segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Entrevista com Paulo Roberto Figueira Leal: "A primeira eleição presidencial brasileira, desde 1989, sem Lula, teve Lula como personagem central"


Retirado do site Terra.

Autora: Ana Cláudia Barros

Na análise do cientista político, Paulo Roberto Figueira Leal, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, a disputa presidencial, que resultou na vitória de Dilma Rousseff (PT), consagrou o lulismo como uma força eleitoral mais impactante do que o próprio petismo.

Para ele, os resultados do governo do presidente Lula geraram uma sensação de "bem estar" na população que estimulou o desejo pela continuidade.


- Para o eleitor comum, a percepção de bem-estar acaba sendo decisiva no sentido de ter um estímulo ao voto de continuidade. Importa pouco a gente ficar, neste momento, discutindo se foram os acertos do governo ou se foram circunstâncias outras.

Autor dos livros O PT e o dilema da representação política (FGV Editora) e Os debates petistas no final dos anos 90 (Editora Sotese), Leal destaca que o fato de Dilma sair de uma "absoluta posição periférica", que ocupava antes de a campanha começar, para a conquista do Planalto demonstra o peso político da figura de Lula.

"A primeira eleição presidencial brasileira, desde 1989, sem Lula, teve Lula como personagem central", brinca.

Categórico, o cientista político desconstrói um argumento muito usado pela oposição, sobretudo, no segundo turno: o da alternância de poder como peça-chave para a manutenção do sistema democrático.

- Os mesmos segmentos, que faziam apologia de que era preciso mudar só para não garantir a permanência de um no poder, não acham nenhum problema que o PSDB governe São Paulo há 20 anos, caminhando para 24, ao final do governo Geraldo Alckmin - alfineta.

Na visão dele, o jogo democrático não supõe, necessariamente, a necessidade de alternância. Com a conquista de Dilma, o PT somará 12 anos ininterruptos à frente do comando do Brasil.

- Acho que não há nenhum problema que um partido fique tantos anos no poder, desde que isso seja fruto de uma experiência democrática em que não tenha se negado a existência do contraditório. O que não se pode ter é eleição viciada, é eleição que constrange a oposição a não participar dela. Não me parece que seja o caso brasileiro.

Confira a entrevista.

Terra Magazine - A comparação entre os oito anos da gestões FHC e Lula foi tema presente no debate do segundo turno. Quais os principais erros e acertos governo do PT na análise do senhor?

Paulo Roberto Figueira Leal - Primeiro, esta foi a estratégia do campo governista, ou seja, enquanto a candidatura Serra tentou o tempo inteiro puxar uma comparação de biografias, a estratégia da campanha da Dilma foi exatamente esvaziar essa comparação e estabelecer a comparação entre os resultados dos dois governos. Do ponto de vista da comparação, de fato, sobre numerosas questões, o governo Lula teve um resultado superior a apresentar, um resultado social superior. Os tucanos e aliados dirão que não por conta do governo Lula, que houve uma série de variáveis externas, de conjunturas internacionais que facilitaram isso.


Mas o fato é que, para o eleitor comum, a percepção de bem-estar acaba sendo decisiva no sentido de ter um estímulo ao voto de continuidade. Importa pouco a gente ficar, neste momento, discutindo se foram os acertos do governo ou se foram circunstâncias outras que geraram essa sensação de bem-estar econômico e social.


O fato é que ela foi gerada para milhões de eleitores e nesse sentido isso acaba por explicar um certo comportamento do eleitorado de buscar a continuidade. Algo que se manifestou não só na disputa nacional, mas também nas disputas estaduais.


Quase todos os projetos estaduais de poder foram vitoriosos nessa campanha. Ou seja, há uma sensação de bem-estar, que alguns jornalistas americanos chamam de "feel good factor" que acaba por estimular uma resposta eleitoral por continuidade mais do que por mudança ou transformação.


Nesse sentido, os números são óbvios. Você tem mais de 50 milhões de brasileiros que tiveram ascensão social significativa. Alguns que abandonaram a situação de pobreza absoluta, outros que chegaram à classe média. Você tem índices de geração de postos com carteira assinada batendo recordes seguidos. Você tem uma ampliação do mercado interno.

O governo Lula também foi marcado por denúncias de corrupção. Ao longo dos oito anos, oito ministros deixaram a Explanada dos Ministérios em razão disso. Mesmo assim, a imagem do Lula parece ter saído com poucos arranhões. Como explicar isso?


Parece que há uma visão de uma parcela grande da opinião pública que é a da política como sendo um espaço em que isso acontece. É terrível falar nesses termos, mas as pesquisas têm mostrado que, do ponto de vista de imaginar um governo sem escândalos, não há precedentes a curtíssimo prazo. Não houve nenhum presidente da República, da redemocratização pra cá, que não tenha passado por um grande número de escândalos em processos similares.

O senhor está falando de naturalização da corrupção, como se fosse algo inerente à política?


Para uma parcela do eleitorado, infelizmente, isso é inerente à política, portanto, desloca a discussão para outro campo. Quem é que produz retorno social, econômico maior? Longe de concordar com isso, por favor. Acho que esse é um equívoco conceitual, mas desconfio que uma parcela grande do eleitorado não é mais especialmente capturável por esse tema da moralidade. Até porque, na circunstância específica em questão, o governo passado também teve numerosos escândalos de igual monta, o que sugere, portanto, que para uma parcela da opinião pública, usando uma expressão popular, seria o "roto falando do esfarrapado".

Se você imaginar que grande parte das pessoas que foram mais criticadas nessa campanha fizeram parte da base de apoio do governo passado, para a parcela do eleitorado que tem memória disso, gera-se um desconforto. Havia uma propaganda do PSDB que dizia "os amigos da Dilma". Renan (Calheiros), o (José) Sarney...Ambos foram da base aliada do governo Fernando Henrique o tempo todo praticamente.


Renan foi ministro da Justiça de Fernando Henrique, o que sugere, portanto, que para uma parcela do eleitorado, valer-se desse discurso da moralidade como se houvesse no campo da oposição grupos que pudessem sair incólumes nessa questão, gera um deslocamento das questões mais relevantes para outro campo. Se ambos precisaram de "Renans" e "Sarneys", qual governo, por outro lado, produziu soluções mais factíveis do ponto de vista econômico e social?

É quase uma "política de redução de danos"...
Exato. Para uma parcela grande do eleitorado, dada a má imagem que tem a atividade política, o voto vem com o pressuposto de redução de danos. Se você imaginar que o cidadão comum acha da política... De novo, isso não é uma avaliação subjetiva. Se você pegar todas as pesquisas feitas nos últimos anos sobre grau de confiabilidade das instituições, com enorme frequência, as instituições representativas da política ocupam as posições de menor credibilidade, comparativamente à família, à igreja...

O senhor falou sobre a questão da continuidade. A revista britânica Economist afirmou que seria interessante para o País, depois de oito anos de governo petista, a alternância de poder. Aliás, esse também foi um discurso recorrente no segundo turno. Estamos caminhando para 12 anos de governo PT. Qual a avaliação do senhor sobre isso?


Acho absolutamente natural. É do jogo democrático. De novo, pensando em termos comparativos. Os mesmos segmentos, que faziam apologia de que era preciso mudar só para não garantir a permanência de um no poder, não acham nenhum problema que o PSDB governe São Paulo há 20 anos, caminhando para 24, ao final do governo Geraldo Alckmin.

O jogo democrático supõe que governos bem avaliados têm a possibilidade de ficar, ou seja, governo mal avaliados têm grande chance de sair. O jogo democrático não supõe, necessariamente, que precisa de alternância. Supõe que tem que haver uma eleição limpa em que a alternância é possível, em que se apresenta ao eleitorado, caso ele assim deseje, produzir alternância.


Ler isso como se a democracia só sobrevivesse na alternância é um outro discurso. Não há nenhum problema, entre grande parte das vozes que fazem esse tipo de proposição, que o Helmut Kohl tenha ficado tanto tempo no poder. Então, por que haveria se a força em questão talvez não seja aquela de viés liberal que está com muita frequência vocalizando esse argumento?
Acho que não há nenhum problema que um partido fique tantos anos no poder, desde que isso seja fruto de uma experiência democrática em que não tenha se negado a existência do contraditório. O que não se pode ter é eleição viciada, é eleição que constrange a oposição a não participar dela. Não me parece que seja o caso brasileiro. Longe de fazer uma defesa de que foi bom o PT ter ganhado. Não é isso.

Como o PT sai dessa eleição em termos de força política?
O PT teve uma ampliação de bancadas, ocupa alguns governos de estado importantes, mas eu tenho absoluta certeza de que hoje, esse processo eleitoral, consolida a percepção de que o lulismo é uma força eleitoral mais impactante, mais relevante do que o petismo. Tanto é assim que você tem índices de popularidade do presidente e do seu governo que são descolados da possibilidade de uma ampliação ainda maior da presença do PT.


Dilma Rousseff sai de uma absoluta posição periférica, que ocupava antes de a campanha começar, para uma vitória, o que significa que a eleição sugere um enorme retorno positivo do ponto de vista eleitoral, senão para o PT, para o campo de sustentação do governo Lula, mostrando que, a primeira eleição presidencial brasileira, desde 1989 sem Lula, teve Lula como personagem central.

O senhor falou da ampliação de bancadas do PT. A composição do Congresso que Dilma encontrará é bastante favorável. Isso, no que diz respeito à governabilidade...


É, mas vamos pensar o oposto. Vamos pensar se a oposição vencesse. O Serra teria mais dificuldade para construir governabilidade? Provavelmente. Mas estaria inviabilizada a possibilidade de ele conseguir maioria? Não. A experiência democrática brasileira mostra que o poder Executivo ocupa uma posição de centralidade tal que, presidentes com pouco apoio no Congresso constroem esse apoio com razoável facilidade. Isso se dá em todos os níveis, não só no nível da União.


Pegue uma série histórica de governos dos 27 Estados da federação e veja lá qual foi a relação de situação e oposição na Assembleia Legislativa. Você vai ver que, no dia seguinte, os governadores costumam construir maioria.


Você tem um pode Executivo tão central no jogo democrático brasileiro que a capacidade de atratividade desse poder sobre bases parlamentares é enorme. Entre outros também porque há partidos relevantes que, com frequência, têm uma tendência adesista.


O PMDB dessa vez chegou ao poder na chapa principal, mas esteve no poder com o governo Collor, mesmo não tendo o apoiado na campanha; esteve no governo FHC por oito anos, não tendo o apoiado na campanha; esteve com o governo Lula, não tendo o apoiado na campanha. Significa dizer que o PMDB estaria no governo se o Serra vencesse. Senão o PMDB todo, pelo menos uma parcela dele. Seções estaduais importantes do PMDB trabalharam para o Serra no segundo turno. Seção pernambucana...


Esse discurso, que parte do PT vocalizou também, esse discurso de que "temos que votar na Dilma porque ela tem a maioria no Congresso" foi um discurso falacioso. Mesmo quem não tem a maioria, ao longo da história brasileira, a tem construído com facilidade.

Um comentário:

Anônimo disse...

Achei ridícula a colocação do Plínio. Pelo menos ele deveria ter se posicionado contra.
Confere aí:
http://tvuol.uol.com.br/#view/id=plinio-eleicao-de-dilma-para-presidente-e-uma-lastima-04029A3364DCC923E6/mediaId=7297235/date=2010-10-31&&list/type=user/codProfile=1575mnadmj5c/