Lucio Castro, jornalista. Texto retirado do site da ESPN
Não demorou nem 12 horas. A trágica e absurda dimensão da catástrofe no estado do Rio ainda nem era totalmente conhecida e já tinha gente propondo que Ronaldinho Gaúcho doasse seu primeiro salário para as vítimas. Com o tal do tuiter virou onda, ganhou voz e multiplicou-se. Virou tema de discussão. Por trás dessa discussão, estão outras tragédias por trás da tragédia maior, obviamente incomparável em sua dor e drama.
Não é um caso raro, incomum. No Brasil é comum a cobrança para que jogadores de futebol resolvam os problemas das enchentes, sejam exemplos de conduta para a educação que o pai não dá em casa, se pronunciem e bem sobre qualquer assunto, tenham a obrigação de algo inteligente a dizer ou que sejam algo próximo a alguma vestal. Por trás de tal comportamento, boa parte das vezes, infelizmente e por mais difícil de assumir que seja, está um enorme preconceito de alguns com o fato de que meninos pobres, mulatos e descalços tenham ascendido na vida, freqüentem salões que não podem, desfilem com mulheres que também não podem e por aí vamos. Então tome cobrança. Tome vidas vigiadas. Tome ódio muitas vezes. Antes que alguém se apresse, claro que não estamos inocentando ninguém de culpas ou responsabilidades. Já tratamos nesse blog várias vezes sobre os meninos criados como bichos, ao arrepio da lei, que, tratados como bichos, viram...bichos mesmo. Apenas é preciso botar algumas coisas no seu devido lugar, responsabilidades nos devidos ombros.
Chegaremos ao salário de Ronaldinho, as enchentes, as responsabilidades... Antes é preciso situar algumas coisas. Como uma imagem que não me saiu da cabeça. Era uma madrugada dessas. A atriz Carolina Dieckmann falava sobre seus filhos. Que não gostaria de vê-los jogadores de futebol. Falava com tom meio jocoso e absoluto desdém. “A não ser que sejam como Leonardo ou Raí, estudem...”, proferiu algo assim...Outras declarações do tipo são comuns. Repletas de preconceitos. Vindas de quem? Fernanda Montenegro, Gianfrancesco Guarnieri, gente que sempre soube se posicionar diante das grandes causas e questões do Brasil? Não, Carolina Dieckmann, a parceira de Preta Gil. Detentora de um pensamento revolucionário, sempre ao lado de grandes questões...!!! Essa mesmo, zombava do nível dos jogadores de futebol. Também não me esqueço de um “Bola da Vez” marcante de Leonardo, agora técnico do Inter de Milão. Perguntaram para ele sobre o nível dos jogadores, como ele convivia com isso...Sua resposta foi demolidora: “a média em qualquer meio é fraca. Jornalistas, advogados, engenheiros. Jogadores não são diferentes”, algo assim. Mas cobramos sempre que sejam os exemplos citados acima.
Fala-se também constantemente numa suposta marra de jogadores. Aqui cabe um depoimento pessoal. Pois puxando pela memória não me recordo de nenhum jogador insuportável com quem tenha tido que conviver. Verdeiramente marrentos. Irão falar de Romário...Pois se existe nisso tudo alguém fácil de lidar é esse. Pulemos. (existem bobos, mas isso também é em qualquer área!).No entanto, já convivi com jornalistas, atores, advogados e etc insuportáveis. Consulto um amigo que vive indo na casa da boleirada por aí fazer matéria. Sem saber minha opinião, dispara: “não existe coisa mais tranquila no mundo. Não me lembro de um insuportável. Já em outras áreas que conhecemos...”.
Mais uma vez tal cobrança me remete ao bate-papo que tive com Mestre Eduardo Galeano no começo desse blog sobre preconceitos, recalques e ódios contra os neguinhos que sobem na vida e a Casa Grande nunca aceitou. É só baixar a página que vai estar lá. Nesse momento trágico, ter como primeiro pensamento o salário de Ronaldinho Gaúcho, a obrigação de que ele faça isso ou aquilo, sem entrar no mérito se ele pode, deve ou o raio que seja, reflete muita coisa.
Por que diabos o primeiro pensamento não é para as verdadeiras causas de tanta desgraça? Por que diabos tantos gostam de aparecer falando em campanhas de doação, em se mostrar campeão de solidariedade (mais uma vez muita calma nessa hora, é claro que aprovamos tais ações, mas em muitos cujas práticas são sempre opostas, parece falso). Por que diabos ninguém fala algo primordial nessa história toda: que se nosso país não fosse, com a Argentina, o único das Américas que não passou por uma reforma agrária, não teríamos tanta gente apinhada em locais sem condição de moradia? Por que diabos ninguém nessa hora diz com todas as letras que muitos dos mortos não seriam números de uma tragédia se a estrutura fundiária desse país fosse uma das mais absurdas e concentradoras do mundo? Por que diabos não apareceu ninguém pra falar que a Votorantim, a Belgo-Mineira, a Manesmann tem mais de 11 milhões de hectares de terras no Brasil e que alguns bancos tem quase 6 milhões? Que essa concentração fundiária, como apontou a CNBB em sua Campanha da Fraternidade de 2010, expulsa gente para favelas, cortiços? Esses mesmos que morrem nessas tragédias em sua maioria. Existe a questão mundial do meio-ambiente também. Política, como a reforma agrária, esse palavrão que ninguém profere. Política, como o bilhão que evapora nas obras do Maracanã enquanto gente é levada pela água. E assim chegamos ao xis da questão. Política. A ser feita por cada um. Alguém viu em algum jornal ou na tv a lembrança de que os milhares de camponeses expulsos do campo viraram esses favelados que muitas vezes encontram a morte na primeira enchente? Como no Haiti, igualzinho, onde o mesmo êxodo rural causou a maioria absoluta das mortes no terremoto. Mas certamente é mais fácil cobrar exemplos e atitudes, regular a vida e botar para fora os recalques em cima de um Ronaldinho qualquer...
Não é um caso raro, incomum. No Brasil é comum a cobrança para que jogadores de futebol resolvam os problemas das enchentes, sejam exemplos de conduta para a educação que o pai não dá em casa, se pronunciem e bem sobre qualquer assunto, tenham a obrigação de algo inteligente a dizer ou que sejam algo próximo a alguma vestal. Por trás de tal comportamento, boa parte das vezes, infelizmente e por mais difícil de assumir que seja, está um enorme preconceito de alguns com o fato de que meninos pobres, mulatos e descalços tenham ascendido na vida, freqüentem salões que não podem, desfilem com mulheres que também não podem e por aí vamos. Então tome cobrança. Tome vidas vigiadas. Tome ódio muitas vezes. Antes que alguém se apresse, claro que não estamos inocentando ninguém de culpas ou responsabilidades. Já tratamos nesse blog várias vezes sobre os meninos criados como bichos, ao arrepio da lei, que, tratados como bichos, viram...bichos mesmo. Apenas é preciso botar algumas coisas no seu devido lugar, responsabilidades nos devidos ombros.
Chegaremos ao salário de Ronaldinho, as enchentes, as responsabilidades... Antes é preciso situar algumas coisas. Como uma imagem que não me saiu da cabeça. Era uma madrugada dessas. A atriz Carolina Dieckmann falava sobre seus filhos. Que não gostaria de vê-los jogadores de futebol. Falava com tom meio jocoso e absoluto desdém. “A não ser que sejam como Leonardo ou Raí, estudem...”, proferiu algo assim...Outras declarações do tipo são comuns. Repletas de preconceitos. Vindas de quem? Fernanda Montenegro, Gianfrancesco Guarnieri, gente que sempre soube se posicionar diante das grandes causas e questões do Brasil? Não, Carolina Dieckmann, a parceira de Preta Gil. Detentora de um pensamento revolucionário, sempre ao lado de grandes questões...!!! Essa mesmo, zombava do nível dos jogadores de futebol. Também não me esqueço de um “Bola da Vez” marcante de Leonardo, agora técnico do Inter de Milão. Perguntaram para ele sobre o nível dos jogadores, como ele convivia com isso...Sua resposta foi demolidora: “a média em qualquer meio é fraca. Jornalistas, advogados, engenheiros. Jogadores não são diferentes”, algo assim. Mas cobramos sempre que sejam os exemplos citados acima.
Fala-se também constantemente numa suposta marra de jogadores. Aqui cabe um depoimento pessoal. Pois puxando pela memória não me recordo de nenhum jogador insuportável com quem tenha tido que conviver. Verdeiramente marrentos. Irão falar de Romário...Pois se existe nisso tudo alguém fácil de lidar é esse. Pulemos. (existem bobos, mas isso também é em qualquer área!).No entanto, já convivi com jornalistas, atores, advogados e etc insuportáveis. Consulto um amigo que vive indo na casa da boleirada por aí fazer matéria. Sem saber minha opinião, dispara: “não existe coisa mais tranquila no mundo. Não me lembro de um insuportável. Já em outras áreas que conhecemos...”.
Mais uma vez tal cobrança me remete ao bate-papo que tive com Mestre Eduardo Galeano no começo desse blog sobre preconceitos, recalques e ódios contra os neguinhos que sobem na vida e a Casa Grande nunca aceitou. É só baixar a página que vai estar lá. Nesse momento trágico, ter como primeiro pensamento o salário de Ronaldinho Gaúcho, a obrigação de que ele faça isso ou aquilo, sem entrar no mérito se ele pode, deve ou o raio que seja, reflete muita coisa.
Por que diabos o primeiro pensamento não é para as verdadeiras causas de tanta desgraça? Por que diabos tantos gostam de aparecer falando em campanhas de doação, em se mostrar campeão de solidariedade (mais uma vez muita calma nessa hora, é claro que aprovamos tais ações, mas em muitos cujas práticas são sempre opostas, parece falso). Por que diabos ninguém fala algo primordial nessa história toda: que se nosso país não fosse, com a Argentina, o único das Américas que não passou por uma reforma agrária, não teríamos tanta gente apinhada em locais sem condição de moradia? Por que diabos ninguém nessa hora diz com todas as letras que muitos dos mortos não seriam números de uma tragédia se a estrutura fundiária desse país fosse uma das mais absurdas e concentradoras do mundo? Por que diabos não apareceu ninguém pra falar que a Votorantim, a Belgo-Mineira, a Manesmann tem mais de 11 milhões de hectares de terras no Brasil e que alguns bancos tem quase 6 milhões? Que essa concentração fundiária, como apontou a CNBB em sua Campanha da Fraternidade de 2010, expulsa gente para favelas, cortiços? Esses mesmos que morrem nessas tragédias em sua maioria. Existe a questão mundial do meio-ambiente também. Política, como a reforma agrária, esse palavrão que ninguém profere. Política, como o bilhão que evapora nas obras do Maracanã enquanto gente é levada pela água. E assim chegamos ao xis da questão. Política. A ser feita por cada um. Alguém viu em algum jornal ou na tv a lembrança de que os milhares de camponeses expulsos do campo viraram esses favelados que muitas vezes encontram a morte na primeira enchente? Como no Haiti, igualzinho, onde o mesmo êxodo rural causou a maioria absoluta das mortes no terremoto. Mas certamente é mais fácil cobrar exemplos e atitudes, regular a vida e botar para fora os recalques em cima de um Ronaldinho qualquer...
2 comentários:
O dinheiro liberado no ano passado pelo governo federal para obras de prevenção (mais de 100 milhões) faz com que o salário de Ronaldinho vire fichinha; o problema é que as obras não foram feitas. Além disso, nunca podemos esquecer dos 24 milhões doados por Sérgio Cabral à rede Globo no ano passado, dinheiro que teria que ser usado para obrs de prevenção.
Tá feia a coisa. Pedir ao Ronaldinho ou a qqualquer outro Ike das Couves é molecagem. O estado do Rio é seguramente um dos estados mais corruptos do país - senão o maior. Acredito que a fortuna que já foi liberada para resolver, mais que precaver situações como a que o estado está vivenciando seja maior que os salários recebidos pelo jogador, até então. Fiquei chocada ao saber a especulação existente nos ocais em cima da venda da água, do gás.... Machado de Assis tem razão: uma geração vai melhorando a outra, melhorando, melhorando até que... chegaremos a um ponto em que todos estaremos prontos para sermos dados aos vermes. No estado do rio, penso, a canalha política já atingiu esse ponto. Att. Marilda.
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