terça-feira, 27 de novembro de 2012

Royalty do petróleo: falta debate público e informação

Por Marianna Araujo

O governador e o prefeito-playboy conseguiram colocar, no último dia 26, algumas milhares de pessoas nas ruas do centro do Rio de Janeiro para o protesto contra o projeto de lei (PL 448/11) que trata da distribuição dos royalties do petróleo. Nas ruas, além dos servidores dispensados do trabalho e “militantes” oficiais de CUT, PMDB, PcdoB e outras instiuições que formam a imensa e disforme geleia que o governo chama de “base”, estavam também artistas. Entre esses últimos, não era difícil identificar o perfil comum: são pessoas que vivem dos editais e leis de incentivo. Com as declarações recentes do governador, de que o estado sofreria um colapso, nada mais natural do que o fato de abraçarem a causa: a cultura entraria também em “colapso” sem a grana. Pois bem, a festa foi “linda”, só não saberemos quanto vai custar. Será que foi paga com recursos do petróleo?

Nos jornais, os bilhões perdidos são calculados sabe-se lá como, mas o que importa é que é muito dinheiro. Apenas a título de exemplo, tomo dois veículos da mesma empresa. No G1, o valor da perda em 2013 é estimado em “mais de R$ 3,4 bi”, em O Globo a projeção para o mesmo ano é exatamente “R$ 2,079 bi”. A fonte do cálculo é difícil de achar. As porcentagens são todas condensadas de forma a demonstrar que a perda é grande, sem explicar ao leitor as nuances da lei.

A fraca cobertura da imprensa e sua função pouco ou nada informativa não é tema deste texto. Mas outro bom exemplo desta realidade me parece ser a matéria do tal Diário do Vale reproduzido aqui neste blog. Detenho-me em dois aspectos. Diz a matéria que “há mudança no critério de distribuição” dos royalties e que “pela nova regra, o ‘bolo’ dos royalties destinado aos municípios passa a ser dividido pelos critérios do Fundo de Participação dos Municípios (FPM)“. No texto, parece que municípios produtores e aqueles afetados pela extração estão incluídos neste critério. Não é assim.

O PL 448/11 está disponível para consulta aqui

O que o projeto propõe é incluir na divisão que hoje é feita uma porcentagem para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e o Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE). Os critérios para a distribuição dos royalties são amplos. Não me cabe aqui discutir até porque não sou especialista no tema. Mas lendo o projeto, e sugiro que todos leiam com o objetivo de formar uma opinião sobre ele, fica claro que não dá para confiar no que dizem os jornais. Há uma série de nuances nos critérios que estabelecem as alíquotas. Nos jornais, o que se diz é que os estados deixam de receber 26% e passam a receber 20%. Mas de que tipo de extração estamos falando? No projeto, para a extração “em terra, rios, lagos, ilhas lacustres ou fluviais” é mesmo 20%. Mas nos casos de ocorrer em “plataforma continental, no mar territorial ou na zona econômica exclusiva” é 22%. E de que parcela de royalties se está falando? A lei para a parcela de 15% sobre a produção é uma, quando o valor é menor, a alíquota é outra. Apenas um exemplo: quando o royalty for apenas 5% da produção e ocorrer “em terra, rios, lagos, ilhas lacustres ou fluviais” o projeto prevê 70% para o estado produtor. Como os jornais chegam tão rápido a cifras e números redondos em um cálculo com tantas nuances?

O outro aspecto da matéria do Diário do Vale que pretendo me deter é o que o repórter chama de fundo “Robin Hood”, aquele que tira “dos ricos para dar aos pobres”. Diz o texto: “a extensão do critério do FPM para a distribuição dos royalties, portanto, ignora completamente a presença de instalações de exploração de petróleo e o fato dessa atividade afetar o município, entregando mais dinheiro para prefeituras teoricamente de menor receita”. Só pode ser má fé ou ignorância. Vejamos: o projeto prevê que em casos de royalties de 15% sobre a produção, em terra, rios, lagos, ilhas lacustres ou fluviais, os municípios produtores devem receber 10% e o fundo para os municípios 25%. Supondo que em um dado contrato, o Rio de Janeiro seja o único produtor e o valor total do royalty seja R$ 100. O Rio ficará com R$ 10 e TODOS os outros municípios do Brasil repartirão R$ 25. Como o projeto não toma em conta a forma como a extração afeta o município e “entrega mais dinheiro para prefeituras mais pobres”?

Vale a pena, além de conhecer o projeto dos royalties, ler também sobre o o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e o Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE). De acordo com o TCU, “a fixação dos coeficientes individuais de participação dos municípios no FPM é efetuada com base nas populações de cada município brasileiro e e na renda per capita de cada estado”. A lei que regula o fundo é de 1997. No cado do FPE a coisa é mais complicada. A lei é de 1989 e estabelece uma porcentagem por estado para distribuição dos recursos. Ocorre que estas alíquotas, de acordo com a própria lei, deveriam valer apenas até 1992 e depois seriam recalculadas. Isso não foi feito e em 2010 o STF julgou que a lei era inconstitucional e as alíquotas valeriam apenas até 2012. Era tarefa do Legislativo estabelecer novos parâmetros, mas isso não ocorreu e essa discussão deve se arrastar pelo menos durante o ano que vem. Se a lei dos royalties for aprovada esta será uma discussão central. Vale lembrar, que os dois fundos estão determinados na Constituição Federal, em seu artigo 159 que trata da distribuição dos impostos arrecadados pela União. Não tem nada de fundo Robin Hood (que tira dos mais ricos, como diz o jornal), é um dispositivo constitucional voltado para a distribuição dos recursos nacionais entre as unidades federativas. Que esse dispositivo atenda a critérios socioeconômicos não deveria causar espanto, uma vez que a mesma Constituição prevê em seu artigo 3º que um dos “objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil” é “reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

Antes de partir para a conclusão, uma observação. Às vésperas da votação na Câmara o governo lançou seu ministro da Educação (aquele que tratou a greve dos professores com mão de ferro) na fogueira para fazer barulho afirmando que o governo defendia aplicação de 100% dos royalties em educação. Um detalhe apenas: a proposta do governo dizia respeito aos novos contratos e não aos já assinados. Quanto será gerado pelos novos contratos? De que forma seria regulada a aplicação na educação? Isso o governo não diz. Apenas defendia, absolutamente de acordo com o interesse dos estados produtores, capitaneados por Sérgio Cabral, manter os contratos já assinados como estão. A coisa toda me parece mais uma manobra para manter em vôo de cruzeiro a aliança com o PMDB e uma bravata que usou de um tema sensível ao brasileiro: a educação. Ora, se o governo de fato desejava ver os royalties na educação porque não enviou uma proposta antes, indicando regulação, estudos de valores e afins? Por que não mexer nos contratos já assinados? Esses são, para mim, indicativos de que o projeto aprovado deve ser vetado.

Minha posição em relação aos recursos oriundos das riquezas do país, a priori, é que sejam distribuídos com o objetivo de reduzir as desigualdades sociais e regionais, levando melhorias aos milhões de brasileiros que perecem com o latifúndio, a falta de saneamento básico, moradias precárias, sem acesso à educação e saúde. No meu entendimento, tratam-se de recursos que pertencem a todos os brasileiros. Como reza a Constituição em seu artigo 20: “São bens da União os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva; o mar territorial; (...) os recursos minerais, inclusive os do subsolo”. Não vejo sentido em privilegiar um estado ou município em detrimento de outros, sobretudo quando os mais beneficiados seguiriam sendo aqueles que historicamente concentraram recursos. No entanto, não sei se este projeto já aprovado atende plenamente a essa questão. Não tenho condições de criticá-lo. Como disse, desconheço o tema a fundo e esse não foi um assunto amplamente debatido na sociedade, mas discutido nos porões do poder – sempre contaminado por interesses privados e elitistas. O que não quer dizer que a sociedade e os movimentos sociais não lutaram por colocar o tema na agenda pública. Basta lembrar da campanha "O Petróleo tem que ser nosso" que há muito propôs a criação de um fundo social com os recursos gerados pela extração - inicitiva com a qual me alinho integralmente. A incerteza em relação à lei contrasta com outras duas certezas. A primeira delas: o ideal seria que todo brasileiro fosse um verdadeiro especialista no tema, fundamental para o futuro próximo do país. Não se trata de ignorância nossa, mas falta de debate público. A segunda: a deprimente cobertura da imprensa mais obscurece, como de costume, do que informa.
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Apenas uma anedota. O governador falastrão Sérgio Cabral chegou a dizer que com a mudança na arrecadação dos royalties ficaria difícil realizar as Olimpíadas. Isso numa cidade que está com as torneira$ abertas e que deve ser um dos maiores polos de investimentos do país nos próximos anos. Em resposta, o governador também falastrão e fanfarão do Ceará, Cid Gomes, disse: “se o Rio não conseguir, o Ceará faz”. Quem não quer receber os investimentos que a cidade do Rio está recebendo? Bravata do Cabral.

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