Crítica do álbum da banda The Black Bullets, que será lançado no próximo sábado, dia 07/07, em Valença
Por Francis Newton*
Pode
parecer estranho uma banda com nome em inglês radicada em uma das localidades
mais pobres e conservadoras do interior do estado do Rio de Janeiro, Brasil,
lançar um CD de rock clássico com letras em português, em plena era do
sertanejo universitário e do funk. A estranheza se dissipa, contudo, quando se
conhece um pouco da história da banda em questão, a valenciana The Black
Bullets, objeto de veneração por parte dos fãs da velha e da jovem guarda do
rock na cidade.
O vocalista João Jr. e os guitarristas Rômulo Alvernaz e Felipe Martins
constituem, desde 2007, o núcleo fixo da banda e assinam a autoria de todas as
composições do CD. João é um cantor dos mais versáteis, capaz de variar das
baladas mais suaves às mais agudas distorções vocais ao estilo de Robert Plant
nos seus áureos tempos. É também um letrista sagaz e poético. Rômulo – ou
Rominho, como os amigos o tratam – carrega a alma mais profunda do blues,
herdada de algum lugar do delta do Mississipi, assim como seu ídolo-mor Stevie
Ray Vaughan. E Felipe, além de transpirar feeling e técnica no seu instrumento,
é o cérebro organizador da banda, o homem dos planos e das ideias. A cozinha,
por onde já passaram Diego Costa e Cristiano Ferreira (bateristas), Alexandre
Feitosa, Leonardo Oliveira, Renato Nunes e Fred Ielpo (baixistas), atualmente
conta com o peso do baixo de Daniel Iunes – embora em cinco músicas do album as
linhas tenham sido gravadas por Fred – e o talento precoce de Leonardo Nogueira
nas baquetas.
O CD agora lançado coroa uma trajetória pontuada por shows eletrizantes,
participações vitoriosas em festivais e a realização de três memoráveis
tributos ao Pink Floyd. A soma de talento, determinação, profissionalismo e
esforço coletivo resultou em um trabalho muito bem cuidado, tanto grafica
quanto musicalmente, que revela as influências assumidas da banda – os ícones
do rock dos anos 70 e fins dos 60 -, mas transborda criatividade nas
composições e consegue captar a energia transmitida nas suas apresentações ao
vivo. A embalagem minimalista, com o preto dominante preenchido pelo nome da
banda (na capa) e pelas letras das canções (no encarte), o visual do disco,
simulando um vinil, e o da caixa, com uma vitrola ao fundo, reforçam a
identidade vintage ouvida nas oito faixas em que se dividem os quarenta minutos
do CD.
A música de abertura, “O ouro e a prata”, recentemente vencedora do festival
ocorrido na cidade vizinha de Rio das Flores, é um hard rock que contesta o
consumismo materialista da sociedade pós-moderna. “Vai deixar sua história
escrita nas pegadas que outros irão ler e nada, nada daqui vai levar”, canta o
refrão acompanhado de um infectante riff fraseado de guitarra. O british blues
“How Long”, já conhecido dos shows, tem uma letra interrogativa sobre a
impotência humana diante da imprevisibilidade do tempo. “Inviolável”, é um
country-rock acelerado, com pegada punk, que ataca os processos de alienação
ideológica. Num dado momento, o ritmo é alterado para algo semelhante a uma
marcha militar, enquanto o vocalista discursa em tom messiânico, como se
gritasse ao megafone, que a “cabeça é asilo inviolável do indivíduo, ninguém
nela podendo penetrar sem consentimento do proprietário, salvo em casos de
flagrante de idéias férteis, ou alívio, ou para prestar esclarecimentos, ou
durante a noite por determinação cerebral”.
“Essa é uma canção pra falar das coisas que nos fazem bem e do bem que fazemos
de volta” é a frase que introduz “Fortaleza”, antes apresentada em um festival
local com uma abordagem voz e violão, interpretada por Cíbila Farani. É uma
daquelas canções de elevação do espírito, típicas da contracultura idealista
sixtie, que o novo aproach da TBB transformou em uma irresistível balada de
folk-rock. “Sem Piedade” é outra balada entremeada por passagens mais pesadas,
que nos alerta sobre a necessidade de se enfrentar sem medo os percalços e as
dores da vida.
O idioma hard rock retorna com “Pedras e Rancores”, ganhadora do prêmio popular
no “Festival Canta Rio Sul”. Um riff elegante anuncia a melodia da voz a
declamar uma letra crítica da intolerância e da cegueira mental que grassam em
nossos dias e aconselha a que “deixe as pedras no chão, que estão em suas mãos
e assim retorne a nova estrada, pois é mais fácil andar desatado das correntes
que agora arrastam toneladas alojadas em sua cabeça”. Um clima progressivo
floydiano, com pitadas de Deep Purple, emergem em “O espectro espectador em sua
atemporal reflexão #1”, uma viagem instrumental de mais de sete minutos,
conduzida pelas mãos competentes do tecladista Cláudio Morgado, em participação
especial. E o fechamento puxa o ouvinte de volta à terra e o acalma com a
suavidade folk de “Última fé”, só com violões e voz.
Enfim, se o leitor desta resenha pensa que o bom e velho rock’n’roll está morto
ou que o seu futuro é o de ser completamente absorvido pelas modernidades
eletrônicas que pulverizam a fronteira entre arte e tecnologia, o disco não lhe
soará bem. Mas, para quem ainda acredita ser possível fazer um rock de
guitarras-baixo-bateria como nos velhos tempos, com melodias bem construídas,
riffs e solos matadores e letras inteligentes, o primeiro CD da The Black
Bullets é um bálsamo para os ouvidos.
Francis é crítico musical do jornal inglês New Musical Express
Um comentário:
TBB é a melhor banda, ao meu ver, crítica e harmônica.
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