sábado, 16 de junho de 2012

VQ // nº 40 // Cultura

Sugestões para a cultura popular valenciana

Por Alexandre Fonseca


Democratizar o acesso à cultura e sua produção são necessidades para um programa radical-democrático que dinamize a prática da cultura popular em Valença

texto de caráter muito mais provocativo do que propositivo em que tentei expor as dificuldades conceituais e políticas de se abordar a cultura popular em Valença. Agora, inspirado pelas propostas para a educação pública pontuadas pelo mestre jedi Sanger Nogueira naquela mesma edição e por conversas que tenho mantido com alguns agentes culturais valencianos, em especial com o grande maestro Paulinho do Trombone, rascunhei algumas sugestões para a dinamização da praxis cultural em nossa cidade, as quais submeto à apreciação crítica dos leitores.

Divido-as em dois eixos: ações a serem empreendidas por representantes da sociedade civil, ou seja, pelos próprios artistas e agentes culturais, e ações a serem empreendidas por órgãos ligados à sociedade política (secretaria de cultura, câmara de vereadores, partidos, etc.).

Dos representantes da sociedade civil:
• Estabelecimento de coletivos populares institucionalizados ou não (fóruns, núcleos, organizações
não-governamentais) para discussão dos rumos da cultura em Valença e proposição de atos autônomos e/ou em parceria com o Estado;

• Organização de uma pauta de reivindicações culturais a ser apresentada aos (e cobrada dos) poderes
públicos municipais e partidos políticos;

• Exercício permanente de controle social sobre o uso das verbas disponíveis para a cultura nos órgãos públicos estatais;

• Promoção de eventos artístico-culturais públicos (shows, saraus, apresentações teatrais, vernissages,
festivais, happenings multiartísticos), abertos a todos, preferencialmente nas praças e ruas do município;

• Ocupação dos espaços culturais públicos ou mantidos total ou parcialmente por verbas públicas;

• Abertura de novos espaços independentes daqueles tradicionalmente monopolizados e burocratizados (leia-se elitizados) por meia dúzia de instituições “aristocráticas” de Valença;

• Multiplicação de veículos alternativos de mídia virtuais (sites, blogs, páginas e comunidades nas redes sociais, etc.) e impressos (panfletos, jornais, zines, etc.) para a divulgação da produção cultural valenciana;

• Elaboração de projetos para captação de verbas de incentivo à arte e à cultura junto a órgãos  estatais, não-governamentais e interestatais;

• Atuação nas escolas públicas municipais e estaduais para a socialização dos saberes sobre a cultura popular valenciana, brasileira e universal junto à juventude e revelação de novos valores;

• Criação de veículos de radiodifusão comunitários que quebrem o monopólio exercido pelas rádios comerciais em Valença;

• Construção de entidades associativas setoriais e intersetoriais (cooperativas, sindicatos, associações, etc.) para valorização profissional-financeira dos artistas junto ao poder público e às empresas promotoras de eventos (fundações culturais, casas de shows, bares, etc.).

Dos órgãos da sociedade política:• Desburocratização dos meios para a organização popular espontânea dos agentes culturais em coletivos, associações e afins;

• Submissão da escolha dos gestores da área cultural aos coletivos populares de cultura e aos artistas/agentes culturais do município;

• Submissão do processo de distribuição e aplicação das verbas públicas municipais para a cultura
aos coletivos populares;

• Coelaboração – junto aos representantes dos coletivos populares de cultura – de um calendário anual de eventos artístico-culturais, para todos os bairros e distritos do município, priorizando os artistas e agentes culturais locais;

• Publicação regular de todas as informações concernentes aos atos oficiais e do emprego de verbas públicas na área da cultura;

• Organização de fóruns populares de cultura, reunindo representantes dos bairros, distritos, entidades promotoras de cultura, sindicatos, escolas, etc;

• Elaboração de projetos para a captação de verbas (além daquelas previstas no orçamento) para a cultura popular;

• Levantamento e divulgação das manifestações culturais populares ainda não visualizadas nos bairros e distritos;

• Realização de pesquisa sociológica nas escolas sobre as preferências, gostos, talentos e militâncias culturais da juventude;

• Estabelecimento de projetos de desenvolvimento das habilidades artísticas dos jovens da classe trabalhadora, em parceria com escolas de música, teatro e artes plásticas porventura existentes em Valença;

• Encaminhamento de medidas previamente discutidas com a sociedade que visem à revitalização orgânica do patrimônio da cultura material e imaterial de Valença.

Creio tratar-se de um programa preliminar simples, possível e viável, que depende sobretudo da  imaginação e da vontade política dos envolvidos. No caso dos representantes da sociedade civil, isto é, os próprios agentes culturais, depende também de sobreporem os interesses coletivos aos seus interesses particulares. Quanto aos órgãos do Estado, os obstáculos são ainda maiores, posto que espera-se dos gestores públicos eleitos pelo povo (ou nomeados pelos eleitos) que estejam realmente comprometidos com a causa da democratização das instâncias culturais no município, o que implica terem que romper com as estruturas de poder aqui historicamente estabelecidas.

Enfim, são apenas sugestões, sem pretensões messiânicas de infalibilidade, tampouco de vislumbres revolucionários. Talvez possibilitem pequenas aberturas conjunturais - aquilo que Stuart Hall chamou de “deslocamento cultural” -, brechas no sistema dominante, por meio das quais outras mudanças,  mais profundas e estruturais, possam ser encaminhadas.

Alexandre é professor de História

Um comentário:

Libório Costa disse...

Uma excelente plataforma para ser apresentada aos candidatos na eleição. Concordo e assino totalmente.
Qual deles se compromete com isso?
Será que os agentes culturais valencianos mal acostumados a serem objetos de politiqueiros diversos estão preparados para serem sujeitos de uma nova realidade?
A plataforma mostra como a cidadania cultural de Valença está atrasada. Tudo que foi apresentado no texto ainda não conquistamos.