segunda-feira, 19 de novembro de 2012

VQ // 46 // Previdência

Previ Valença:
solução ou problema para servidores e município?


Concebida sem um estudo e sem ouvir servidores, a Previ Valença, pela falta de transparência, vem indicando que quem pode pagar a conta é a população


Por Fabrício Ferreira Itaboraí


A previdência social, fundamental para a consecução do Estado do bem-estar, é a síntese de históricas lutas sociais objetivando a proteção do trabalhador e de seus dependentes nos momentos em que advêm as dificuldades de sustento próprio. No Brasil, esse instrumento ganha importância ainda maior, em virtude da ausência do Estado em muitos setores, como Educação, Saúde e porque não dizer, geração de empregos e renda.

Em municípios menores e mais pobres, a renda dos aposentados e pensionistas movimenta substancialmente a economia local. Mesmo em cidades maiores, é cada vez mais comum idosos aposentados ou pensionistas serem os provedores, ou pelo menos a renda advinda de seus benefícios constituir importante complementação no orçamento familiar.

Desta forma a previdência social ocupa papel de destaque na economia local. Hoje temos três tipos de Previdência Social: Regime Geral de Previdência Social (RGPS), os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) dos servidores públicos e o Regime de Previdência Complementar. Cada um deles conta com regras específicas, definidas por meio da Constituição Federal e de atos legais próprios.

Previ Valença
Em Valença, no governo Vicente Guedes, foi instituída pela Lei Complementar nº 121 de 07/12/2009 o Instituto Municipal de Previdência dos Servidores Públicos de Valença (Previ Valença). Uma autarquia municipal responsável pela concessão dos benefícios, bem como gerir o fundo gerado pelas contribuições dos servidores municipais e também pela contribuição patronal. Ou seja, os servidores são descontados mensalmente em seus salários, e o prefeito é obrigado a fazer o repasse da parcela patronal.

É importante lembrar que a Previ Valença é a segunda tentativa de se organizar uma Previdência Social do município. Anteriormente foi realizada uma aventura instituindo outro Instituto Previdenciário que nasceu e morreu quase que na clandestinidade. Os servidores chegaram a ser descontados, entretanto voltou para o regime antigo, o RGPS-INSS. Quando acontece esse tipo de situação, de “falência”, pode-se voltar para o RGPS, entretanto é necessário que o município arque com a proporcionalidade dos benefícios, o que significa uma indenização pelo tempo de contribuição. Assim, o insucesso gera danos patrimoniais ao município que deverá suportá-lo, o que geralmente é feito através de confissão de dívida e parcelamento.

Não é incomum o RGPS passar por desastres econômicos exigindo intervenção do Estado (dinheiro público) para sanar suas contas e consequentemente continuarem honrando com suas obrigações. O que certamente diminui a capacidade de investimentos em saúde, educação e infraestrutura.

Cálculo atuarial
Caso emblemático é o da Previ Rio. Dados da Prefeitura do Rio revelam quadro alarmante em relação à situação financeira deste fundo, que está sendo alvo de investigação por conta de aplicação financeira suspeita. Segundo informações consolidadas pela Controladoria Geral do Município (CGM), a partir de 2014, o Fundo Especial de Previdência do Município do Rio de Janeiro (Funprevi) não terá saldo suficiente para pagar todas as pensões. O rombo previsto é de mais de R$ 143 milhões no caixa previdenciário.

A importância da Previ Valença vai além do pagamento aos 300 aposentados, 205 pensionistas e 120 auxílios-doenças. Números ainda tímidos se considerarmos todo o funcionalismo público atual. Lembrando que a conta não é tão simples assim, pois para se fechar os números da Previdência é necessário a realização do cálculo atuarial.

O estudo do cálculo (também conhecido como avaliação atuarial) é necessário para a prefeitura descobrir quanto deverá gastar com os encargos previdenciários de seus servidores. Ele serve para os dois regimes de Previdência Social. Ele toma por base a análise dos dados dos servidores efetivos e concursados, além dos inativos e pensionistas. A partir da análise dessas informações, seguindo as regras estabelecidas pela Lei 9.717/98 e outras normas legais, é que se saberá a quantidade de recursos necessários para manter o sistema previdenciário, o que inclui o pagamento de benefícios e encargos.

Esse é um dos pontos que mais assusta. Pois a Previ Valença foi concebida sem um estudo, sem realização de censo dos servidores municipais, e sem ouvir os maiores interessados, os servidores públicos municipais. Quando digo maiores, é porque não são os únicos interessados: a população também deve ser ouvida. É uma falácia de alguns e tentativa de golpe na cidade afirmar que este assunto só interessa aos servidores. Está claro que qualquer problema com a aposentadoria, pensão ou auxílio-doença acarretaria danos profundos na economia local.

Falta de transparência
Outro fato bastante assustador é a conta apresentada de 140 milhões de reais que deverão ser repassados à autarquia pelo município nos próximos 34 anos. Qual o motivo? Na verdade quando o objeto de debate é a Previ Valença circulam apenas as perguntas, não existem respostas. Ou pelo menos não são claras, aliás, essa é uma característica: falta de transparência.

Além disso, temos ainda a falta de legalidade, pois não foi respeitada a Constituição Federal, uma vez que todos os cargos dentro da autarquia municipal são preenchidos por indicação do Executivo. Considerando que a Previ Valença foi instituída em dezembro de 2009, já era mais do que tempo para a realização de concurso público.

No site da Instituição, a Previ Valença é definida com “autonomia administrativa, patrimônio e gestão financeira próprios”. Como falar em autonomia se é o Executivo quem indica os cargos? Cabe aos gestores da Previ Valença fiscalizar e denunciar o chefe do Executivo em caso deste não repassar as contribuições patronais. Desta forma não existe autonomia, pois se não atender a vontade e os caprichos do prefeito poderá ser exonerado e outro mais “amigável” assumirá. Talvez esteja explicado um dos motivos para a falta de concurso público.

Assim como a autonomia, outra falácia é dizer simplesmente que “a Previdência Municipal também reduziria significativamente os gastos públicos com pessoal, uma vez que no Regime Próprio de Previdência Social a alíquota patronal é de 11% (onze por cento) enquanto que no Regime Geral de Previdência Social (INSS) é de 22% (vinte e dois por cento)”.

Inconstitucionalidade
Apesar de ser verdadeiro, esqueceram de avisar que a alíquota de contribuição do servidor municipal seria aumentada, o que significava menos dinheiro no bolso do trabalhador e consequentemente menos dinheiro na economia local.

Por fim, as notícias ainda alarmantes como o “reforço de caixa” de 140 milhões, noticiado nesse obscuro projeto que atualmente tramita na Câmara, tem-se na esteira o dispositivo ilegal que tenta inserir 50 % de vagas através de concurso público. Chega a ser risível, além de inconstitucional, já que o ingresso à carreira de servidor público obrigatoriamente se dá através de concurso, ressalvando hipóteses excepcionais previstas em lei. Será que a outra metade se enquadra nessas hipóteses? Pouco provável.

O que propomos com este texto é apenas levantar algumas questões para que possam ser amplamente debatidas. Até porque não existem números e dados para um estudo aprofundado, por conta da falta de transparência.

Entretanto, mesmo que de forma superficial podemos tirar as seguintes conclusões:

- A Previ Valença foi instituída sem a participação dos servidores públicos municipais e população;

- A falta de transparência e legalidade na sua constituição são vícios que afetam diretamente seu funcionamento, pois servidores indicados e não efetivos vinculam-se à vontade do Executivo;

- Em virtude de atos lesivos ao erário público tem-se visto rombos e prejuízos nas Previdências Municipais como no Rio de Janeiro e em Nova Iguaçu – para citar apenas dois exemplos –, ficando a cargo do município cobrir a falta de recursos, o que acarreta menos dinheiro para educação, saúde e demais áreas.

- Considerando que nossa cidade já carece de investimentos em saúde, educação e infraestrutura, não parece loucura o aporte de 140 milhões na Previ Valença? Terá ainda o município saúde financeira para realizar as melhorias que necessita? Por fim, a soma aplicada na Previ Valença garantirá os benefícios aos servidores?

No caso de Valença só o tempo poderá responder. Entretanto, em cidades como Rio de Janeiro e Nova Iguaçu (municípios mais ricos) quem está pagando a conta é o servidor, junto com o restante da população.

Fabrício é advogado

3 comentários:

Anônimo disse...

prezado fabricio,

a questão central é de gestão. o que diferencia os fundos previ do bb e etc na essencia do de valença? gestão.
valença precisa de uma gerente para tratar assuntos como este de forma republicana. como se fosse dele.

Valdecy Alves disse...

REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA - UMA TRAGÉDIA SOCIAL QUANDO É GERIDO DE FORMA INCOMPETENTE - QUIPREV - QUIXERAMOBIM (CE) UM EXEMPLO A SER EVITADO - UM FUTURO A SER TEMIDO - Saldo na conta "zero" - Todos os aposentados e pensionistas com benefícios atrasados e mais servidor se aposentando - Leia matéria - veja pequeno documentário sobre o tema e pasme: http://www.valdecyalves.blogspot.com.br/2012/12/regime-proprio-de-previdencia-falido-um.html

ALEXANDRE RABELO MORGADO disse...

50% das vagas para o executivo empregar apadrinhados políticos e parentes. Este regime já foi uma bagunça anteriormente. Na verdade, quando o Regime Geral de Previdência Social, INSS, reformulou suas leis, houve uma migração, através das Prefeituras Municipais, para o Regime Próprio de Previdência, com o domínio do poder executivo, que faz o que bem entende. Descontam a alíquota referente aos servidores e não contribuem com a sua parte. Uma parte não vive sem a outra! Para ter caixa, é preciso ter funcionário público, já que outros, pertencem ao regime CLT, caso de terceirizados, contribuem para o INSS. O Poder Executivo, sabe que se não der certo o novo regime, ele retornará com os servidores para o INSS, situação prevista em lei.