‘Não escrevo para acomodar,
escrevo para incomodar’
Fotos VQ
Ilustração João Paulo Maia

Com seis livros publicados, o poeta Carlos Brunno, de 33 anos, é professor de português e gosta de lembrar que todos os seus livros foram “editados de forma independente”, com o apoio de amigos, em especial de Felipe Duboc, que colaborou na diagramação dos últimos livros. Nos lançamentos, ponto alto de suas publicações, sempre realiza Saraus, com a presença constante do grupo Arte e Ofício. Nascido em Barra do Piraí, mas passando a juventude em Valença, Carlos Brunno S. Barbosa teve seu caminho trilhado pela leitura: “Sempre trabalhei com papel. Trabalhei na editora Valença, no jornal Correio do Vale, na fábrica de papel em Barra do Piraí e como professor. Logo, o papel sempre me seguiu”, comenta. Ele é um dos integrantes do Sarau Solidões Coletivas, que se apresenta no lançamento das edições do VQ, além de realizar e participar de diversos outros saraus. A conversa com o poeta se deu na Praça do Bairro São José das Palmeiras, que já serviu de inspiração para diversos poemas, mas hoje se encontra degradada. A seguir, leia os principais trechos do bate-papo.
Trabalho
Com 15 anos comecei a trabalhar na Editora Valença e foi lá que comecei a conviver com o mundo da literatura. Já escrevia, mas ali eu começo a conviver mesmo. O jornal Correio do Vale foi onde publiquei meus primeiros poemas, porque tinham buracos e eles me chamavam para preencher. No jornal eu era o office boy, quem pegava as notícias de cultura, entregava o jornal, revisava e ainda pegava as notícias de assessoria de imprensa.
Estímulo à poesia
Eu adorava o rock da década de 80. Minha formação é toda do rock, mas sempre gostei de ler. Eu estudava no Theodorico Fonseca e a professora de literatura era a Ieda – que não sei o sobrenome e nunca mais a vi, mas foi quem me fez entrar para o mundo da literatura. Eu estava no primeiro ano e ela declamava Camões com muita empolgação. Aprendi a amar literatura com ela.

Quando teve o intercolegial [
as escolas realizavam competições de música, poesia e teatro] eu não escrevia poemas, mas como tinha notas boas o pessoal da turma falou que eu teria que escrever. A professora Ieda apoiou essa ideia. Aí os três CDFs da turma escrevem: eu, Carlos Rodrigo e o André Diniz. O poema do André era muito bom. O meu poema, honestamente, não tinha como ganhar e fui desclassificado. O André e o Carlos Rodrigo também foram eliminados. E a que ganhou foi uma sobre o Ayrton Senna e o Denner (jogador do Vasco), que tinham morrido recentemente. Só que era uma coisa assim: “Senna era piloto, Denner era jogador de futebol, os dois morrem na estrada da vida”. Era muito ruim. E ele classificou e o André não. Sabe aquele lance de você comprar a briga dos outros? Pra me deixar mais irritado, descubro que o vencedor era filho de professor, e era comum os filhos dos professores ganharem.
No ano seguinte concorro pelo Theodorico a um concurso estadual da Biblioteca Euclides da Cunha e ganho a menção honrosa (que significava ficar entre os três primeiros). Eles ganham o municipal e eu ganho o estadual. Foi aquela coisa meio de birra. Aí que vi o apoio da Escola. Eu fui pro Rio receber o prêmio, mas era num dia de prova. Pedi segunda chamada, mas não me deram. Me ferrei. As escolas não tinham esse costume. Hoje como professor mando meus alunos para todo concurso que tenha área juvenil. Mesmo assim você vê escola que a direção não apóia.
Educação
Nossa educação hoje tem política demais influenciando no trabalho do professor. A gente fala tanto de bullying, mas é o professor que mais sofre bullying pelo Estado e município. O que também atrapalha muito, especialmente as políticas municipais, é o excesso de projeto político que interfere no projeto pedagógico. É muita gente de fora interferindo no trabalho pedagógico do professor. Tem muita política nisso tudo. E perseguir o professor faz parte da política, porque o salário dele está defasado, faz parte dessa política que é uma forma de justificar que ele trabalha mal, e você paga pouco.
Porque ser professor
Eu tinha uma tia, professora, que me dava livros e me levava pra escola dela quando eu tinha oito anos. Ela me deixava na biblioteca. O que uma criança faz na biblioteca? Ela não pode falar, não pode correr. Eu pegava os livros. Ela me fez ler.

Acredito também que se houver uma revolução, ela não será política. Ela será educacional e cultural. Se você tem um grupo bem educado, estruturado, você impede por exemplo que ele se deixe levar pelo consumismo, de ser enganar por um político sacana. Ele vai estudar história para o político não enrolar ele.
Isso é o que me motiva. Eu demoro pra fazer a faculdade. Eu termino o Ensino Médio em 1996 e por razão de trabalho, de ajudar em casa, tive que trabalhar, ao invés de escolher a faculdade. Se eu fizesse uma federal, fora de Valença, não daria pra trabalhar pra ajudar em casa. Aí trabalhei em fábrica, e é nesse momento que escolho fazer Letras. Foi a professora Ieda que mudou meus rumos. Eu queria ser desenhista. Eu sei o poder que o professor tem, de construir ou destruir um sonho.
Tradição
Em Valença impera o tédio. A queda do Casarão das Artes simboliza a queda da Rua dos Mineiros, a queda de uma certa tradição adolescente, de ficar ali. Tinha o Bar do Santana, o Fliperama. A sensação que tenho é que a gente tem perdido algumas raízes, tinha ali aquela aglomeração em volta daquele espaço. Sem querer a gente fazia a tradição. Hoje em dia está muito espalhado, algumas culturas não ajudam, como a cultura dos proibidões do funk. Isso preocupa, porque as novas manifestações consideradas culturais, alienam ao invés de enriquecer. Isso reflete na educação, reflete em falta de atenção, em gravidez precoce. Acho que a juventude está muito perdida.
Trevas coloridas
Hoje vivemos a ditadura da alegria. Você tem que estar sempre sorrindo, sempre em festa. Se você fala que está triste, é excluído do grupo. Você não tem mais o direito a uma certa individualidade. É tudo programado para você sorrir, ser feliz, comprar. Seguir a vida como se não tivessem várias coisas incomodando. E se você não fica triste você não pensa. Quando a gente fica feliz a gente fica meio besta. É o que eu chamo de “trevas coloridas”. Todo mundo é a favor de todos os sexos, todas as cores, ninguém é racista, todo mundo sorri. E se você fala que é contra, você não entra, é excluído, é esquecido. A pedagogia hoje em dia tenta investir nessa ditadura da alegria.
Arte valenciana
A gente tem muita arte em Valença. Em cada esquina você encontra um artista, alguém que declama, toca violão, escreve. Mas faltam eventos culturais na cidade. Tem artista mas não tem espaço. São as cinzas do Casarão, é o teatro Rosinha que está caindo. Você não tem onde aglomerar nem marcar um evento para promover esses artistas. A prefeitura tem o espaço de arte, mas de segunda a sexta até às 5 da tarde. Então quem trabalha não pode participar? O outro espaço é a Casa Léa Pentagna, que até abrem para eventos alternativos, mas tem todo um ranço elitista.

Isso faz com que os atores fiquem cada vez mais espalhados. Por exemplo o Edinho Batera, que tem um bloco que trabalha com a madeira, com material que a gente joga no lixo, e que não tem divulgação. Você tem o Wallace Remf que já ganhou concursos de Rap no Rio e se ele não te fala você nunca vai ficar sabendo.
Eu lembro de um sonho do Kareca. Ele dizia que a praça dos sonhos dele era o Jardim de Cima virar a praça dos artistas, de fazer uma concha acústica, etc. Você tem artista na cidade, mas não tem um local para agregar. Isso que o Kareca falava. E também não tem apoio. É aquela história, que infelizmente não é só em Valença: “qual é o seu partido, de onde você é, qual é o seu sobrenome, o que você quer com isso, o que eu ganho com isso?”.
Em cidades como Valença, a gente precisa apoiar a arte local, se não ela desintegra. Se você só apóia as coisas de fora, ela vai ser engolida. Se a gente se pensa como um local turístico – que é o que mais ouvimos sobre Valença vindo dos políticos – você precisa ter uma cultura local forte.
Apoio cultural
Em janeiro de 2008 a gente fez o “Universos culturais em Valença” para agregar a galera. A gente teve até um certo movimento, apesar da chuva. Foi no Teatro Rosinha – um dos últimos eventos lá, com goteira porque choveu. Aí reclamaram que os músicos beberam dentro do Teatro – mas eles não estavam ganhando nada, não quebraram nada, não fizeram nenhuma sacanagem. Agora querem que os caras não bebam? Isso porque não foi ninguém da Secretaria de Cultura, foi apenas a atendente. A única coisa que a gente pediu foi o som e o espaço.
Depois do evento, eu volto pra Teresópolis para trabalhar, eu não consigo mais fazer contato com a secretária. Ela nunca estava aqui na sexta-feira, que era quando eu conseguia estar. Quando eu volto, o Aílton Faria, artista plástico que organizava o evento comigo, disse que tentou, que a Secretaria marcava e remarcava e nunca o atendiam e que eles não aceitavam que os artistas bebessem. Pensei comigo, não tem lógica. O cara está fazendo a arte dele, se expondo de graça, e você ainda quer cobrar um puritanismo? Pra mim era arrumar desculpa para não apoiar.
Poesia x rebeldia
Ferreira Gullar fala que a poesia nasce do espanto. Você toma um susto quando tem uma dor na coluna e aí você descobre que ela existe. Quando ela dói você percebe a presença dela. Esse incômodo com a existência, com o que se passa a sua volta. É uma outra forma de você olhar o que está muito tranquilo. Eu acho que a poesia tem relação com a rebeldia. Pelo menos a minha nasceu muito de rebeldia. 70% sem causa e 30% porque diziam que jovem não tem o que falar. Se eu não posso falar eu escrevo. A jogada foi essa.