domingo, 2 de maio de 2010

Entrevista com Gustavo Gindre

Entrevista publicada na edição número 25 do VQ impresso, com Gustavo Gindre.





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Por Marianna Araújo e Vitor Castro



Envolvido em movimento estudantil enquanto estudante de jornalismo na Universidade Federal Fluminense, Gustavo Gindre, na criação da Enecos (Executiva dos Estudantes de Comunicação), se colocou o que faria da vida. Surgiu então a idéia do Indecs (Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura), uma ONG no Rio de Janeiro. Essa mesma inquietação de alguns jovens fez surgir o Intervozes, com o mesmo perfil do Indecs, mas de abrangência nacional. Gindre participa das duas iniciativas e ainda é membro do Comitê Gestor da Internet até o final de 2007, quando termina o mandato. Durante a conversa, Ele falou sobre a TV digital, seus impactos (positivos e negativos) e do direito à comunicação.


Três grandes impactos da TV Digital – ciência e tecnologia, possibilidade de criação de novas emissoras e interatividade
A TV digital tem três grandes impactos no Brasil nos próximos anos. Um, que talvez diga menos respeito a nós é na área de ciência e tecnologia. A TV digital tem embarcado dentro dela duas tecnologias que são transversais a quase tudo que formos pensar hoje que nos cerca: microeletrônica e software. É quase impossível você olhar ao seu redor, do sinal de trânsito ao carro popular, da televisão ao telefone celular. Tudo tem software e tem chip. Curioso que o Brasil não produz quase nada de nenhum dos dois, a gente importa a maior parte. A gente gera emprego qualificado em Tóquio, em Berlim, com nosso dinheiro, que acaba não ficando aqui. Então se o Brasil conseguisse pegar uma carona no desenvolvimento da TV digital e desenvolvesse a indústria de microeletrônica e de software, teríamos uma chance de impactar o resto da economia. Se você tem empresas produzindo software no Brasil para a TV digital, essas mesmas empresas vão poder produzir para a Aeronáutica, para o setor petrolífero, automobilístico. Infelizmente, o caminho adotado pelo governo brasileiro foi o de fazer um acordo internacional com o Japão – e o problema não é nem com o acordo com o Japão em si, já que não conseguiríamos desenvolver todas as tecnologias aqui, mas a forma como esse acordo foi feito. Você terá pouquíssima tecnologia brasileira. Até agora, tudo indica que a única parte da tecnologia brasileira que vai rodar nessa TV Digital é o middle, que é o principal software que fica na caixinha.


Num primeiro momento não vamos comprar uma TV digital, mas uma caixinha que vamos acoplar à nossa televisão analógica. Isso porque as TVs digitais vão ser muito caras ainda durante alguns anos. Nessa caixinha vai ter um software principal que é o middle, que faz a interface entre a parte física da caixinha e todos os outros softwares que vão ter ali. Agora todo o resto vai ser importado do Japão, e no acordo não há a previsão de nenhuma transferência de tecnologia, que é comum nesses acordos internacionais. O ideal seria, ao longo do processo, o Brasil desenvolver os softwares. Esse parece um bonde que nós perdemos na TV digital.


Possibilidade de criação de novas emissoras
A segunda possibilidade que a TV digital abre é a possível criação de novas emissoras. Uma das formas de melhorar essa gestão do espectro era adotar o operador de rede. Vamos supor: a CNT não tem programação para ocupar esse espaço todo. Ela não vai transmitir em alta definição, por falta de estrutura, não tem estúdio, não tem ilha de definição. Aí podemos dizer que então ela pode aproveitar o espaço para fazer cinco canais simultâneos com definição standard. Mas como se ela não consegue fazer nem um? As TVs não têm estrutura, nem pessoal para fazer multi programação. Se a própria Globo já disse que não vai fazer mais de um programa simultâneo, que ela vai ocupar a grade com um programa só e é a maior produtora de audiovisual do Brasil, ela está dando a dica. A gente corre o risco de ter uma TV ocupando uma pequena parte no espaço dela e o resto não ser usado para nada. O operador de rede permitiria fragmentar isto que sobra para produzir um maior número de programações. Mas isso já não vai acontecer.
Uma outra possibilidade é você utilizar os canais que sobram. O problema é o seguinte, a gente vai ter um período de transição, chamado tecnicamente de simulteste, simultaneamente a mesma emissora vai transmitir em analógico e digital. Supõe-se aí um período de 10 anos, para a pessoa poder adquirir seu equipamento. Durante 10 anos a gente vai ter um período que as TVs vão ocupar um espaço maior do que elas ocupam hoje. Suponhamos que a Globo digital fique no canal 34. Então, poderemos assistir Globo digital no 34 e analógico no 4. Então você vai dobrar o número de canais que as emissoras ocupam.


Então vários canais não poderão ser ocupados nesse período de transição, porque eles serão usados para evitar transferência analógico-analógico e analógico-digital. Daqui a 10 anos teremos uma quantidade grande de canais para serem ocupados. Os que as TVs vão devolver, esperando que elas vão devolver, claro.


Interatividade
A terceira grande inovação que a TV digital introduz é interatividade. Esta interatividade poderá ocorrer de três formas. A mais trivial, que já acontece por exemplo na TV digital, para quem tem Sky, Net Digital, uma interatividade que você tem a sensação de que está interagindo, mas o conteúdo está todo ali na sua caixinha, é sem canal de retorno.


A outra possibilidade que é mais difícil de acontecer, é a interatividade que não é permanente. Significa o seguinte: a TV manda um conteúdo pra mim e eu tenho que retornar esse conteúdo, só que como não há um canal permanente pra isso, eu tenho que usar outros meios. Por exemplo você manda pela televisão e eu respondo por sms, celular, por telefone. Algum meio de retornar. Repara que a televisão permanece no mesmo posto e o canal de retorno é um outro meio. Em certo sentido Big Brother e outros programas já fazem isso. Só que não é tão automático, eu não ligo e o cara imediatamente me dá uma resposta. O grande barato que a TV digital permite é você ligar sua TV num canal de retorno, você ligar sua TV em algum serviço banda larga, que te permita aí sim ter interação imediata e constante. Na verdade, nesse caso nem usamos mais o termo canal de retorno, é canal de interatividade. Porque você tanto pode mandar quanto receber. Aí sim a TV começa a se aproximar claramente da internet. Isso pode vir a ser uma importante ferramenta para o ensino à distância. Não como é feito hoje, num telecurso do segundo grau, onde você tem um conteúdo que vai pra todo mundo da mesma forma, você teria um conteúdo segmentado. Até no limite, você mudar da Globo e botar no Youtube, por exemplo. Aí sim teríamos um ambiente efetivamente interativo.


Não preciso dizer que os radiodifusores querem ver o diabo e não querem ver esse negócio, né? No conselho constitutivo da TV Digital quando se falava em TV interativa com canal de retorno, eles falavam que isso era ficção científica, que nunca vai acontecer. Isso enfraquece o poder deles. Por exemplo, CUT, MST, Cufa, e qualquer outra instituição pode criar uma TV na internet e as pessoas teriam acesso em casa.
Essa é uma possibilidade. No entanto, para que ela se realize você precisa de um canal de retorno, portanto você precisa de um serviço de banda larga acessível a todo cidadão brasileiro. Aí você pode pensar que isso é impossível. Afinal, hoje, quanto custa uma banda larga? Está fora da realidade do povo brasileiro. Isso é possível, casando três coisas e isso é a discussão que está nos bastidores e não aparece. Primeiro você precisa de uma estrutura básica de transmissão de dados robusta. Imagina cada usuário brasileiro querendo interagir com sua televisão. Acontece que o governo hoje tem mais de 40 mil Km de fibra ótica que percorrem o Brasil, capazes de transmitir alguns Gigabytes por segundo, que está parado.


Se você considerar que todo mundo paga todo mês um negócio chamado fundo de universalização dos serviços de telecomunicações, nas suas contas de telefone (1% da conta de telefone de todo mundo vai pra um fundo que foi criado para universalizar telefone. Só que isso perdeu o sentido. Hoje, o ideal é que ele seja usado para universalizar a banda larga. Esse fundo arrecada por ano, entre 600 e 700 milhões de reais. E nunca foi usado. Ele tem hoje, ou deveria ter, 6 bilhões de reais. Vamos supor que não há como recuperar o dinheiro arrecado, supondo que já foi gasto com outras coisas. Mas, todo ano arrecada 600 milhões, é mais dinheiro do que o necessário para colocar banda larga na casa de todo brasileiro). Então repara, a gente tem infra-estrutura, central, tem tecnologia para ligar a casa das pessoas à essa estrutura, e tem dinheiro para fazer isso. O que falta é vontade política. E aí teríamos um processo de inclusão digital radical e a partir da televisão. Pedindo para as pessoas comprarem apenas uma caixinha. Muito mais barato do que um computador. São essas três coisas que a televisão digital introduz de novidade: desenvolvimento científico-tecnológico, a possibilidade de aumentar o número de canais e a questão da interatividade.


O direito à comunicação
A idéia do direito à comunicação é a idéia de que existem determinados elementos que nos constituem como humanos, dos quais se formos despossuídos, somos despossuídos de nossa própria humanidade. Você privar, por exemplo, um ser humano do direito à habitação, por mais precária que ela seja, em parte você está despossuindo o ser humano daquilo que ele tem como constituidor de sua própria humanidade.


Pensando assim, não tem nada, talvez, que nos diferencie mais dos outros animais do que a possibilidade de se comunicar. E foi isso que nos tirou das cavernas, a possibilidade de atuar em conjunto, fazer comunidade, traçar ações conjuntas e fazer com que essa ação se prolongue no tempo para além da nossa própria vida através da transmissão do conhecimento. Isso só acontece através da comunicação. Se você destituir o ser humano disso, dessa capacidade de trocar e acumular conhecimento, se você trata o conhecimento como mercadoria e você portanto exclui uma parte da população de ter acesso ao conhecimento, você está excluindo da capacidade de exercer sua própria humanidade. Por isso a gente diz que o direito à comunicação é um direito inalienável. Deve ser um direito colocado na categoria dos direitos pétreos. Só que numa sociedade de massa, de milhões de pessoas, esse direito não é só interpessoal. Estamos falando de um mundo que passou por revoluções tecnológicas profundas. Então, como é que você faz para garantir o direito para que todo ser humano tenha a possibilidade de se comunicar com todos seres humanos? Garantindo que ele terá acesso aos meios de comunicação de massa, que hoje são meios interativos, digitais e tudo.


Mas o acesso aos meios de comunicação de massa continua vedado no sistema americano. Então você não está exercendo seu direito humano na potência com que pode ser exercido. O direito humano à comunicação também se diferencia do direito à informação, porque informação é o direito de ser informado, um direito passivo, de receber conteúdo. O direito à comunicação é um processo dialógico, de troca, um processo interativo que é um processo pedagógico por excelência. Então eu diria que o direito à informação é um dos elementos que constituem o direito à comunicação. Mas o direito à comunicação é mais amplo e compreende no seu interior a informação.


Importância da comunicação
Por um lado, pela luta do direito humano à comunicação, está claro que ela só vai ter alguma chance de avançar se deixar de ser uma luta exclusivamente de quem faz comunicação. É a mesma coisa que se pensar a educação, a saúde. A sociedade brasileira tem claro que a luta por uma saúde melhor não é uma luta de médico, mas uma luta do conjunto da sociedade. Para a comunicação isso ainda não existe. Enquanto não formos capazes de construir isso, nossa pauta não avança, porque ela não ganha o apoio dos grandes movimentos sociais.


Por outro lado está claro que você não vai conseguir avançar na agenda da saúde, da educação, da reforma agrária, a questão da segurança, se você não for capaz de fazer esse debate publicamente. E hoje o debate público é interditado. Você pega pro exemplo a agenda dos grandes veículos de comunicação, você vai ver que só fala um lado. Têm setores que são absolutamente excluídos. A economia talvez seja o mais evidente disso. Você pega os diversos jornais e parece que é o mesmo cara que fala em todos.


Enquanto você não conseguir ter outra visão de mundo que consiga ser confrontada, ir para o debate, a gente não avança com nenhuma grande pauta nacional. E os movimentos sociais não têm isso muito claro. No fundo eles ainda estão brigando para aparecer na Globo. O grande momento de um movimento no Brasil hoje é conseguir uma pauta no Jornal Nacional, e não tem muito claro que deveriam estar lutando por uma outra comunicação.


Quem pauta quem? A mídia pauta a sociedade, ou a sociedade pauta a mídia?
Com certeza a mídia tem um papel enorme na definição de uma agenda social, isso não dá para negar. Ela traça o enfoque com que determinados assuntos vão ser abordados no cotidiano. Na questão da violência isso é claro. Lembro de um estudo que analisava o primeiro governo Brizola e o governo Moreira Franco, e mostrava que os índices de violência eram mais ou menos os mesmos, mas que a percepção das pessoas era muito maior no governo Brizola. Isso porque a Globo deu um destaque muito maior à violência no governo Brizola do que dava no governo Moreira Franco, porque como a Globo era oposição ao governo Brizola e ela tinha ajudado a eleger o Moreira Franco, ela começou a tingir menos as cores da violência. A violência continuava a mesma, mas a percepção das pessoas era diferente. Uma coisa é estar todos os dias nos jornais “morreu não sei quem, morreu outro”. Outra coisa é isso ir parar no fundo da página, a percepção não é a mesma.


Mas faço duas ponderações em relação a isso. Primeiro que esse poder não é absoluto. Se fosse estávamos roubados. Sempre há a capacidade de mediar com isso, baseado em outros fluxos que esse cidadão recebe. Família, educação, a inserção dele em outros vínculos sociais, se ele tem militância política, se ele pertence a algum grupo social específico. Assim ele desenvolve “anticorpos” a esse discurso da mídia, que pode ser maior ou menor dependendo do assunto, da vinculação social e inclusive em alguns momentos isso escapa ao controle da mídia. Ficou evidente, por exemplo, que a Globo, se ela não massacrou o Lula, ela claramente fez campanha contra ele nas últimas eleições. E o Lula ganhou. Acho que a própria sociedade começa a olhar para a mídia de uma forma diferente. A televisão já começa, para uma camada da população, de deixar de ser a única fonte de informação, a internet já cumpre um papel, mesmo quem não tem computador vai em Lan House.


Uma outra ponderação que eu faço é que a mídia tem dois poderes. Um é o de influenciar o debate. E outro que talvez seja até mais importante e que em grande medida é negligenciado. É menos dizer o que as pessoas vão dizer sobre determinado assunto, e mais influenciar que assuntos serão discutidos. Por exemplo, se a Globo faz uma matéria sobre violência, mesmo que ela paute massacrando, de que devemos ter reações do tipo prender o cara com 10 anos de idade ou a pena de morte, no dia seguinte, no botequim, na fila do banco, nem todo mundo vai estar concordando com a Globo. Mas com certeza esse assunto será discutido na fila do banco. Ou seja, a Globo conseguiu pautar o debate.

Um comentário:

Anônimo disse...

Meu amigo gostaria que você colocasse
este post moro em Tefé Amazonas,passamos pela mesma situação que Valença mais o Ministro Marcelo Ribeiro cassou o prefeito itinerante daqui no RESP 35888 ele negou seguimento ao recurso do prefeito itnerante dia 27/04/2010,so estou um pouco apreensivo devido na ultima terca feira no julgamento do agravo de valença no TSE o Ministro Marco Aurélio Melo quere muda novamente a jurisprudência sendo que o tribunal cassou o prefeito de porto das pedras numa eleição de 2008, e porque vai querer mudar no caso de Valença se e mesmo caso em Tela e principio da isonomia fia onde.
abram o olho ai...obrigado