quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

quando o samba não chama

Minha família é nordestina e até os 15 anos eu morei em Salvador. Meu carnaval se resumia às tradições baianas e ao reinado de Bel do Chiclete com Banana e seus pares. Assisti de camarote ao despontar de Ivete, em tempos de Banda Eva. Admirei embasbaca cada passagem que pude acompanhar dos Filhos de Gandhy. Araketu, Gilberto Gil, Timbalda e Olodum, apenas para falar dos favoritos, compõem minhas referências carnavalescas da infância. Lembrança distante, mas concreta, é a das escolas de samba do Rio. Não havia qualquer tradição na família, mas o desfile não passava incólume pelo pequeno apartamento da família disfuncional que ainda vivia na Pituba – bairro de classe média da capital baiana. Não podia ser diferente, a Globo já estava aí, firme e forte na sua missão de unir esse país de dimensão continental – pasteurizando e massificando como um rolo comprensor. Enfim, em meio ao axé e à água de cheiro, acompanhávamos distantes as escolas do Rio, sempre simpáticos à Mocidade Independente de Padre Miguel e Mangueira. À época rolava uma exaltação de um tal Castor de Andrade, que pelo que eu ouvia era “meio” envolvido com coisas que podiam ser consideradas ruins, mas era um cara “legal” porque levava a Mocidade para “as cabeças”. Eu nunca entendi muito bem também porque uma parada que envolvia música se misturava com escola. Tinha dificuldade ainda para compreender porque aquelas músicas chatas, cheias de palavras difíceis, longas demais, sem refrão óbvio podiam ser chamadas de samba – samba pra mim era o samba do Gera Samba, nobre expoente da música brasileira que ficou mais conhecido como É o Tchan.

Uma parada rápida para o leitor não achar que mamãe apenas me ofereceu referências musicais de gosto duvidoso. Deixando de lado o preconceito, reconheçamos o valor de uma Timbalada e sua batida inconfundível. Mas não só isso, além de profunda admiração por Bel e sua calvície nunca revelada, de casa levo também o gosto por Raul Seixas e algo de João Gilberto. Em casa de baianos, era baianos que se ouvia.

Retomemos. O tempo passou, o carnaval de Salvador se industrializou (não que no meu tempo fosse uma festa popular idílica, mas a coisa se expandiu consideravelmente) e eu me mudei da Bahia. Já retirante (de avião, porque pau-de-arara virou história depois que inventaram a Gol), morei em alguns lugares, até cair no Rio de Janeiro. Entre a Bahia e o Rio, meu carnaval se resumiu a apreender por osmose o refrão do axé do momento. Também por osmose sabia das escolas de samba.

No Rio a coisa mudou um pouco. Descobri que a “primeira Escola surgiu no Estácio de Sá porque existiam naquele tempo os professores do lugar Mano Nilton, Mano Rubem e Edgar” (Primeira Escola, samba de Pereira Matos e Joel de Almeida). Entendi o que era samba-enredo, qual era a relação entre escola, samba e o tal de desfile. Percebi que aquilo tudo que pra mim se resumia a uma referência distante na televisão era um “rio que passou na vida” de muita gente, amor de filhos fiéis e defensores, como cantou Cartola.

Aprendi a respeitar a tradição e em alguma medida admirar. Mas, definitivamente, de todos os encantos que o balneário de São Sebastião oferece, esse foi um que não me pegou. Não pegou porque eu não consigo compreender o que ainda faz com que as pessoas se mobilizem. O desfile parece um programa da Globo. É feito em função das câmeras e da grade: o horário, o tempo, o recuo da bateria (num palco!), os patrocinadores, a forma como o espaço é ocupado, a apuração. Ninguém sabe o que é dinheiro público, o que é Liesa, o que é Globo. Mas é assim, eu explico: o governo (munícipio e estado) repassa dinheiro pra Liesa (porque não requer licitação), a Liesa gasta como quer (inclusive “devolvendo” ao governo camarotes luxuosos, vista privilegiada e duas boas noites de diversão com sexo, drogas e samba’n’roll). Aí, a Liesa faz mais um dinheirinho com a grana que a Globo gasta com a transmissão, exclusividade e subordinação. A Globo, por sua vez, não gasta a tôa: ganha dos anunciantes e faz girar a roda da hipnose que exerce sobre esse povo brazuca via artistas, moda, camarotes e essas coisas que alimentam o sedutor mercado das celebridades. Quer dizer, carnaval na avenida é um negócio lucrativo para uma escória que eu, pessoalmente, não admiro.

Aí vem a escola de samba. A comunidade. A tradição. Vem nada... a parada é jogo do bicho e tráfico. Quer dizer: o jogo é ilegal, mas t-o-d-o mundo sabe que existe e mais, t-o-d-o mundo sabe que banca a escola. Quando não, é dinheiro do tráfico. Quando não, é dinheiro de política – será que o Neguinho trouxe os 3 milhões do Arruda nas meias? Você leitor, pode dizer, que para além disso tudo tem o desfile, o enredo que pode ser interessante, a música, a empolgação. Concordo e não critico quem gosta. Isso tudo nunca foi o suficiente pra me atrair. Ocorre que na minha cabeça a parada é uma representação. É dinheiro girando para gerar mais dinheiro. Não tem disputa – e isso me incomoda demais, porque há um ser competitivo aqui. Então eu olho para a Porto da Pedra e penso: tadinhos, arruma um esquema aí com o tráfico ou com o bicho senão vai ser esse sobe e desce pra sempre. Se ao menos houvesse iguais condições de disputa eu até me animava. Mas nem isso. Umas tem mais, outras bem menos, quem tem mais compra o que de melhor existe (o que está em disputa não é o samba, é a capacidade da escola de comprar mais plumas, comprar o serviço do artista mais bem preparado, chamar umas celebridades e pagar, pagar, pagar, quem não pode pagar é amador), compra inclusive os jurados. E a coisa, pra mim, fica repetitiva: um eterno passar pela avenida de adereços que me parecem bregas – mas sei que são caros –, rostinhos da novela das 8, políticos que curtem uma sacanagem, sambas que não me dizem nada e na quarta-feira de cinzas todo mundo empolgado, a quadra transbordando suor da “comunidade”, esperando pra ver se o Anísio Abrãao esse ano comprou pra Beija-Flor ou não.

Um interlocutor mais atento dirá: mas é assim com tudo na vida, o samba não perde sua importância. Talvez seja verdade, pena que essa certeza não me pegou. Um atento que me conheça bem, dirá mais: “mas e o futebol? É assim e você vai lá, paga ingresso caro, perde horas de discussão, se rende àquele circo de cartolas, patrocinadores e afins”. É igualzinho, de acordo. Não tiro a razão. Da máfia da Fifa, à máfia da CBF, passando pelo campeonato da faculdade, o futebol tem minha dedicação e atenção como poucas paixões nessa vida. Mas aí, meu caro, fica o meu pensamento de hoje a tarde, enquanto almoçava e passava as vistas na apuração do desfile: a cada um, o fetiche que lhe cabe – tem capitalismo para todo mundo.

*clementina é botafoguense, gosta de samba, carnaval e cerveja.

9 comentários:

Anônimo disse...

Essa foi ótima....DEMOCRACIA VEQUEISTA......!!!!

Tyler Durden disse...

Poxa gente, comentário idiota (e anônimo), que não tem nada a ver com tópico.

Quem tá aceitando isso?

Anônimo disse...

Poxa Samir, nem onde vc canta de galo, ou seja, aki neste espaço, vc consegue se impor! Malandro vem, chamam vcs do que quer, fala coisa com coisa e ainda tem seu comentário publicado. Quem é o moderador?????

Anônimo disse...

SAMYR, OLHA A PONTUAÇÃO!

Anônimo disse...

SAMYR, VC É MUITO FRACO EM ARGUMENTAÇÃO! FOI SÓ UM ANÔNIMO ESCREVER ALGO QUE VC NÃO GOSTOU OU GOSTA QUE JÁ "IMPLICA". ORA, PUBLICAR ANONIMAMENTE É UMA FERRAMENTA POSTA A DISPOSIÇÃO POR VCS DO VQ! SE NÃO PODE POSTAR DESTA FORMA, MODIFIQUEM A FERRAMENTA OU ATUALIZEM ESTE "INFORMATIVO"! NÃO ME FALE QUE ESTE É UM LOCAL ONDE SE POSSA DISCUTIR IDÉIAS! NÃO MUITO RARAMENTE EU TAMBÉM TENHO SIDO VETADO EM MEUS COMENTÁRIOS, OS QUAIS NUNCA FORAM PESSOAIS E NEM POR ISSO VOLTEI PARA CRITICAR, POXA! AGORA, QUE VOCÊS VETAM COISAS DE FORMA ALEATÓRIA, PACIÊNCIA.....! SE QUEREM "DIRIGIR" O DEBATE, PACIÊNCIA! TAMBÉM NÃO ME DIGA QUE ACEITAM CRÍTICAS OU OPINIÕES DIVERGENTES DAS DE VOCÊS, CHEGA DE LOROTA! MUITAS VEZES, E EU ME INCLUO DENTRO DE ALGUMAS, FUI QUASE "SACUDIDO" PORQUE CITEI OPINIÃO DIVERGENTE, OUTRAS, PORQUE CITEI UM COLUNISTA QUE NÃO OS AGRADAM (REINALDO AZEVEDO OU VEJA). APRENDAM UMA COISA, MAS NÃO SÓ DA BOCA PRA FORA, DEMOCRACIA TAMBÉM É FEITA COM OPINIÕES DIFERENTES, DESDE QUE RESPEITADAS E DISCUTIDAS, MAS NUNCA IMPOSTA.....! VAI O CONSELHO E ESPERO QUE PUBLIQUEM O PRESENTE COMENTÁRIO, OU É ELE "PESSOAL"????

Anônimo disse...

Grande tolice. O carnaval carioca não é apenas desfile de escola de samba. Nas ruas, sem competição, desfilaram cerca de 400 blocos e bandas, levando ao delírio mais de 2,5 milhões de pessoas, o maior carnaval de rua do país. E com uma vantagem: não é preciso comprar abadás para ter o direito de desfilar dentro da corda, pois não existem cordas. Só precisa ir e aproveitar.

Clementina disse...

Felipe, você tem toda razão, os blocos de rua estão aí. Tudo bem que cada vez mais tomados por turistas e por uma galera que devia estar em ouro preto; tudo bem que cada vez mais cercados (vc sabia que o bloco do bar luís, tradicional parada depois do bola preta cobrou pra que a galera entrasse, esse ano?); tudo bem que não tem banheiro pra todo mundo e todo mundo pode ser preso; tudo bem, tudo bem... mas, cara, não era uma crítica ao carnaval do rio e sim às escolas de samba. tolice!!!!
eu não queria falar de blocos, sacou?

Paulo Henrique Nobre disse...

Olá a todos!

Gostei da ideia postada por um dos anônimos. Na minha opinão (avaliem os responsáveis), seria de grande utilidade para o crescimento da credibilidade do blog, que a ferramenta de postagem fosse alterada, impedindo a postagem de anônimos, ou mesmo, de pseudônimos que podem ser alterados facilmente.

Será que não seria possível criar um cadastramento exclusivo para o blog, com acesso permitido a todos? Se a pessoa quiser postar um comentário, ela obrigatoriamente teria que se cadastrar, deixando um mínimo de dados (nome, email, endereço, etc). Assim, todos teriam o seu direito democrático de argumentar e, por outro lado, passariam a assumir responsavelmente pelo que postam aqui. Quando a postagem fosse feita, poderíamos acessar o nome do postante e saber de quem se trata.

Não vejo prejuízos para o aspecto democrático do blog nesse aspecto. Mas as pessoas precisam assumir a responsabilidade pelo que escrevem. Ou vamos continuar a ver aqui pessoas que escrevem com o mesmo tipo de pensamento daqueles panfletos apócrifos que circulam na cidade, com fins claramente politiqueiros e nenhum caráter ético.

Anônimo disse...

que gente chata.