terça-feira, 19 de junho de 2012

VQ // 41 // Direitos

A marcha das mulheres livres

“Sou minha e não de quem quiser” é uma das mensagens difundidas pela Marcha das Vadias, que  acontece em diversos países desde 2011, para lutar pelos direitos das mulheres

Por Vanessa Fonseca

No mês passado, um dos assuntos mais debatidos nas redes sociais e na imprensa foi a entrevista de Xuxa ao quadro “O que vi da vida” do Fantástico. A apresentadora contou que havia sofrido violência sexual até os 13 anos de idade. O fato, revelado publicamente apenas agora, com Xuxa perto dos 50 anos, não havia sido contado nem para sua mãe, em quem confiava, por sentir vergonha e culpa pelos abusos sofridos. Como Xuxa, muitas meninas no Brasil se sentem culpadas por terem sido abusadas sexualmente.

Mas por que mulheres e meninas se sentem, muitas vezes, culpadas por sofrerem violência? Colocada desta maneira, esta questão pode nos parecer contraditória ou mesmo absurda. Mas pensemos na seguinte situação: uma menina sai para dançar e alguém passa a mão em suas pernas. Ao contar para um amigo, ouve “com esta saia curta, o que você queria?”. Não é raro escutarmos que mulheres com roupas curtas ou decotadas estão provocando os homens. Quando a violência acontece é comum que se atribua a responsabilidade à mulher que sofreu a violência, seja por estar em lugar onde não deveria estar, por ter bebido além da conta ou mesmo pela escolha da roupa.

Tomando como exemplo mais um evento midiático, podemos citar as reações do público ao suposto estupro no programa Big Brother. Sem levar em consideração se houve ou não violência sexual por  baixo do cobertor, os comentários – do público e na capa de uma revista de grande circulação – sobre o comportamento ou as roupas usadas pela participante do programa, foram usados como  justificativas para o fato. Isso nos faz concluir que ainda são necessários avanços para que as mulheres alcancem os mesmos direitos sexuais que os homens

Marcha das Vadias
Por tradicionalmente se sentirem “culpadas”, o resultado é o silencio das mulheres ao sofrerem algum
tipo de violência sexual. Estima-se que os casos de denúncia são bem inferiores ao números reais.
Uma prova disso foi o aumento de quase 50% das denúncias feitas ao Disque 100, após o depoimento de Xuxa. Não foi o número de casos que aumentou em apenas um dia, mas o estímulo à desnaturalização da violência sofrida pelas mulheres, que as fez tomar coragem para revelar o fato.

Como parte deste discurso, muitas ações para a prevenção da violência sexual têm sido voltadas para educar meninas a se comportarem de maneira segura. Foi o que aconteceu na Universidade de Toronto em uma palestra sobre segurança, em janeiro de 2011, depois da ocorrência de casos de violência sexual no campus. Nessa palestra, o policial Michael Sanguinetti sugeriu que “as mulheres evitassem se vestir como vadias (sluts, no  inglês original), para não serem vítimas”. Em abril
do mesmo ano, 3 mil pessoas foram às ruas de Toronto denunciar o quanto mulheres ainda são  reprimidas para que o desejo masculino possa existir livre de culpa. O protesto foi batizado de  Marcha das Vadias” e, imediatamente, se espalhou pelo mundo. No Brasil, a primeira marcha aconteceu no dia quatro de junho de 2011, em São Paulo. Logo em seguida, alcançou cidades como Salvador, Fortaleza, Londrina e Recife. No Rio de Janeiro, a última marcha aconteceu no dia 26 de  maio, em Copacabana, e contou com a presença de homens e mulheres indignados com as desigualdades.

Com mensagens como “ensine os homens a não estuprar, em vez de mulheres a não serem  estupradas”, “sou minha e não de quem quiser”, “quando uma mulher diz não, é não” ou “meu corpo, minhas regras”, a Marcha das Vadias reivindica o direito das mulheres decidirem sobre seu corpo e a
maneira como irão usufruir de seu prazer. É uma marcha por relações baseadas no respeito, no diálogo e na negociação entre os pares. É um direito de todos nós, homens e mulheres, termos relações com quem desejarmos e como desejarmos, desde que essas relações sejam consentidas, e por quem tenha condições de fazê-lo. Ou seja, sem que haja nenhuma forma de coerção ou intimidação, a partir de igualdade no poder de decisão.

Contra a desigualdade
A manutenção das desigualdades se deve ao fato de consideramos como naturais os comportamentos
e os desejos de homens e mulheres, o que faz com que nos acomodemos em justificativas que impeçam mudanças. Costumamos pensar que homens não são capazes de controlar seu desejo sexual, cabendo às mulheres a tarefa de se protegerem, escondendo-se, para que os homens possam continuar circulando livremente.

Entretanto, estes comportamentos são históricos e o fato de existirem homens que não reproduzem
a violência é prova de que é possível respeitar. Não é justo que continuemos a reproduzir, por meio de leis, propagandas, campanhas ou ações educativas, a ideia de que os direitos sexuais de homens heterossexuais são mais legítimos do que o de mulheres, e permitir que a desigualdade seja expressa, inclusive, pela violência.

Ser vadia nada tem a ver com as mulheres das propagandas de cerveja, aquelas que estão à disposição, prontas para serem consumidas por quem o desejar. Ser vadia é poder vestir-se com pouca roupa, ou estar bastante coberta, e não ser vista como objeto de consumo. Ser vadia é poder estar casada sem se sentir na obrigação de ter relações sexuais com o marido para agradá-lo, ou porque depende dele, e é também poder viver todas as fantasias sexuais com seu parceiro. Ser vadia é dizer sim para muitos homens e não para tantos outros. Ser vadia é poder sair pronta para seduzir e fazer a sua escolha.

Ser vadia é ser livre e a liberdade não pode nos ofender. Já a violência e a repressão, sim.

Vanessa é coordenadora de Programas do Promundo e não vê problema em ser chamada de vadia

O Disque Denúncia Nacional, ou Disque 100, é um serviço de proteção de crianças e adolescentes com foco em violência sexual, vinculado à Secretaria de Direitos Humanos [www.disque100.gov.br]


Um comentário:

Anônimo disse...

AIgreja Católica émisógena.São Pedro foi misógeno. Queremos o quê? Viva a Marcha das Vadias.