segunda-feira, 25 de junho de 2012

A desonestidade dos políticos

Autor: Renato Janine Ribeiro  Retirado do jornal "Valor econômico"

Tony Blair é alvo de três romances contra marqueteiros
No Brasil, quando falamos em desonestidade dos políticos, entendemos que eles são corruptos e roubam dinheiro público. No Reino Unido, entende-se que eles - ou ele, um modelo em especial, Tony Blair - mentem à sociedade. No Brasil, o descontentamento se expressa em postagens mal escritas e em artigos repetitivos nos jornais. Na Inglaterra, o protesto resultou em literatura - e da boa. Conheço três livros a respeito, dos quais dois foram transpostos para o cinema. São "O Fantasma", de Robert Harris, publicado em 2007 e depois filmado por Polanski (como "O Escritor Fantasma"), e "A Pesca do Salmão no Iêmen" (2006), de Paul Torday, que virou o filme que acaba de estrear em nosso país, com o impossível nome de "Amor impossível", dirigido por Lasse Hallström.
Falta ir para o cinema o melhor desses bons livros, "The Uncommon Reader", de Alan Bennett (2007). O autor imagina que a rainha Elizabeth começa a ler e isso muda sua vida, tornando-a mais crítica dos fatos e ao mesmo tempo, talvez, uma pessoa melhor. O título é um jogo de palavras. Na Inglaterra, "common" é o plebeu. Por isso, a Câmara dos Comuns é eleita pelos plebeus, os não nobres, a maioria esmagadora da sociedade. A rainha é a mais "uncommon" das pessoas, porque está no auge da nobreza - mas a rainha leitora também se torna uma pessoa incomum, porque começa a pensar por si mesma. Daí que, no final do livro, ela observe que seu décimo primeiro-ministro, o governante marqueteiro, tem auxiliares ignorantes e que se orgulham disso. Nenhum deles tem cultura. Todos somente se preocupam em marketing.

Esse é o ponto comum das críticas a um primeiro-ministro que aparece nos três livros com outros nomes ou mesmo sem nome, mas porta os traços de Tony Blair. Ele não dá importância à verdade dos fatos, mas à sua aparência. Tudo vale, se puder ser aproveitado politicamente. De certa forma, isso já aparecia num bom filme que exalta Blair, que é "A rainha" (2006). Elizabeth II era apresentada no seu pior momento, quando ela e o marido não compreenderam o amor popular pela princesa Diana e, em vez de se associarem à enorme dor popular, esconderam os príncipes recém-órfãos. Blair, chamando Diana de "princesa do povo", soube capitalizar o sentimento popular. Mas em "A rainha", Stephen Frears mostra Blair como o líder que usa sua habilidade política para, na última cena, canalizar o apoio do povo - e da monarca - para a mais que necessária reforma na educação.

Numa chave mais leve, "Simplesmente Amor" (2003) apresenta um premier, representado por Hugh Grant, que se apaixona pela empregada do palácio e, por esse amor, também enfrenta o presidente dos Estados Unidos, que quer possuir a moça e, metaforicamente, o Reino Unido. É um filme agradável, uma comédia romântica. Mas ainda é um filme da lua de mel com Blair - a quem sugere que, afastando-se da liderança norte-americana, ele seria uma pessoa decente.

Esse Blair - que também conseguiu o acordo de paz na Irlanda do Norte, um feito mais que elogiável - desapareceu. Em "O Fantasma", ele se esconde nos Estados Unidos, para fugir ao ódio de seu povo e talvez também à justiça de seu país. É até suspeito de ser agente norte-americano, traidor portanto de sua pátria. Em "Uncommon reader", ele oscila entre a falta completa de cultura e a manipulação mais desbragada das pessoas. Em "Amor impossível", só está interessado em imagens que rendam dividendos políticos. A história é a mais cômica das três: um rico xeique iemenita se dispõe a pagar a fortuna que for necessária para criar e pescar salmões no Iêmen - um país que não tem a água nem a temperatura adequadas para criar esses peixes típicos de lugares frios. O governo britânico, desejoso de mostrar uma cooperação bem sucedida com um país árabe, seja qual for, obriga um cientista a entrar nesse projeto absurdo. E a assessora de imprensa do premier não recua diante de nenhum expediente para conseguir notícias favoráveis à imagem do governo.

Agora, a questão que cabe é: por que os britânicos convertem seu descontentamento com um governo que acabou mal em boa literatura, e nós não? Nos Estados Unidos o ótimo Philip Roth faz algo parecido, com a crônica, bem em filigrana, dos anos neoconservadores em seu país. Isso aparece no fundo de seus livros, como quando ele menciona o processo movido contra Clinton devido a seu romance com uma estagiária. Mas ignoro uma produção literária ou mesmo artística em outros países que se compare ao modo como os britânicos transformam os anos de seu descontentamento em literatura.

Como ficamos nós? Do período de FHC, restaram as tiras poéticas de Luís Fernando Veríssimo, "As cobras", dizendo que o então presidente estava se descuidando do "social" (que despencava da árvore, caía num rio etc.). Da gestão Lula, nada. Um escritor notável, que é João Ubaldo Ribeiro, não perdeu ocasião de atacá-lo em sua coluna nos jornais, mas suas crônicas não se alçam ao nível de seus romances, não indo além do plano de algum comentador habitual. Por que não temos uma literatura que trate, com qualidade, da nossa política? Sei que não é fácil. Parece que nos acostumamos mais ao discurso semi-difamador, em vez de nos dispormos a um texto criativo. Curiosamente, os romances britânicos que mencionei são muito críticos. Condenam Blair sem piedade, mesmo que nunca mencionem seu nome. São ferozes com o marketing político que, aliás, hoje é uma prática quase unânime no mundo. Só que eles criticam bem. São sofisticados. Dá prazer lê-los. Ficarão, creio eu, nas estantes dos livros que vale a pena ter, mesmo daqui a décadas.

6 comentários:

Anônimo disse...

Longe de qualquer coisa, uma outra sugestão seria a obra de Carlos Heitor Cony e Angeli,intitulada: O Presidente que sabia javanês (FHC,naturalmente). Javanês comosesabe virou mote de quem pensa que sabe e nada sabe -tem sua origem em um conto de Lima Barreto (escrito na virada de 1900,intitulado: O Homem que sabia javanês". Aliás,LimaBarreto é leitura obrigatória nesses tempos de politicagem. Fica ai a contribuição. Marilda.
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Eis o que diz a crítica:

"eúne crônicas de Carlos Heitor Cony e charges de Angeli publicadas na Folha de S.Paulo entre 1994 e 2000, enfocando o governo de Fernando Henrique Cardoso. É um retrato lúcido e cáustico desse período de rápidas mudanças em que o país caiu em definitivo nas malhas da globalização e, segundo Cony, regrediu ao estágio de colônia.

Sem se prender a nenhum compromisso com pessoas ou grupos, Cony e Angeli partem do momento em que FHC é nomeado ministro da Fazenda pelo então presidente Itamar Franco, passando pelo lançamento do Plano Real e pela sua primeira eleição, tropeçando na reeleição e chegando até o mal-resolvido caso Eduardo Jorge. Graças à destreza da captura dos fatos pelos autores, o leitor tem um retrato em cores vivas e ácidas do que foi a Era FHC.

Cony disseca a personalidade política do ex-presidente, que sempre dizia e pregava o óbvio. Segundo Cony, FHC lembra aquele homem que sabia javanês do conto de Lima Barreto - daí a razão do título do livro. A história é a seguinte: precisavam de alguém que soubesse javanês; o cidadão apresentou-se e foi aceito. Como ninguém sabia javanês (inclusive ele), o tal cidadão ganhou fama e espaço na mídia. A única diferença entre Fernando Henrique Cardoso e o personagem do conto é que o homem que sabia javanês sabia que não sabia javanês. Já FHC acredita que sabe.

Angeli, por sua vez, é incisivo e vai direto ao ponto em suas charges, sem qualquer subterfúgios. Seu trabalho é duro, irônico e corrosivo. Desnuda o poder e aqueles que o detém. Angeli mostra com sagacidade que, para muitos, a política é mero instrumento para manter-se no poder.

Os trabalhos extremamente críticos dos dois autores foram concebidos separadamente, mas com pressupostos bastante semelhantes. Em conjunto, estampam diariamente a página 2 da Folha de S. Paulo, onde escancaram a realidade como é de fato, sem amenidades ou delicadezas. O melhor dos dois é o que pode ser encontrado nesse O presidente que sabia javanês. ""

Anônimo disse...

Paa completar é mesmo curioso termos esse tipo de lacuna em nossa literatura. Nunca havia parado para perceber isso. Os Jornais não sãoassim tãoescancarados.Pequenas crônicas são plantadas em suas páginas. Mas nada a fazer grande estrago - ou a despertar grandes reflexões. Marilda.

Anônimo disse...

Um último comentário- entendi que os alvos são os marqueteiros. Desses,de fato,nenhum livro publicado.

Anônimo disse...

temos alguns livros, pouco divulgados, é verdade, sobre corrupção e politicagens. um deles teve resenha numa edição do vq, o privataria tucana. tem outros, honoráveis bandidos, sobre josé sarney, morcegos negros, sobre o período collor/pc farias, memória das trevas, biografia não autorizada de ACM. todos eles têm em comum a quase censura imposta pelos "personagens".

Anônimo disse...

De fato. Desses li um ou outro. Interessante não encontrá-los nas Bibliotecas da cidade(na Municipal, nas escolares, nas de bairros, onde esse luxo existe). Alguma coisa diferente ia começar a nascer. Marilda.

Anônimo disse...

A dica já foi cantada: nessas eleições as verdinhas vão cair diretamente da Palmeira. Olho na Palmeira. Nada vira da Graça.