segunda-feira, 20 de agosto de 2012

VQ // nº 43 // Entrevista

‘Ser professor é pensar para além da sala de aula’

Foto Vandré Fraga

O entrevistado do VQ deste mês é Gilson Luiz Gabriel, um personagem que construiu uma história de luta contra as oligarquias que dominam e dominaram Valença. Afinal, foi cofundador do PT em Valença em 1986 (então um partido pequeno e que se sustentava nos movimentos sociais), participou das primeiras greves das indústrias valencianas de 1988, e foi candidato a prefeito em 1992. Formou-se em ciências sociais em 2002 e em história em 2004 (ambos os cursos na Faculdade Dom André Arcoverde). Desde 2005 é professor de sociologia da rede pública estadual. Permanece lutando contra os interesses privados que se apropriam daquilo que é público. Mas hoje o seu campo de ação não é mais as portas das fábricas e, sim, a sala de aula e tudo que envolve a educação pública. Leia a seguir os principais trechos da entrevista realizada por Sanger Nogueira e Rafael Monteiro.

Lutas populares
Minha primeira relação com lutas contra as condições de trabalho foi quando trabalhava no antigo supermercado Merval, em 1980. Lutávamos pelo que se chamava de semana inglesa, que é a semana que o comércio deveria parar 12 horas e o supermercado deveria começar na segunda-feira a partir do meio dia, exatamente para compensar a extensão que se fazia no sábado. Depois que conseguimos implementar a semana inglesa nos supermercados, eu e meu irmão continuamos fazendo denúncias e reivindicações de melhores condições de trabalho nas reuniões do sindicado. Logo depois fomos mandados embora. O interessante é que só eu e meu irmão fomos demitidos.

Greve de 88
Na greve de 1988 foi feita uma conversa com a diretoria da fábrica para se trabalhar 8 horas de segunda a sexta e só um turno no sábado, ou seja, 4 horas. Eu era da Santa Rosa Máquinas (setor de metalurgia da indústria) e decidimos em assembleia pela greve, já que a diretoria da fábrica negou as propostas que fizemos. Éramos cento e poucos trabalhadores nesta indústria metalúrgica. Mas percebíamos que o setor têxtil tinha muito mais a reivindicar do que nós e continha uma efervescência muito grande. Com isso começamos a tentar organizá-los. A greve durou 10 dias e num primeiro momento não conseguimos ganhos materiais, mas conseguimos estabelecer um ganho político enorme, pois organizamos os trabalhadores e, assim, fizemos oposição à direção do sindicato e ganhamos as eleições no ano seguinte.

Mas só vou participar do sindicato mesmo quando volto de uma tentativa frustrada de ganhar a vida em São Paulo. No começo da década de 1990 sou convidado a ser assessor do sindicato para contribuir na organização dos trabalhadores e de suas lutas.

Fundação do PT
O grupo que queria fundar o PT, do qual eu participei, começou a estabelecer discussões com este objetivo antes de 1986. Era um grupo bastante heterogêneo, havia pessoas ligadas ao PDT, tinha gente ligada ao grupo que queria falar com o PSB, gente que não sabia o que queria e gente de várias categorias organizadas. Após o processo eleitoral de 86 (para a Assembleia Constituinte) voltamos à discussão da fundação do PT em Valença.

Em 92, a base da campanha do PT para a prefeitura foi o sindicato dos têxteis, uma campanha marcada pela total falta de grana. Hoje vejo que há condições mais favoráveis para uma eleição de um partido sem estrutura, pois há outros meios de comunicação – como a internet – que podem ser utilizados e que naquela época eram inviáveis.

O fim das indústrias têxteis em Valença
Muitos da elite valenciana gostam de dizer que o sindicato e os trabalhadores foram os principais responsáveis pelo fim destas indústrias em Valença. Mas quem conhece um pouco a história de lutas e a forma como estas empresas eram gerenciadas sabe que essa afirmação é um grande absurdo. Afinal, no começo da década de 1990 houve a abertura econômica dos mercados brasileiros e houve um protecionismo muito grande por parte dos Estados Unidos com relação aos produtos de indústrias brasileiras. Assim, estas indústrias com capitais externos e que tinham uma tecnologia de ponta tiveram que voltar sua produção para o mercado interno, o que levou a pequenas empresas como as da Santa Rosa a perderem o mercado, já que suas máquinas eram sucateadas e não tinham como competir. O sindicato, depois que a Santa Rosa havia decretado a sua falência, ainda tentou criar mecanismos de autogestão para manter a empresa funcionando, mas o Julio Vito [Pentagna] não acreditou nas propostas que apresentamos, de alugar o espaço e as máquinas e fazermos a empresa voltar a funcionar. Ou seja, os trabalhadores buscaram a todo momento restabelecer as empresas falidas.

Por que Ciências Sociais
Durante o período de sindicato eu consegui fazer o curso do Núcleo 13 de Maio de formação política dos trabalhadores para atuar dentro dos movimentos sociais. O curso era ministrado em São Paulo e tinha duração de dois anos. Fazer o curso me estimulou a seguir a carreira de professor. A grande vantagem do curso de ciências sociais é que o currículo me permite fazer certas discussões com os alunos dentro da sala de aula. Além de ciências sociais, eu sou formado em História, também pela FAA.

Magistério
Entrei no concurso de 2004 para professor do estado em Sociologia. Foi um ano bastante complicado, já que a primeira prova do concurso foi anulada. Lembro que além de mim entraram o Samir Resende e a Beth Delai. A minha segunda matrícula foi em 2007. Nesse ano também tivemos a primeira prova do concurso. Entramos eu e o Cícero Tauil.  Na segunda matrícula eu fui dar aula no colégio Barão do Rio Bonito em Barra do Piraí.

O meu primeiro ano no chão da escola foi em um CIEP de Pinheiral. Eu não tinha a menor ideia do que era dar aula numa escola pública. Era uma escola boa pra trabalhar. Eles desenvolviam vários projetos pedagógicos. No entanto, percebi que os professores não tinham nenhum envolvimento com a luta dos profissionais de educação. Não existia nenhuma mobilização.

Lá em Pinheiral eu pude perceber como os professores priorizavam o relacionamento pessoal em detrimento de suas reivindicações. Tanto na categoria dos profissionais de educação como a categoria do funcionalismo público é muito individualista. Comparando os professores e a minha experiência na fábrica, percebo uma extrema dificuldade do professor em perceber que todos estão no mesmo barco. É muito difícil criar uma identidade de classe entre os professores.

Educação pública
O problema da educação é a forma como se administra o setor. Como questionar a falta de compromisso do professor sem observar que as exigências partem sempre de cima pra baixo, quando  o professor quase nunca é chamado pra opinar? Fica difícil falar do não comprometimento quando se está colocando um projeto de educação que os profissionais de educação não concordam. Eu não tenho comprometimento com algo que me é imposto.

Hoje o estado está implementando um projeto que olha a escola como uma empresa que tem que dar lucro. Eles não querem melhorar a qualidade da educação. Isso fica muito claro já que eles não abrem espaço pra discussão., ignoravam nossas reivindicações e não nos escutam quando dizemos que o projeto deles está cheio de falhas.

Problemas na educação
A questão do envolvimento da comunidade escolar passa pela participação da mesma nos assuntos escolares. Portanto, é necessário a eleição dos diretores de escolas. Transformaram o cargo de diretor em um cargo “técnico”. Ora, nas aulas de ciências sociais estudamos que todo cargo técnico exprime uma visão de mundo. Técnico não quer dizer bom. Até porque a única diferença entre a indicação política para diretor e o concurso é a exigência da prova. Nos dois casos, o diretor tem que ser favorável ao projeto de educação do Estado. Se ele se opor, ele é exonerado do cargo. Quando levantamos a bandeira da eleição para diretores, a secretaria finge que esta reivindicação não existe.

Outro exemplo é a implementação na Gide (Gestão Integrada da Escola). As pessoas que trabalham no Gide trazem as respostas prontas. Muitas delas nunca entraram numa sala de aula para experimentar aquilo que elas propõem. A questão da escola não é uma questão de elevar percentuais. Temos que perceber que a escola está integrada com a sociedade. A escola recebe um conjunto de alunos oriundos de uma sociedade preconceituosa, machista e com sérios problemas de drogas. Toda essa complexidade não é vista pela Secretaria de Educação.

Esse discurso de que é preciso extinguir disciplinas como Sociologia e Filosofia para ter mais carga horária de Português e Matemática está alinhado ao pensamento que quer projetar o Brasil no rumo do ‘desenvolvimento industrial’. É um discurso velho do tempo em que se falava do ‘Brasil grande’. Essa ideia de que “não precisamos de filósofos ou sociólogos, precisamos de engenheiros”, é  uma visão tecnicista que evita discutir quais são os rumos do nosso país. Um grupo de administradores que evitam fazer a pergunta  de que Brasil queremos? Em sala de aula observo que, muitas vezes, aquele aluno que desenvolve uma paixão com a área de ciências humanas (história, geografia, filosofia e sociologia) também desenvolve um conflito interior com a ideia de que ele precisa fazer algo para ganhar dinheiro.

Sexo, política e religião se discute na escola?
Não é questão de querer. São coisas que estão colocadas pela sociedade. A escola não está separada da sociedade. É melhor repensar a pergunta: quem quer que o professor não discuta isso? Acho que esse tabu é uma forma de algumas pessoas de “protegerem” seus filhos. Acreditam nesse tabu com o receio de perder o controle sobre os jovens. Se a escola não consegue fazer esse debate, a escola deve ser fechada.

Papel do professor
Não devemos ter medo de expor nossas opiniões. Por exemplo, não tenho receio em afirmar que o marxismo é o melhor instrumento para compreender a sociedade. Mesmo tendo que mostrar aos alunos várias abordagens, isso não me impede de divulgar a minha preferência.
Ser professor é pensar para além da sala de aula. É uma profissão curiosa porque você não a deixa em seu local de trabalho. Ao ler um jornal, ver um filme ou ouvir uma música, você está sempre pensando em como trazer aquilo para a sala de aula.

2 comentários:

Cicero disse...

Muito boa retrospectiva! Agradeço a lembrança do companheiro de lutas (estivemos juntos na última greve, lá no acampamento). E lembro o quanto é difícil trabalhar no Estado como professor. Em algumas escolas, como em Valença, por exemplo, me deparei com professores "proprietários de disciplinas" e direção matriculando alunos analfabetos no EJA, para atingir metas! Em Rio das Flores, direção "proprietária da escola" e colegas com formação pueri, referindo-se à diretora como "Tia" fulaninha. O que realmente valeu a pena foram os alunos. Comportamento exemplar e respeito ao nosso trabalho.
Abraços Gilson!
A luta continua!
Gilson vereador!

helenecamille disse...

Eu e uma amiga temos uma dúvida a respeito do Sindicato dos professores (aliás é dos professores, disso, daquilo e de todas as categorias possíveis). Isso para mim fragmenta qualquer negociação pois as outras categorias tem finalidades diferentes das do professor. Gosto de pluralidades, mas existem coisas que só com a homogeneização é que uma negociação torna-se mais consistente e forte.

Por exemplo: o sindicato dos médicos não tem enfermeira, no de enfermagem não tem auxiliar, etc...