Por Emir Sader - Carta Maior (*)
A ditadura militar terminou, porém o Brasil continuou a ser o país mais desigual da América Latina – o continente mais desigual do mundo. Continuamos a ser assim uma ditadura social, em que as mesmas elites se apropriam, de geração a geração, do substancial da riqueza material e simbólica, ao mesmo tempo que ocupam os postos de poder político e ideológico.
A transição da ditadura à democracia foi política, de substituição de um sistema por outro, mas nenhuma reforma substancial promoveu a democratização econômica, social e cultural do país. Ao contrário, desde então o poder do sistema bancário e financeiro só aumentou, da mesma forma que o poder sobre a terra, o mesmo ocorrendo com o monopólio privado da mídia. (Recordemos que o Ministro das Comunicações do primeiro presidente civil foi ACM que consolidou a repartição do sistema de comunicações).
Estes são dois dos principais nós que obstaculizam a construção de uma democracia com alma social no Brasil: romper a hegemonia do capital financeiro e o monopólio privado da mídia.
As mais altas taxas de juros reais do mundo, a autonomia do Banco Central, são expressões dessa hegemonia, que é uma trava para um crescimento maior da economia, para um processo muito mais extenso e profundo de distribuição de renda, para a disponibilização de muitos mais recursos para os investimentos públicos e para as políticas sociais.
A mesma política neoliberal que provocou a crise econômica atual no mundo, levou, no Brasil, com o governo FHC, à quebra da nossa economia três vezes. A desregulamentação liberou o capital para buscar os maiores rendimentos, com menor – ou nenhuma tributação – e maior liquidez. Se deu um gigantesco processo de transferência de capitais para o setor financeiro e, mais diretamente, para a especulação, promovendo a financeirização do Estado e da economia.
Os diagnósticos consensuais sobre as causas da crise internacional fortalecem ainda mais a necessidade de quebrar essa hegemonia do capital financeiro. O que só pode ser conseguido terminando com a impunidade da sua livre circulação, induzindo investimentos produtivos e desincentivando a especulação. Tendo uma orientação clara de diminuição sistemática da taxa de juros – que remunera justamente o capital especulativo -, para o que é necessário terminar com a independência de fato do Banco Central, subordinando- o a uma direção econômica única e centralizada do governo.
Sem quebrar esse poder do capital financeiro, o Brasil não poderá dar continuidade ao ciclo expansivo da economia, agora com um contexto internacional desfavorável. Esse ciclo contou com um grande esforço de investimento por parte do Estado, com a diversificação do comércio exterior, com a extensão e aprofundamento do mercado interno de consumo de massas. Tudo isso apesar da taxa de juros mais alta do mundo, apesar do capital financeiro. Um luxo que o país não pode seguir tendo.
Da mesma forma, a quebra do monopólio privado da mídia, que fabrica uma opinião publica restrita, condicionada fortemente pelos laços da publicidade que financiam a mídia. A grande massa majoritária da população brasileira já demonstrou que pensa de forma totalmente contrária ao que a mídia afirma, no entanto não encontra espaços próprios para desenvolver e difundir suas opiniões.
Qualquer que seja a avaliação que se tenha do governo Lula, esses dois nós restam como obstáculos ao avanço econômico, social, político e cultural do Brasil na direção de uma sociedade justa, democrática, solidária, humanista.
(*) Artigo publicado na Agência Carta Maior, em 17/11/2008.
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