Keynes nasceu quando Marx morreu, em 1883, e por conta disso, nem se conheceram. O professor Jean-Marie Harribey publicou, no jornal Lebératíon, em 24 de outubro deste ano, uma troca ficcional de correspondência entre os dois pensadores. Abaixo a carta de Keynes para Marx. Amanhã, colocamos a carta-resposta de Marx.
Meu Caro Marx,
Neste dia do 79º aniversário da quinta-feira negra de 1929, devo reconhecer que você me superou. Para dizer a verdade, eu não acredito numa nova crise. Eu tinha descortinado tão metodicamente a incapacidade do mercado de produzir o equilíbrio do pleno emprego que conduzi todos os governos a mais sabedoria: ninguém teria se deixado infectar por uma crise sem reagir. Eu estava com minha consciência tranqüila e não estava preocupado se você tinha ou não esquecido a Estátua do Comandante buscando arrastar o capitalismo no fogo do inferno.
Contudo, os seres animosos que eu descrevi na minha teoria geral retomaram o poder; banqueiros e rentistas, esses mesmos a quem prometi a eutanásia, se refestelaram durante anos. E, quando chegou o inverno, como diria o fabulista francês, eles estavam gravemente desprovidos e se deram conta de que não poderiam reencontrar sua liquidez simultaneamente. E aqueles que ainda a detinham preferiram-na a endossar títulos desvalorizados, verdadeiros lixos tóxicos.
Desde o tempo de minha juventude o setor automobilístico começou a inundar o mercado americano de automóveis reluzentes mas, não tendo a demanda lhes seguido o passo, a depressão não tardou quando um endividamento colossal fez a bolha financeira explodir. Desde 2001 os norte-americanos recorrem a um endividamento também perigoso. Preste atenção: tomando a si como um guru infalível e assim reputado por uma boa parte dos que pretendiam reclamar de mim, o Senhor Alan Greenspan verteu crédito sem contabilizar, esquecendo que a criação monetária deve antecipar a produção real. E seu sucessor, considerado o melhor conhecedor da crise de 1929, Senhor Bern Bernanke continuou a fazer-lhe as honras. Nesse período, os salários perderam seu valor. Com a abolição das fronteiras e a integração financeira, a crise só podia mesmo ganhar o mundo inteiro.
Meu querido Marx, com muito atraso reconheço o ceticismo de minha perspectiva, agravado pelo gosto pelas classes cultivadas, aos seus olhos. Ah! Se você tivesse conhecido as delícias de nossas trocas, de todas as ordens, no Bloomsbury Group, no seio do qual brilhava Virginia Woolf, tenho certeza que esqueceria da furunculose deles. Mas, longe de mim a idéia de entreter-lhe com essas mundaneidades que foram, é verdade, a essência de minha vida depois que entendi as futilidades da Bolsa. Eu tenho é de lhe perguntar, meu caro Marx. Eu concedo que você tinha razão: o capitalismo parece irreparável. Mas, como você vê uma saída definitiva dos excessos desse sistema, tendo em vista a calamitosa experiência soviética? Pois, você há de concordar, eu espero, que seus epígonos não conseguiram segui-lo.
Meu querido Marx, o destino nos separou; sem dúvida Londres estava longe demais de Cambridge, a menos que seus furúnculos e meu gosto pela literatura nos tivessem posto a cada um próximos da fronteira, como você diz, de classe, não é? Isso não importa. Nós somos os únicos a saber o essencial, e isso deveria nos aproximar sobre o próximo período. Permita-me acrescentar a esta carta minhas perspectivas econômicas para os meus netos, que deverão agradar-se de você.
À sua leitura, querido Marx,
seu John Maynard Keynes
Retirado do site da Carta Maior aqui
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