quinta-feira, 3 de março de 2011

"Quer ganhar uma eleição?"

Então nunca defenda a descriminalização da maconha ou do aborto nem se declare ateu ou umbandista.


O pesadelo do eleitor brasileiro é um candidato, homem ou mulher, que se declare a favor da legalização do aborto e da maconha, que diga não acreditar em Deus ou que professe religiões afro-brasileiras. Uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo e pelo Sesc, divulgada com exclusividade por CartaCapital, aponta para um perfil assustadoramente conservador do eleitorado, que se reflete sobretudo na corrida pelos cargos majoritários. A guinada conservadora de José Serra na última campanha teve seu cálculo: está comprovado que ser progressista, em termos morais, tira votos.

A pesquisa foi feita em agosto do ano passado, antes da disputa pela Presidência. Foram ouvidos 3.546 eleitores de ambos os sexos em todo o País. O lado bom da história foi descobrir que nos últimos dez anos aumentou o interesse das mulheres pela política e que passou a ser considerado importante que existam mais representantes do sexo feminino em cargos públicos – está aí a presidenta Dilma Rousseff para confirmar. Também se viu que, para o eleitor atual, praticamente não existe diferença no fato de o candidato ser homem ou mulher. E até que seja gay, desde que não defenda a união civil entre homossexuais, razão de rejeição de um candidato por 43% do eleitorado. A maioria (52%), respondeu que sim, poderia votar em um político com essa bandeira.

Eleito deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro com pouco mais de 13 mil votos, Jean Wyllys se espanta com o resultado da pesquisa: “O bicho-papão dos eleitores sou eu”. Militante dos direitos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros), defensor da descriminalização da maconha e do aborto e praticante do candomblé, mesmo tendo se tornado bastante conhecido no País ao vencer uma edição do reality show Big Brother, Wyllys só chegou ao Congresso graças ao desempenho de seu companheiro de partido, Chico Alencar, que recebeu 240 mil votos na disputa e foi o segundo mais votado no estado.

Com a senadora petista Marta Suplicy, Wyllys reúne assinaturas para compor a Frente Parlamentar pela Cidadania LGBT. O tabu é tal em torno do assunto que até agora ele só conseguiu 78 das 171 assinaturas necessárias para a criação da frente. E, mesmo assim, porque firmou o compromisso de não divulgar os nomes dos deputados, para não “contrariar as bases”. Sabe-se que tem gente do PT, do PMDB, do PSOL, do PPS, do PSDB e até do DEM, mas muitas vezes a questão religiosa supera a partidária. A petista Benedita da Silva, por exemplo, recusou-se a se unir ao grupo por ser evangélica.

No fim de janeiro, o portal de notícias G1 ouviu 414 dos 513 deputados para saber sobre sua opção religiosa. Quase 75% se disseram católicos, ou 309 parlamentares, enquanto 43 (10,4%) se declararam evangélicos, e 8 (1,93%) espíritas. Os possíveis praticantes de religiões afro-brasileiras – umbanda e candomblé – e os ateus ficaram ocultos entre os 41 parlamentares abrigados sob a nomenclatura “nenhuma religião, outras ou não respondeu”. Entre os deputados e senadores, existem pastores evangélicos e já houve ex-sacerdotes católicos. Nunca apareceu, porém, nenhum pai de santo.

“Muitos aqui devem praticar o candomblé ou a umbanda às escondidas, assim como devem ter levado companheiras para praticar o aborto às escondidas. Não têm coragem de vir a público nem para se dizerem praticantes de ritos afro-brasileiros nem para se manifestarem a favor da descriminalização do aborto. O mesmo ocorre com o eleitorado”, opina Wyllys.

Segundo o professor de Ciência Política da USP Gustavo Venturi, que coordenou a pesquisa, a discriminação das religiões de matriz africana já é velha conhecida no Brasil, principalmente pela demonização dos ritos feita por parte dos neopentecostais. O que não se sabia era como atingia o eleitor na hora de votar. “A pesquisa mostra que ainda existe um conservadorismo grande em termos de valores morais e comportamentais”, avalia Venturi. “São questões que não mudam mesmo com a inclusão no mercado de consumo das classes mais populares, porque são de maturação lenta.”

Um político, diz o pesquisador, que se apresentasse na campanha abertamente como praticante do candomblé e simpático à ideia de descriminalizar as drogas e o aborto, neste momento, jamais seria eleito para um cargo majoritário no Brasil. “Com a eleição em dois turnos, ter posições controversas deixa um candidato ainda mais longe da vitória.”

A solução estaria em promover discussões públicas. “Para chegar a uma liberalidade efetiva é necessário haver debates específicos, e fora do período eleitoral. Durante a campanha, é até melhor que esse debate nem aconteça, porque é superficial”, afirma Venturi.

E no Ibope… Nem 10% da população aceita que uma mulher aborte por vontade própria

Em novembro de 2010, A ONG Católicas pelo Direito de Decidir, favorável à descriminação do aborto, resolveu encomendar ao Ibope uma pesquisa para saber se, de fato, os brasileiros eram tão contrários à prática quanto pareciam, dado o interesse em explorar negativamente o tema na eleição presidencial. Os resultados foram ainda piores do que o esperado: apenas 9% dos 2002 entrevistados em 140 municípios do País se disseram favoráveis à realização do aborto no caso mais comum, quando o anticoncepcional falha. E só 8% quando a mulher diz não possuir condições econômicas para ter uma criança.

Os brasileiros demonstraram estar preparados para admitir o aborto somente em circunstâncias em que ele já é legal, como o risco de vida para a mãe e em casos de estupro, e na evidência de má-formação do feto, ainda sob apreciação do Supremo Tribunal Federal. “Tínhamos a expectativa de que a situação estivesse melhor, mas a posição conservadora se manteve”, diz Rosângela Talib, uma das coordenadoras da ONG. “Os setores mais conservadores colocaram a descriminação do aborto como se representasse assassinato de crianças. E, infelizmente, parece que esse discurso colou. Temos um caminho de discussão com a sociedade ainda longo pela frente.”

Os números da pesquisa indicam que o Brasil deverá demorar muito tempo até aprovar a descriminação do aborto, como aconteceu na Espanha, em Portugal e na Cidade do México. Lá, os temores de que, com a liberação, os casos de interrupção da gravidez aumentassem não se concretizaram. “O que ocorre num primeiro momento é que, como há uma demanda reprimida, o número de abortos cresce, mas logo se estabiliza”, defende Rosângela. “Ninguém em sã consciência é a favor do aborto, o ideal seria não precisar abortar. O fato é que, quando se descrimina a prática, amplia-se a conscientização e o uso de métodos contraceptivos, porque a mulher tem mais acesso à saúde pública. Este, sim, é o objetivo principal.”

Um dado positivo da pesquisa é que a maioria dos entrevistados opinou que a decisão de ter ou não um filho é exclusiva da mulher, não de uma igreja, do governo, do Judiciário ou do Congresso. Infelizmente, elas dependem dos legisladores para que essa decisão majoritariamente sua seja possível. Por ser a defesa do aborto um assunto proibitivo, do ponto de vista eleitoral, quem terá coragem de tomar a iniciativa de recolocá-lo em debate?

Cynara Menezes

Cynara Menezes é jornalista. Atuou no extinto "Jornal da Bahia", em Salvador, onde morava. Em 1989, de Brasília, atuava para diversos órgãos da imprensa. Morou dois anos na Espanha e outros dez em São Paulo, quando colaborou para a "Folha de S. Paulo", "Estadão", "Veja" e para a revista "VIP". Está de volta a Brasília há dois anos e meio, de onde escreve para a CartaCapital.

8 comentários:

Blog do Franklin disse...

Isso tem um nome:hipocresia!

Anônimo disse...

Sim. Hipocrisia.As Católicas pelo direito de decidir, é uma organização muito séria.
Abaixo, no sentido de contribuir com o debate, uma poesia:

ABORTO UM DIREITO SÓ MEU
Lia Vieira

Amei Gilberto, Miguel, Roberto
Arrebatadamente, sonhos de amor primeiro
E tive Lia,
Melanie, Alex.
Amei Paulinhos (foram dois), Jorge, Vilela
Amores confusos e tumultuados
Delírios de amor e carne.
E tive Isabela, Ágata, Mel
Fui amado Steve
(meu amor canadense),
Toni (amor manso como o que)
e tive Deidre,
Ayô e Romeu.
Pais e Filhos que nunca se conheceram.
Aborto... um direito só meu.

Abçs.Marilda Vivas

Anônimo disse...

A coisa é tão violente que nem na hora o parto a mulher tem poder de negociação. São os médico(as) é que decidem se elasvão ou não tero o bebê de parto normal.Evidentemente que a balança tende para a cesariana. Elesnão admitema ingerência da mulher nessahora. Em Valença então é um horror. É cesariana. pronto. Acabou.E a ruma de crianças quenascem com problemas excepcionais. Muito disso tem queser debito na conta do profissional de medicina.

Fala Michelle Bachellet:
"O aborto significa que não se conseguiu evitar uma gravidez indesejada, não houve educação suficiente, não se utilizou mecanismos de prevenção que sabemos que são eficientes nem houve planejamento. Portanto, o debate da saúde da mulher deve ir muito além da questão do aborto. Precisamos de planejamento e também oferecer opções. Com ou sem aborto, vemos que as taxas de mortalidade materna são altíssimas e não podemos aceitar isso. Planejamento familiar e educação sexual fazem parte dos instrumentos para evitar essas mortes."

Anônimo disse...

O que dizem as leis

No início de 2010, havia na América Latina 11 países com governos catalogados de progressistas (Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Cuba, Equador, El Salvador, Nicarágua, Paraguai, Uruguai e Venezuela), seis considerados de direita ou centro-direita (Colômbia, Costa Rica, Honduras, México, Panamá e Peru) e outros dois vistos como sendo de centro (Guatemala e República Dominicana).

Deles, em Honduras, Chile, El Salvador, Nicarágua e República Dominicana o aborto está proibido, sem exceção legal explícita nem para salvar a vida da mãe. Contudo, em Honduras, o Código de Ética Médica permite interromper a gravidez se a vida da gestante corre perigo.

Cuba é o único país onde a interrupção voluntária da gravidez é legal, desde 1965, até 12 semanas de gestação, e a isso vinculam os especialistas o fato de a taxa de abortos ser inferior a 21 para cada mil mulheres em idade reprodutiva, dez pontos abaixo da média regional.

Na Argentina, Costa Rica, Paraguai e Venezuela o aborto é permitido apenas para salvar a vida da mãe. Na Argentina também é facultativo quando a mulher é “idiota ou demente”, e na Venezuela há causas eximentes, como proteger “a honra” da mulher e “a honra” do homem.

No Brasil, Equador, Uruguai, Bolívia e Guatemala é permitido em casos de violação ou incesto, sendo que no caso uruguaio a angústia econômica também pode ser causa para o aborto. Na Colômbia, no México – onde não há legislação específica nacional –, e no Panamá soma-se às duas causas anteriores a referente à má formação do feto para permitir o aborto.
Estrella Gutiérrez escreveu este artigo numa parceria entre as agência IPS e Envolverde.

Anônimo disse...

Fiz aborto um dia, e tenho a sensação de que devo algo à vida.

Anônimo disse...

Não serei eu a dizer que sim ou que não. Não penso que exista alguém que possa dizer. Contudo penso que se motivos houve, e sempre há, foi por conta de uma situação inusitada onde a gravidez não seria acolhida, como se espera que deva ser. Hoje, se você olha para trás, é possivel que diga - fiz bobagem. Então,que olhe sempre olhe com o olhar de ontem. Com olhardo tempo histórico emque isso se deu. Não há quem defeda o aborto pelo aborto. Pelo menos não deve ser assim. Não pode, como diz a reportagem postada no blog, a mulher ficar à mercê da religião, daqueles que praticama medicina,da moral podre que carcome os ossos. Como podemos admitir que o Congresso Nacional decida por isso? Podres até aalma, muitos ali já devem ter debitado em suas contas um ou mais aborto praticados "a favor do seu bom nome". Não dá. Essa discussão passa pela mulher. Há um livro interessantíssimo que todas nos deveríamos ler. Quer dizer, existe mais de um. O Segundo Sexo, de Simone Beauvoir, que nos leva à raiz de nossa opressão, e O Mito do Amor Materno, de Elisabth Badinter. Esse último pode ser baixado da internet. O primeiro não sei. Como primeiras leituras, já é um bom começo. Sao gerações e gerações criada sob o peso de mitos pré-concebidos. Ler, estudar para se emponderar. Minha trajetória foi marcada por alguma leitura mas, sobretudo por muitas "revoltas" produzidas por coisas que eu não entendia ser "normal" como, por exemplo, beijar anel de Bispo / padre, cada vez que um desses aparecia no Benjamin Guimarães para uma visita pastoral. Ou que pilotar aviões fosse coisa de homem e fogão coisa de mulher. Há tanto o que se discutir... Mas não será as igrejas a decidir nem os congressistas - aborto é um direito da mulher, como diz a Poeta ai em cima. Marilda.

Anônimo disse...

De todas as opiniões que podem e devem ser emitidas a respeito do assunto, a que mais respeito é do anônimo (a) acima, pois sem dúvida o maior respaldo para se emitir opinião sobre qualquer assunto é a experiência prática.

Anônimo disse...

De fato, é correto isso. As vivências de cada um são insuperáveis na emissão de uma determinada opinião. Ler, estudar, conversar, refletir, remeter-se ao passado,.... Às vezes a prática não é tudo. Mas é um bom começo. E ela está revestida de muitos ares.