No final da década de 80 e início da década de 90 os líderes na América Latina pareciam competir entre si em relação à velocidade com que enviavam as empresas geridas pelo Estado às mãos do setor privado
Por
Eduardo Monteiro
Serão
realmente tão poucos e perenes os
protagonistas desta trama obscura e corrupta no Brasil a partir do final da
década de 80, aparentemente justificada pela alcunha do neoliberalismo? Finalmente diante da última página de A privataria Tucana,
esta pergunta se apresenta como justificativa pelo fato de sermos impelidos
pela ânsia de revisitar rapidamente na memória os escândalos de corrupção brasileiros
mais recentes. Não só a renda é concentrada neste país; também são as
oportunidades, lícitas ou ilícitas. A ingenuidade nos induz a concluir,
inclusive, que se de fato meia dúzia de cidadãos brasileiros carecessem
milagrosamente da oportunidade de terem nascido, este país provavelmente
estaria em melhores condições. Infelizmente, como bem mostra o livro, tratam-se
de oportunistas dentro de um sistema que envolve muito dinheiro e baixo risco.
Não fossem eles, seriam certamente outros, pois os corrompidos estão em número
um tanto maior.
Classificada
pelos próprios personagens do livro como “literatura menor”, “infâmia”, “oportunismo”,
“irresponsabilidade”, “redundância”, “crime organizado travestido de jornalismo”
e “coleção de calúnias”, a obra, lançada no final de 2011, realmente incomodou.
Nos primeiros meses, a mídia televisiva e impressa tentara escondê-la, num
claro manifesto da usual tática de mantê-la ignorada
nos
meios públicos. Tentativa inútil, pois em pouco menos de um mês a obra já
estava na lista dos livros mais vendidos no Brasil, mantendo-se no topo por um
bom tempo. Além disso, em menos de dois meses, a editora já estava em sua 5ª
reimpressão e hoje o livro já é considerado um best-seller
do jornalismo investigativo.
Pois
bem, a base de toda a obra é construída no final da década de 80 e início da
década de 90, época cuja dissuasão neoliberalista europeia e norte-americana se
impusera sobre os governos latino-americanos. O Estado Mínimo representava a
terceirização de tudo e os líderes na América Latina pareciam competir entre si
em relação à velocidade com que enviavam as empresas geridas pelo Estado às
mãos do setor privado. Sabemos muito mais sobre o resultado disto tudo hoje. No
entanto, o autor se preocupa menos com a dicotomia muito discutida entre
privatização e estatização. Ele na verdade se concentra e coordena toda sua
investigação nos processos de venda das empresas brasileiras ao setor privado e
nos benefícios adquiridos por alguns poucos através de simples assinaturas
irresponsáveis. Neste emaranhado podre, surgirão empresas conhecidas do nosso
passado ou do nosso cotidiano como a Vale, a Telemar, o Banco do Brasil, o
Citibank, a Telebras, o Banestado e a Petrobras; aparecerão partidos políticos
famosos como o PSDB, o PMDB e o PT; e, enfim, surgirão os personagens que dão
vida às instituições e que manipulam através do poder, da influência e da
chantagem. A primeira vertente desta genealogia obscura inicia-se com José
Serra, na época ministro do Planejamento do governo de Fernando Henrique
Cardoso, ex-prefeito e ex-governador de São Paulo, candidato à presidência
deste país por duas vezes e, atualmente, candidato a um segundo mandato à
prefeitura de São Paulo; sua filha Verônica Allende Serra; seu genro Alexandre
Burgeois; seu primo Gregório Preciado; e seu ex-tesoureiro e “eminência parda
das privatizações” Ricardo Sérgio de Oliveira. Do outro lado, encontra-se
Carlos Jereissati, megaempresário, dono
do grupo La Fonte que, por sua vez, é irmão de Tasso Jereissati, ex-governador
e ex-senador pelo PSDB do Ceará, atualmente presidente do Instituto Teotônio Vilela,
órgão de formação política do PSDB.
Caminhando
juntos neste imbróglio nepotista vêm Daniel Dantas, o primeiro dono do banco
Opportunity, e
sua irmã Verônica. Ambos protagonistas da operação Satiagraha, desencadeada
pela Polícia Federal em 2004, contra desvio de verbas públicas e lavagem de
dinheiro. Fazem também parte do grupo Paulo Maluf e Ricardo Teixeira,
dispensados aqui de suas respectivas e desnecessárias nomeações. Enfim, poucos
nomes, grandes estragos.
Bom,
se gera espanto o tamanho do rombo criado por tão poucos, logo nas primeiras
páginas da obra,
somos
obrigados a questionar nosso próprio grau de passividade em relação ao sistema
que nos rege e procurar a razão que ainda mantém determinados cidadãos impunes,
invioláveis, elegíveis e gozando de toda sorte absorvida através de processos
oriundos da promiscuidade e do peculato. Lançar luz a este tema me parece ser o
principal motivo da existência deste livro, pois eis que se assim for, “tudo o
que houve terá valido a pena”, finaliza Amaury.
Quadrinhos dos anos 10: André Dahmer / www.malvados.com.br
3 comentários:
Vale sim. Pra eles.
Vale sim. Pra eles.[2]
Essa tirinha do André Dahmer me fez lembrar de uma cidadezinha no interior do rio de janeiro...
Postar um comentário