segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

MST no Fórum: sectarismo preocupante

Transcrevo abaixo parte do artigo de Gilberto Maringoni, publicado em Carta Maior, sobre o MST e o Fórum Social Mundial que aconteceu em Bélem, na semana passada. É, no mínimo, interessante.

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O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra é um patrimônio nacional. Seus 25 anos de existência mostram como um trabalho sério, dedicado e constante transformaram as lutas pela democratização da propriedade no Brasil. Por causa disso, o MST conta com o ódio visceral da direita brasileira e da maioria dos meios de comunicação. Ao mesmo tempo, alguns líderes do Movimento têm assumido, nos últimos meses, uma postura sectária e pouco construtiva para a convivência e convergência das forças democráticas e populares. O ápice da falta de tato, beirando os maus modos, foi dada por um dos principais dirigentes do Movimento, João Pedro Stédile, em discurso no Fórum Social Mundial (FSM), realizado em Belém do Pará.

Vale a pena nos determos na atuação de alguns dirigentes do MST em ato realizado na tarde do dia 29 de janeiro último, no ginásio da Universidade Estadual do Pará (UEPA). A cerimônia, que contou com a participação de quatro presidentes sul-americanos, representou um dos pontos marcantes do FSM, para bem e para mal. A mesa foi composta por Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador), Fernando Lugo (Paraguai) e Hugo Chávez (Venezuela), além de Stédile e outros dirigentes de movimentos sociais. Lula não foi convidado. Um segundo ato, realizado na noite do mesmo dia, em outro local de Belém, o reuniria aos seus colegas. As alegações pouco claras para a exclusão do brasileiro davam conta de que o tema em tela seria a Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), proposta de integração regional, lançada pela Venezuela, da qual o Brasil não faz parte.

Fora da Alba
"Não convidamos o presidente Lula porque o Brasil está fora da Alba. Não se trata de um problema político ou de retaliação. Nós não fomos convidados para o ato de Lula com estes mesmos presidentes e compreendemos, porque o ato não incluiu os movimentos sociais. Assim como aqui não caberiam países fora da Alba", explicou ao portal Vermelho João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do MST. A CUT era uma das promotoras do ato noturno e, até onde consta, é um movimento social.

(...)

Tudo bem, não quer convidar, não convida. Mas é preciso ficar claro: realizar um ato em território brasileiro com quatro chefes de Estado estrangeiros, por mais afinados politicamente com estes que se possa ser, não tira de cena a péssima educação de quem patrocina o evento e a quebra de qualquer decoro diplomático do gesto. Presidentes de outros países não podem participar unilateralmente de audiências de qualquer ordem no interior de qualquer país sem a anuência da diplomacia local. Não são pessoas físicas, são representantes de outras nações. Inexiste demanda possível de ser atendida por eles que não passe pelos canais democráticos e institucionais nacionais.

"Frouxos"
Discursando em espanhol para uma platéia majoritariamente brasileira, ao final do ato, João Pedro Stédile citou os governos brasileiro e argentino como progressistas e integrantes de "um movimento histórico da América Latina de rompimento com o neoliberalismo na região". Se é assim, o sectarismo é maior. Mas o dirigente foi além e, após uma curta análise da situação regional, disse, entre outras coisas, o seguinte:

1. "Os governos que me perdoem, exponho o que pensam os movimentos. Vocês têm andando muito frouxos. Fazem suas reuniões aí, comentam algo de conjuntura, mas nós esperamos mais de vocês, queremos mudanças estruturais, não remédios para o capital. Nas próximas cúpulas regionais, convidem os movimentos de seus países", cobrou.

Quer dizer, Chávez que enfrentou e derrotou um golpe de Estado, Morales que venceu a direita separatista no processo constituinte, Correa que realiza uma auditoria de sua dívida pública e Lugo que mandou à lona uma ditadura de 60 anos do Partido Colorado não seriam mais do que "frouxos". Sensacional.

2. Comentando a reunião da Cúpula da América Latina e do Caribe (CALC), realizada nos dia 16 e 17 de dezembro, na Costa do Sauípe, na Bahia, o dirigente Sem-terra declarou: "Todos os presidentes da América Latina estiveram lá e nada decidiram. Comeram bem, andaram na praia e nós na expectativa de mudanças". Hugo Chávez não passou recibo: "Eu não fui à praia". Em tom de brincadeira, Stédile corrigiu: "Alguns gordos não foram à praia".

O encontro na Bahia teve o caráter simbólico de se contrapor à OEA - que exclui Cuba e inclui os Estados Unidos - e buscar caminhos para uma maior integração continental. Cuba estava presente e os EUA não. Trata-se de um evento inédito e alentador, do ponto de vista político. Não se deve subestimar o acontecimento, que foi atacado sem dó pela grande mídia.

3. A certa altura, Stédile opinou que as eleições não resolvem os problemas da região. "Se fosse assim, a Itália estaria muito bem", disse ele. Curiosa lógica. Todos os mandatários latinoamericanos foram eleitos, reeleitos e referendados em seguidas consultas populares. Fazem parte de uma vaga eleitoral antiliberal. Se a democracia real não conseguiu resolver os problemas, as soluções devem ser buscadas nas combinações de demandas sociais com o alargamento dos espaços institucionais. O próprio Fórum Social Mundial não existiria se governos democráticos não tivessem sido eleitos e investido dinheiro e estrutura em iniciativas desse tipo.

O MST, sempre que se vê acuado em seus embates com a direita, solicita apoio de governos e parlamentares progressistas, eleitos pelo povo, o que é muito justo. Mudará de tática daqui por diante?

Anti-política
É bom lembrar que o discurso antieleitoral, pretensamente radical, esconde o fato de que as eleições diretas foram uma conquista democrática da sociedade. Estiveram no centro da maior mobilização de massas da história do Brasil, organizada por partidos e movimentos sociais. Falamos da campanha das Diretas Já, em 1984.

Os ataques à participação eleitoral têm por base a idéia de negação da atividade política e da prática partidária, que seriam espaço de uma mal denominada "institucionalidade burguesa". Os movimentos sociais seriam o haveria de mais avançado na sociedade. É preciso mediar as coisas.

Movimentos são por natureza organizações com reivindicações focadas em temas determinados, como terra, salário, direitos, água, etc. Em seu conjunto, podem fornecer as bases para a formação de um programa de ação abrangente e transformador. Isoladamente, buscam a satisfação de objetivos determinados. Equiparar sua atividade a de partidos, que buscam formular e articular projetos mais amplos é incorrer em comparações entre sujeitos de naturezas diversas entre si.

(...)

*Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).

A íntegra pode ser lida aqui.

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