quarta-feira, 6 de julho de 2011

Entenda o que está acontecendo com a Educação Pública no Estado do Rio de Janeiro.

Caros companheiros de luta pela educação pública, humanista e democrática:

Nosso movimento grevista deve ser compreendido como um momento da resistência contra o projeto privatista da educação do Estado do Rio de Janeiro, implementado pela nova ordem gerencial da Sec. Estadual de Educação (SEEDUC) ─ personificada pelo “economista-pastor” W. Risolia e seus “rebanhos-burocratas” (gestores de 1º, 2º e 3º escalões), “convertidos” à nova seita do Planejamento Estratégico.

Os alicerces ideológicos dessa nova ordem gerencial bebem na fonte liberal-tecnicista (predominante na década de 1970, reforma educacional da ditadura militar), mas com discurso atualizado pelas novas tendências gerencias de empresas (reengenharia, TQC, TI). Portanto, estamos enfrentando um projeto político-educacional conservador, anti-progressista, anti-democrático, porém, travestido num discurso de inovação, de mudança,neutralidade técnica, de qualidade, que, por isso mesmo, possui a força da sedução daqueles mais ingênuos politicamente, ou mais interessados nas vantagens pessoais e/ou narcísicas do poder tecnocrático.

O Planejamento Estratégico do SEEDUC-RJ pressupõe, no seu diagnóstico equivocado dos problemas da Rede Pública Estadual, que o fracasso da educação pública do nosso Estado se deve: a) em primeiro lugar, ao baixo desempenho dos professores (acomodados, desinteressados, descompromissados, abusados com licenças médicas); b) em segundo, ao alto custo financeiro com retenção do fluxo escolar (reprovações, evasões, dependências); c) em terceiro, à falta de controle gerencial sobre o trabalho docente por parte do corpo técnico hierárquico (direções, supervisões, coordenadores regionais, gerência central; d) por fim, mas não menos importante, alto custo financeiro (!!!!) dos direitos dos professores (carga horária 16 horas, plano de carreira por formação e tempo de serviço, aposentadoria especial, paridade ativo-inativo).

A partir desse diagnóstico conservador-tecnicista, para melhorar o fluxo escolar com a diminuição de repetências e evasões, o projeto político-educacional passou a privilegiar as atividades-meios (administração escolar) em detrimento das atividades-fins (trabalho docente) da Rede Estadual de Educação, mediante o estabelecimento do famigerado Plano de Metas e do aumento substancial da gratificação dos coordenadores regionais e dos diretores de escola. E, assim, a nova ordem busca estabelecer a pirâmide administrativa empresarial de viés hierárquico-fordista: no topo, gerência educacional (coordenadores, supervisores, diretores) que exerce a função de controle das metas, como engenheiros de empresa; na base, operadores educacionais (professores regentes e funcionários), como peões de fábrica (mas com salário muito menor daqueles das grandes empresas) que executam as metas gerenciais e curriculares.

Esse projeto gerencial do Plano de Metas articula-se à necessidade de diminuição do custo desses processos para os cofres públicos. Daí a concentração de alunos nas salas de aula ─ que normalmente transforma três turmas em duas, ou duas turmas em uma ─, reduzindo-se, assim, o custo-escola para o Governo, mas aumentando o custo-profissional e custo-psicológico para os professores destas turmas superlotadas. Essa diretriz gerencial revela o que o discurso gerencial logra escamotear: a qualidade de viés empresarial da nova ordem da SEEDUC significa maior produtividade (aprovação) com menor custo (superlotação).

A redução de custo e maior produtividade se desdobram na política de meritocracia que atrela um abono (até 3x o salário) ao desempenho do professor e da unidade escolar no cumprimento do plano de metas. Somam-se, ainda, auxílio transporte, difícil acesso, cartão cultural, GLP, adicional qualificação, como pacote de remuneração da nova ordem gerencial. A meritocracia funciona, ao mesmo tempo, como mecanismo financeiro de redução do custo salarial do magistério e como instrumento de divisão política e de competição da categoria (nova escola aperfeiçoada para o mal). Senão, vejamos: a redução do custo salarial ocorre por diversas razões, tais como, exclusão dos aposentados (lembrem-se, na melhor das hipóteses, seremos e desejamos ser um dia aposentados); exclusão dos triênios; exclusão dos níveis do plano de carreira; exclusão do 13º salário. Do ponto de vista político, a meritocracia detona a unidade da categoria, a possibilidade de aumento salarial coletivo, destrói nosso plano de carreira por tempo de serviço e formação e, por fim, institui a competição dentro da escola (desempenhos diferenciados, abonos diferenciados) e entre escolas.

Nós precisamos repudiar, com todas as nossas forças, a meritocracia, por que significa um desrespeito a nossa profissão, um insulto ao nosso compromisso com a escola pública e cidadã (comunitária, democrática, crítica e humanista), pois o sentido anti-ético dessa forma de remuneração, transforma os professores em uma espécie de “gincanistas”, que executam metas,estabelecidas de cima para baixo, em troca de prêmios (bônus) ao final do ano, como uma PLE (participação nos lucros da empresa).

O Planejamento Estratégico vem impondo metas autoritárias, tarefas extras no conexão educação (inclusive pela madrugada à espera de acesso, numa situação humilhante profissionalmente), descaracterização dos conselhos de classe como espaço de compartilhamento de experiências e problemas dos professores de cada turma e de análise de cada aluno, pois o COC se resume na apresentação da famigerada GIDE e seus gráficos de metas gerenciais.

A ESCOLA PÚBLICA NÃO É EMPRESA. EDUCAÇÃO NÃO É MERCADORIA. ALUNO NÃO É CLIENTE. DIRETOR NÃO É GERENTE. SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO NÃO É EMPRESÁRIO.

Precisamos resistir a esse processo de violência simbólica, ética e política contra o caráter humanista das relações professor-aluno, aluno-aluno, direção-professor-aluno-funcionário-pais. A escola sempre foi uma comunidade de formação humanista. Toda transformação educacional deve partir dessa tradição e avançar na democracia participativa das decisões, na valorização salarial e funcional do professor, no compromisso do Poder Público com melhor condição de ensino-aprendizagem (menos alunos por turma, todas as turmas com todos os professores, infra-estrutura adequada etc).

Companheiros de luta, nossa greve representa um grito de liberdade contra a opressão do plano de metas e todo o mal-estar que nos vêm provocando no cotidiano das escolas estaduais. A nossa indignação e reclamações se transformaram, finalmente, em atuação coletiva, em movimento sindical e exemplo pedagógico de cidadania para nossos alunos. Precisamos resistir!

Vejam, mais de dois mil e trezentos professores abandonaram, entre janeiro e junho de 2011, o emprego público do Estado, deixando muitas escolas sem professores; e ainda, muitos concursados são chamados a assumir a matrícula, e não aceitam trabalhar por R$ 740,00 (R$ 630 líquido), às vezes longe de sua residência ou município. De cada 100 alunos do 3º ano do Ensino Médio, apenas 1 ou 2 pretendiam ser professor. Talvez nosso exemplo de luta tenha aumentado a admiração e orgulho de nossos alunos que tanto tem nos apoiado nessa greve. Agora, no dia 29 de junho, será nossa batalha simbólica contra o Plano de Metas. VAMOS BOICOTAR O SAERJINHO! Vamos pedir aos colegas que não estão em greve para não aplicar a prova, num exemplo de solidariedade de classe. Vamos pedir aos alunos que nos apóiam para não fazer a prova.

Essa prova não significa nada em termos pedagógicos para cada escola, não há valor orgânico para nossa relação professor-aluno e professor-professor. O Saerj significa um fetiche gerencial de significado simbólico de controle sobre a rede estadual. Por isso mesmo, se torna tão importante boicotar sua execução. Até porque, há uma greve que o Secretário de Educação e sua Equipe “técnica” esquizofrenicamente teimam em ignorar, mas somos apenas “trinta professores”, pra que temer? Lembrem-se, a greve é um direito constitucional. O governo não pode nos demitir, essa é a nossa grande força social, mas necessita união e determinação.

Resende, 21 de junho de 2011

Prof. Edgard Bedê

30 anos de formação grevista, com muito orgulho.

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