quinta-feira, 3 de maio de 2012

Caminhada evolutiva

Autora: Paloma Oliveto

Estudo com chimpanzés reforça teoria de que busca por alimentos levou ancestrais do homem a adotarem bipedalismo, adaptação crucial para diferenciar ser humano dos demais primatas.

Do ponto de vista evolutivo, a principal característica que distingue o ser humano de um chimpanzé ou de um orangotango não é a fala, a cultura nem a inteligência. É o simples fato de andar sobre duas pernas. Foi quando desceu da árvore para buscar comida no solo que o hominídeo começou a desenvolver a estrutura bípede, permitindo a ele explorar os recursos da terra, fabricar ferramentas, comer melhor e, com a dieta enriquecida, aumentar o tamanho do cérebro. Embora amplamente aceita, a teoria jamais foi testada. Agora, um grupo internacional de pesquisadores acabou de reproduzir as condições vivenciadas pelos australopitecos, conseguindo comprovar a ideia.

Em um estudo publicado no periódico Current Biology, os cientistas descrevem o experimento, realizado em uma floresta da Guiné, onde vivem populações de chimpanzés selvagens. Como esse é o animal que mais se assemelha geneticamente ao homem, acredita-se que constitui, hoje, um grupo que pode representar bem os primeiros hominídeos. 

William C. McGrew, do Departamento de Arqueologia e Antropologia da Universidade de Cambridge e um dos autores do estudo, explica que os chimpanzés conseguem andar, um tanto desajeitados, sobre duas pernas, mas essa não é uma de suas características locomotivas, como ocorre em humanos. “Ocasionalmente, grandes primatas podem ficar sobre duas pernas sem o auxílio dos braços, mas, quando o fazem, é por uma questão postural. Por exemplo, se querem pegar um fruto de uma árvore baixa”, explica. Usar os braços para carregar alimentos, como faz o Homo sapiens, não é algo observado entre macacos.

Os cientistas, então, resolveram testar se, em uma situação de privação dietética, conforme a sofrida pelos primeiros hominídeos, os chimpanzés usariam o bipedalismo como meio de locomoção. Eles criaram um laboratório no meio da floresta e simularam três situações, em que ofertavam alimentos muito apreciados pelos chimpanzés. No primeiro caso, havia uma grande quantidade de noz-de-cola, fruto africano bastante disputado pelos animais. Na outra situação, as nozes foram introduzidas em pequenas quantidades e, na última, não estavam presentes no ambiente. Em seguida, os pesquisadores passaram a analisar a forma como os chimpanzés se comportavam para obter o alimento e, principalmente, o tipo de locomoção usada. 

Transporte Em 44 horas de observação, foram realizados 742 transportes de alimentos por 11 indivíduos. Quando a noz-de-cola era oferecida em pequena ou grande quantidade, os chimpanzés não só deixaram de recolher os outros frutos secos disponíveis, como fizeram, em média, três viagens para coletar a maior quantidade de nozes possível. Nesses momentos, eles começaram a se locomover de forma bípede porque, usando as mãos, conseguiam transportar o dobro de itens. Por gostarem muito desse fruto específico, que não é endêmico da floresta onde vivem, a quantidade ofertada não afetou o comportamento. Houvesse muita ou pouca noz-de-cola, o que eles queriam era coletar a maior quantidade possível do fruto. Já no grupo de controle — quando havia alimentos, mas não a noz-de-cola —, a locomoção dos animais foi outra. Eles andaram normalmente, com os punhos no chão, e levaram as frutas com a boca. 

“Esses resultado revela como a locomoção ereta entre os chimpanzés pode surgir a partir de uma necessidade de melhorar a eficiência alimentar, quando os recursos são escassos ou imprevisíveis, sugerindo que o mesmo pode ter ocorrido entre os primeiros hominídeos”, observa Brian G. Richmond, coautor da pesquisa e docente do Departamento de Antropologia do Centro de Estudos Avançados de Paleobiologia Hominídea da Universidade de George Washington. Ele lembra que andar sobre duas pernas requer um gasto de energia maior e que, provavelmente, os animais tentaram pegar a maior quantidade possível de nozes para compensar, depois da ingestão, as calorias perdidas durante o deslocamento.

“O que torna um item valioso, a ponto de o indivíduo fazer esse esforço?”, questiona o pesquisador. “Descobrimos que os alimentos que fazem valer a pena a locomoção bípede são aqueles escassos ou imprevisíveis, ou seja, aqueles que podem estar lá um dia e, em outro, não. Dada a incerteza — ‘se eu voltar mais tarde, será que vou encontrá-lo?’ —, o animal, observamos, vai se adaptar”, responde. “No caso do nosso estudo, constatamos que, para os chimpanzés da Guiné, esse fator foi muito importante para aumentar a frequência de deslocamento e o número de nozes carregados por vez”, diz. 

Mudança climática Há mais de 4 milhões de anos, essa pode ter sido a grande dúvida dos últimos ancestrais de Lucy, nome dado ao fóssil de hominídeo mais antigo já encontrado. Cientistas especulam que, naquele momento, a Terra passou por uma mudança climática significativa, que afetou a vegetação da África. As árvores tornaram-se mais escassas, diminuindo a oferta natural de frutos. Os primatas precisaram buscar, no solo, outros recursos. Também não podiam prescindir das mãos, pois só assim carregariam o estoque de alimentos encontrados — grandes quantidades garantiram que, se no dia seguinte a comida não estivesse mais lá, o primata não passaria fome. 

A mudança exigiu uma adaptação da anatomia, que ficou vertical. Os arcos dos pés e o tamanho dos braços também sofreram modificações, já observadas no espécime Australopithecus afarensis, a espécie de Lucy. “Em pé, conseguindo recolher e transportar recursos de alto valor energético de maneira mais rápida, as chances de sobrevivência aumentavam. Esse foi, literalmente, o maior passo evolutivo da história dos seres humanos”, conclui Brian G. Richmond.

PALAVRA DE ESPECIALISTA » Grande diferencial 

Herman Pontzer - professor assistente de Antropologia da Universidade de Washington, câmpus de St. Louis

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