quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Tropa de Elite: o inimigo é sempre o mesmo *

Trata-se do mesmo inimigo, aquele que se alimenta dos narcodólares, o mesmo que vive do tráfico de armas, que faz com que as vidas humanas sejam supérfluas

* Por Marianna Araújo (Publicado no Brasil de Fato)

José Padilha lançou seu primeiro longa de ficção, Tropa de Elite, em 2007, em meio a um furor causado pelo tema, mas também pelas milhares de cópias piratas vendidas antes da estreia. Muito pode se falar sobre Tropa de Elite, mas não dá para negar que a expectativa criada em torno dele foi correspondida na sala de cinema. O que se viu foi um filme arrebatador – hão de concordar mesmo aqueles que nutrem as críticas cabíveis –, que provocou debate e trouxe inovações para o circuito nacional. Não por acaso, Padilha saiu do Festival de Berlim em 2008, com o Urso de Ouro nas mãos.

O mesmo não se pode falar da continuação da saga do Capitão Nascimento. “Tropa de Elite 2 – o inimigo agora é outro” estreou rodeado de uma expectativa similar ao primeiro, mas a impressão que deixa quando saímos do cinema é bastante distinta. Na tela, um filme frio com um enredo que tenta colocar em paralelo a vida pessoal do policial e sua trajetória profissional. Não se sabe ao certo se Nascimento combate pela vida do filho ou pelos ideais que aprendeu no Bope. O que parece, é que na falta de uma história para contar, passa-se a contar a história do personagem que fez sucesso, fazendo dele um artifício para viabilizar aquilo que o diretor “realmente” gostaria de mostrar. E o que o Padilha queria contar? Aquilo que já anuncia no título de Tropa 2: o inimigo é outro em relação ao primeiro filme.

O diretor sempre teve sua obra rasgada por um viés que podemos chamar de “social”. Em seu longa de estreia, o documentário “Ônibus 174”, ele se projetou por ir na contracorrente do que se falava sobre Sandro, o sequestrador do ônibus. Enquanto boa parte da mídia tratava de transformar o seqüestro em espetáculo e a morte de Sandro era celebrada como sinal de eficácia da operação policial, Padilha pautou seu filme de forma bastante diferente. O esforço dele foi traçar a trajetória de Sandro, sobrevivente da chacina da Candelária, não para justificar o sequestro, mas para mostrar o homem por detrás do encapuzado e a sociedade na qual ele se criou, a mesma onde se insere seu crime.

Tropa de Elite foi o segundo longa do cineasta. Com ele vieram não só os louros, mas também muitas críticas. A principal delas diz respeito a uma dada apologia à política de confronto e o desprezo dos direitos humanos, características do Batalhão de Operações Especiais (Bope), da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Para que não se diga que há exagero nesta definição, nunca é demais lembrar que a tortura e o blindado conhecido como “Caveirão” são recursos usuais do Bope. O filme foi taxado de “fascista” e ainda que consideravelmente premiado, a obra nunca conseguiu se desvincular das críticas.

O que há que se considerar nisso tudo é que Padilha foi questionado entre espectadores e em um meio onde era tido com certa expectativa por conta de “Ônibus 174”. O olhar humanista do primeiro longa do diretor foi absolutamente esquecido depois das cenas de tortura da sua primeira ficção.

E o que fez Padilha depois das críticas? Filmou Garapa. Um filme engajado, com um viés social bastante forte. Garapa é um documentário duro, sobre a fome, que abusa de imagens sensibilizadoras em sua estética preto e branco. O filme, no entanto, mostra-se revelador no que diz respeito ao cineasta. Em mais de um momento é possível sentir certa fricção entre ele e os entrevistados. Um exemplo é quando ele pergunta a uma mulher: “Se você não tem condições, por que continua a ter filhos”? Ela, desconcertada, se mostra sem resposta. O cineasta aparece durante todo o documentário com excelentes diagnósticos para a problemática que se propõe a colocar. Garapa mostra que Padilha tinha mais que uma ideia na cabeça, ele tinha certezas e usa sua câmera apenas para ilustrá-las. A câmera deixa que isso transpareça nitidamente quando revela os embates do diretor com os homens e mulheres que retrata, famintos e sem resposta.

Depois de Garapa veio Tropa 2 e o que parece é que o desejo dele era mostrar que as críticas não lhe eram cabíveis, nem a seu filme. Por que não? Porque o problema da violência na sociedade carioca não é responsabilidade do Bope. O Bope faz o que pode: mata. O Bope, esta instituição incorruptível, apenas reprime todo o mal que emana na cidade. Mas isso, Tropa 1 já dizia. O problema é que os “militantes de direitos humanos” não gostam que se mate traficantes. Em resposta a isso, Padilha colocou os “direitos humanos” no segundo filme.

Toda a construção de Tropa 2 é bastante simplória. De cara, o roteiro coloca um deputado ligado aos direitos humanos no centro do universo criado no primeiro filme. Em seguida, liga o mesmo deputado à vida pessoal do protagonista, o agora tenente-coronel Nascimento. Para então promover a reviravolta central do roteiro: Nascimento torna-se subsecretário de segurança pública. Ele já era um homem honesto, disposto a matar pelo “bem” da sociedade, mas do Bope via apenas os traficantes como inimigos. Da secretaria de segurança pública o protagonista pode enfim ver a verdade: seus inimigos não são apenas os traficantes, mas estão na própria polícia – os corruptos milicianos – e, principalmente, no governo. É quando percebe que matar pessoas apenas não é o suficiente para construir uma sociedade mais justa, que Nascimento começa a “combater” de outra forma. O filme existe para fazer com que o tenente-coronel enxergue o óbvio, critique as alianças entre milícias e governantes e colabore com uma Comissão Parlamentar de Inquérito.

A simplicidade do roteiro só não surpreende mais do que o tom catequético do longa. Pelo menos um quarto dele alça-se na narração do próprio protagonista. A todo tempo Nascimento reafirma seu compromisso com a justiça, busca apontar culpados e ensina ao espectador que a política é uma coisa muito suja e culpada por boa parte do que existe de ruim na sociedade.

A impressão que se tem é que José Padilha tenta responder a seus críticos. Assim como em Garapa, sente-se que o diretor tinha uma certeza. No caso de Tropa 2, o perigo representado pelos milicianos. O recurso da narração serve para afirmar essa certeza. E a cena final, não deixa dúvidas: o plano aéreo que vai fechando no Congresso Nacional enquanto Nascimento pergunta quem são os culpados enfatiza para o espectador o mal que representam nossos políticos.

Possivelmente José Padilha não esteja errado em nenhuma das afirmações que faz em Tropa de Elite 2. A questão é o tom professoral que o filme assume e suas fracas conclusões que o levam a fazer um filme igualmente fraco.

José Padilha equivoca-se desde o princípio, simplesmente porque o inimigo não é “outro”. Trata-se do mesmo inimigo, aquele que se alimenta dos narcodólares – negócio tão lucrativo quanto o petróleo –, o mesmo que vive do tráfico de armas, que faz com que as vidas humanas sejam supérfluas. O inimigo de vidas sem subjetividades, desempregadas e desnecessárias. O inimigo é o capital e as vidas que ele faz girar, nunca ao caso, sempre em função do lucro.

Marianna Araújo é jornalista.

7 comentários:

Anônimo disse...

O inimigo é o capital, que alimenta tb os processos eleitorais.
Gente, os TREs de Piauí, Bahia, Paraíba... já conseguiram remarcar as eleições suplementares!!! Por que o RJ, não? Alguém sabe explicar?

Toq disse...

A análise é boa, mas a "jornalista" criticou o Padilha por suas fracas conclusões, e ao meu ver as dela foram fraquíssimas tb... Mas valeu a análise. Parabéns..

Anônimo disse...

Eu não entendi nada do que o Toc disse acima, se a análise é boa, como ela pode ter tirado fracas conclusões? Afinal, a conclusão é o ponto capital da análise.

Não vi o filme, mas já vou vê-lo com novo olhar. Ou não.

Anônimo disse...

Esse blog nem parece ser de Valença. Façam com o elizeupires.blogspot.com
Vcs tem a força!!!

Anônimo disse...

Não acho necessário assistir o filme para saber que os 3 negócios mais rentáveis do MUNDO são: PETRÓLEO, TRÁFICO DE ARMAS E TRÁFICO DE DROGAS, repito DO MUNDO. E são rentáveis por que tem consumo, certo ? Alto consumo, impulsionado pela incapacidade de pensar de nossa raça...que aliás se prolifera aos montes...sem nem saber porque e para que...como responde a entrevistada do filme Garapa. Grande contrasenso, já que nunca tivemos acesso a tanta informação. Evidente que o Brasil tem particularidades, principalmente o Rio de Janeiro que passou a ter um sistema de trocas de favores escusos entre a favela e os políticos...iniciado a mais de 30 anos, restando assim a herança atual. Quanto a questão eleitoral, torna-se necessário acessar o site do TSE e verificar os processos administrativos referentes a cada solicitação feita pelos TREs, pois existem particularidades jurídicas em cada um deles...cada caso é um caso...cada pedido é um pedido...como por exemplo...Cascalheiras no Mato Grosso, cuja eleição seria 31 de outubro. O Presidente do TRE/MT pediu para modificar a data...ao contrário do pedido feito pelo TRE/RJ...que pediu para manter a eleição na mesma data (3/10) e levou bucha.

Anônimo disse...

Interessante o texto. Boa discussão!

Discordo da analise feita em alguns pontos. Qnd ela diz que o inimigo é o mesmo, isso todos nós ja sabiamos desde o primeiro filme, inclusive o padilha. Essa denominação de o inimigo agora é outro, é apenas na visão de um personagem no filme, no caso o capitão nascimento. E que certamente é a mesma visão de muitas pessoas da população.

Acho que aconteceu a mesma coisa q no primeiro filme, que foi de confundirem as idéias dos personagens com o que pensa o padilha. Quando o chamaram de fascista. O que ele faz trazendo essas falas é mostrar como boa parte das pessoas pensa dessa maneira. Um exemplo claro disso foi o cap nascimento ter filme considerado um herói no primeiro filme por muitas pessoas.

Diferentemente da mariana achei o filme excelente!

Desde a maneira como foi criada o roteiro,
o tema abordado, as tomadas de cameras e iluminação quase sempre escuras e sombrias passando perfeitamente a sensação que esse assunto causa, grandes atuações incluive de atores "desconhecidos", cenas de ação muito bem produzidas (coisa que não é comum no cinema nacional), enfim um filmaço!!!

Anônimo disse...

Vi ontem. muito bom.