O crack e as políticas de combate à droga
A criação de um serviço telefônico de atendimento a usuários e familiares voltado para a orientação é louvável, especialmente por conta do desconhecimento generalizado sobre o tema. Mas um dispositivo terapêutipo em si não é necessariamente bom, é preciso que se acompanhe a estruturação desses serviços e a formação dos profissionais da área
POR Rodrigo Nascimento
Nos últimos meses, quase diariamente, recebemos notícias relacionadas ao problema do uso e dependência do crack em praticamente todo território nacional. Como agravante, temos presenciado a proliferação das cracolândias, que é como são denominados os territórios da cidade onde os usuários e dependentes se reúnem a fim de fazer uso da droga, ocupando com essa finalidade diversos espaços públicos.
Apesar de não ser propriamente o maior problema no que se refere ao uso de drogas no país, não sendo nem a droga mais consumida, nem a que apresenta maior índice de letalidade, há um notável clamor da sociedade para o tema. Esse clamor, produzido em parte pelo sensacionalismo presente na abordagem da mídia em geral, em parte pelas próprias condições degradantes vivenciadas por esses indivíduos e por sua exposição pública ostensiva, fez com que fosse formulada e desenvolvida uma série de ações governamentais.
Dentre essas ações, podemos apontar uma ênfase excessiva na utilização de expedientes de cunho repressivo, que privilegiam o uso da força e da imposição de formas compulsórias de tratamento, apesar de contarmos com uma ampla gama de dispositivos terapêuticos voltados para a abordagem em meio aberto.
Diante dessa ênfase, fica impossível não indicar a usual estigmatização dos moradores de favelas e das pessoas em situação de rua como um dos fatores que a motivam, na medida em que existe uma aprovação pela opinião pública, em geral, para a utilização da força nesses encaminhamentos como únicas saídas possíveis e adequadas diante dessa mazela social.
Desse modo, segundo a lógica da ordem pública, a limpeza das ruas e a dissolução, ainda que temporária, de algumas cracolândias produz uma sensação de alívio na sociedade, justamente por perceber nessas ações espetaculares, de forte impacto midiático, a presença do poder público buscando meios de resolver o problema, nem que seja meramente ocultando-o, tornando-o invisível.
Ao contrário do que vem sendo apregoado pelo poder público, a centralidade das intervenções voltadas para o enfrentamento ao crack na internação psiquiátrica e a utilização de expedientes autoritários, compulsórios, com uso inclusive das forças de segurança pública, podem produzir um resultado inverso ao esperado, gerando resistência ao tratamento e a percepção e/ou associação de um caráter agressivo e violento a uma abordagem que deveria primar pela lógica do acolhimento e do respeito aos direitos desses cidadãos.
Além disso, uma vez que essas ações são desencadeadas por uma ação judicial, sem a caracterização propriamente dita de um ato médico, podemos estar cometendo um erro grave ao adotarmos uma estratégia de atuação contraproducente, ineficaz e com uma relação custo/benefício negativa.
Obviamente existem casos específicos em que as modalidades de internação involuntária e compulsória são justificadas. No entanto, essa abordagem espetacularizada e feita no atacado, sem distinção de caso a caso, revela um forte viés higienista que pode, ao invés de contribuir, tornar ainda mais difícil uma abordagem terapêutica eficaz na recuperação desses sujeitos.
Ao contrário, a construção de um projeto terapêutico realmente eficaz decorre de uma relação de confiança com esses sujeitos e suas famílias, que muitas vezes encontram-se também numa situação que demanda acolhimento e atenção. Nesse sentido, é primordial o fortalecimento da rede de cuidados em saúde mental, priorizando serviços abertos de base comunitária, o investimento nos recursos humanos adequados e viabilização de projetos terapêuticos individualizados que promovam a autonomia, a cidadania e a inclusão social.
Desse modo, a meu ver, a criação de um serviço telefônico de atendimento a usuários e familiares, voltado para a orientação da população acerca do melhor encaminhamento de cada caso é uma iniciativa, a princípio, louvável, tanto por vir de encontro ao desconhecimento generalizado dos diversos procedimentos possíveis, quanto por se coadunar com a lógica do acolhimento, tão importantes para a situação de desamparo geralmente vivida pelos familiares diante desse problema.
Entretanto, um dispositivo terapêutico em si não é essencialmente bom ou ruim, podendo ser usado de maneira positiva ou não. É fundamental, portanto, acompanharmos a estruturação desses serviços, o processo de formação dos profissionais e os encaminhamentos realizados, como meio de monitoramento e avaliação desses procedimentos para podermos garantir sua vinculação à lógica do acolhimento – e evitarmos que seja utilizado como mais um expediente que reforce o modelo autoritário que vem sendo adotado em outros municípios brasileiros.
Rodrigo é poeta, doutorando em psicologia pela UFRJ e pesquisador do Observatório de Favelas
5 comentários:
Gostaria de obter mais dados sobre o assunto. De qual classe social são provenientes os consumidores de crack? E qual é a porcentagem da população que consome? Existe algun contraponto entre as drogas ilicitas e as lícitas?
Acho que esses dados não são difíceis de se conseguir. Como também não deve ser dificil saber qual é a classe social dos seus fornecedores........ argh!
Classe social é um bom apelido (alcunha é mas acadêmico kkk) para o cachimbo onde se fuma o crack. Naquele mundo não existe classe, somente a classe dos sem família, sem pai, sem mãe, sem ESTADO, sem oportunidade, sem amor, sem nada...a CLASSE DOS SEM PAÍS.
antes de democratizar o uso de drogas o pais devia democratizar a saúde, o o ensino, saneamento, a distribuição de renda.....
Existe cracolândia no leblom? Se não tem, vamos fundar uma!
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