham que o filho é o problema. Não é que o filho não tenha problema, mas eles não se sentem minimamente responsáveis por esse processo. Numa sociedade marcada pela repressão, marcada por duas famílias que dominam a cidade, marcada por uma lógica onde não há espaço para decisão, onde a juventude não tem poder algum, não se pode falar que os jovens não sabem o que querem da vida.

Papel do jovem
Aqui no Rio de Janeiro, na década de 90 fecharam o Circo voador e proibiu-se bailes funk. Sempre a solução é reprimir os jovens para que tenham limites. E não se percebe que você deve dar poder ao jovem para que ele possa definir os canais. Porque o jovem, com todo esse limite da presentificação ainda é o cara mais aberto para viver a vocação da cidade, que é o encontro das diferenças.

O jovem vai ter um papel fundamental no sentido de construção da cidade como espaço de encontro. Mas para isso ele tem que ser ouvido. Tem que garantir espaços para ele. O jovem é sempre objeto do projeto social, e nunca o sujeito do projeto. Em vez dele estar à frente ao projeto, a sociedade inventa um projeto social para os jovens, em especial para o pobre. ‘Vamos fazer uma quadra ali, um projeto de música, dança, para ocupar o tempo dos jovens e eles não fazerem merda’. E não pensam em como eles podem utilizar suas habilidades para ajudar a melhorar a sua comunidade, com autonomia. Intervenções no meio ambiente, trabalho com idosos, trabalho com crianças, um trabalho educacional, um trabalho cultural, tudo isso os jovens podem fazer. O nosso desafio é reconhecer no jovem o ator fundamental e não como objeto da política pública.

5 comentários:

Anônimo disse...

5 anos hoje? não vai ter nem uma festinha, como teve ano passado? De qualquer forma, PARABÉNS!!!

Anônimo disse...

Caramba, lendo a entrevista lembrei que recebi esse jornal na Rua dos Mineiros, lembro do Bebetinho distribuindo e falando pra caramba na minha cabeça... Que bom que continuam até hoje, é uma chama de esperança para nossa cidade. Valeu!

Anônimo disse...

Valeu rapaziada! Parabéns pelos cinco anos

Anônimo disse...

Valeu rapaziada! Parabéns pelos cinco anos

Anônimo disse...

5 anos e quantos processos vencidos? parabéns a todos do grupo, apesar das dificuldades e de algumas coisas que não concordo, tenho que adimitir que alguma coisa positiva vocês fizeram durante esse tempo. também né, se não tivessem feito nada em cinco anos, tinham que pedir pra sair